Mulheres são referência na pesquisa científica ligada à preservação da biodiversidade e relatam os desafios e conquistas em campo.
Embora a participação de mulheres no setor de ciência e tecnologia ainda não seja equiparada a dos homens, representando cerca de 30% dos pesquisadores no mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em muitas áreas, como a Biologia, as mulheres já são maioria no Brasil. Mesmo assim, a presença feminina em cargos de liderança e de maior remuneração não é proporcional ao grande número de pesquisadoras existentes.
A ecóloga Márcia Marques, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professora titular da Universidade Federal do Paraná e vice-presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (Abeco), ressalta que pesquisadoras ainda sofrem preconceitos ao realizar trabalho de campo, pois muitos esperam que atividades mais pesadas sejam realizadas apenas por homens.
“Além disso, o trabalho no campo expõe as mulheres a determinados tipos de assédio e violência que só ocorre com elas”, frisa a professora.
Se na graduação as mulheres ecólogas representam mais de 60% do total, quando olhamos para a proporção de mulheres pesquisadoras de alto nível, ou seja, aquelas que recebem bolsa de produtividade nível 1A no CNPq, a proporção gira em torno de 20%.
“Isso se deve a inúmeras dificuldades, como as limitações impostas pela maternidade não compartilhada, assédio e outros componentes da cultura patriarcal que vivemos. O ponto positivo de tudo isso é que as novas gerações de cientistas já estão se organizando e reivindicando igualdade de condições também na ciência”, observa.
Márcia conta com orgulho os motivos que a levaram à carreira de cientista. “Via notícias na TV sobre espécies ameaçadas e ficava impactada. Eram os anos de 1980 e as preocupações com a conservação da natureza estavam começando no Brasil. Ficava intrigada com as notícias sobre a iminência de extinção de baleias e do mico-leão-dourado. Daquele ponto, direcionei meus esforços para esta profissão e, depois de formada, para as atividades científicas relacionadas com a ecologia de florestas”, conta.
A relação com a natureza e o amor pelos animais também foram determinantes para a trajetória da médica veterinária Flávia Miranda, membro da RECN, coordenadora do Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás do Brasil e coordenadora científica do Programa de Conservação do Tatu-Bola pela Associação Caatinga.
“Desde pequena eu queria cuidar dos animais, ser veterinária ou bióloga. Fui escoteira e estava sempre no mato acampando. Adorava feiras de ciência e tive meu real contato com a pesquisa na universidade, quando fui fazer iniciação científica. Foi amor à primeira vista”, relembra.
Ser uma pesquisadora bem-sucedida não impede Flávia de observar o desequilíbrio entre os gêneros na ciência. Ela destaca, no entanto, que uma nova geração de pesquisadoras está vindo com força total na área de conservação. “Infelizmente ainda sofremos com machismo estrutural. Tanto no trabalho no campo quanto na separação de tarefas entre mulheres e homens nos acampamentos ainda existem preconceitos. Um exemplo: os homens vão para o campo e as mulheres fazem o rancho (comida). Temos conseguido ultrapassar barreiras, mas ainda está longe do ideal”, analisa.
Outra pesquisadora apaixonada pela natureza desde pequena é a bióloga Camila Domit, membro da RECN, coordenadora do Laboratório de Ecologia e Conservação do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que também é coordenadora de táxon para validação das espécies de mamíferos marinhos ameaçadas junto ao ICMBio.
Filha de pesquisadores, Camila enxerga a ciência como instrumento de transformação. “É um caminho importante para quem deseja fazer parte da construção de uma sociedade melhor, de um planeta com mais qualidade de vida e mais saúde para todos, tanto humanos quanto de outras espécies”, salienta.
Como pesquisadora em cargo de liderança, ela observa que as mulheres ganharam mais espaço, tanto na pesquisa oceanográfica quanto nas linhas de conservação, mas também vê desafios a serem superados.
“O trabalho no mar em geral ainda é mais masculino, pois historicamente ações relacionadas à exploração do mar, como a pesca, viagens de barco e navio, além de longos períodos longe da costa, estão mais relacionadas aos homens. No entanto, o trabalho pode ser feito de forma colaborativa e as mulheres conseguem contribuir muito com seus conhecimentos e experiências”, avalia.
Para Camila, conciliar a carreira com a vida pessoal ainda é um dos grandes desafios das pesquisadoras.
“Todos deveriam ter oportunidades iguais, mas a forma como a nossa cultura lida com o papel feminino – especialmente com as responsabilidades atribuídas à família – também interfere no desenvolvimento da carreira. Se um homem decide ter filhos, provavelmente não precisará interromper o progresso profissional, já a mulher geralmente precisa fazer uma pausa no trabalho e nos estudos para cuidar das crianças pequenas. O ideal seria construir uma rede de apoio para não desencorajar as mulheres”, observa a pesquisadora da UFPR.
Engenheira florestal e diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes relata que o contato com a natureza durante a infância foi determinante para a escolha da profissão e da causa da conservação.
“A decisão para eu cursar Engenharia Florestal e abraçar a causa da conservação da natureza começou quando eu tinha 6 meses de idade, quando fui morar no interior do Paraná. Lá, tive contato intenso com a natureza, com florestas e muitos animais. Foram anos de muita liberdade e aprendizados ao ar livre”, conta. Entretanto, o mercado de trabalho não tinha abertura. “Após a formatura, me deparei com um mercado de trabalho predominantemente masculino, com poucas oportunidades para mulheres e sem a preocupação com a conservação.”
Passado o tempo, Malu ressalta que, atualmente, pesquisadoras brasileiras são muito reconhecidas, inclusive internacionalmente.
“Temos uma tradição de mulheres ambientalistas e cientistas notáveis, com relevantes pesquisas e grande contribuição para a conservação da natureza em suas áreas de atuação. Maria Tereza Jorge Pádua, Denise Rambaldi e Silvia Cappelli são exemplo disso. Temos visto cada vez mais jovens dedicadas e preparadas saindo das universidades com muita energia. O caminho para a igualdade de oportunidades pode ser longo, mas certamente estamos na direção certa”, salienta Malu, também membro da RECN.
“Tenho muita esperança nesta evolução. A geração que está chegando ao mercado está mais preparada e consciente de seus direitos. Que possam ocupar cada vez mais espaço onde quiserem, sem sentir medo ou culpa, sem ter que abdicar de seus planos”, frisa Camila.
“As novas gerações se apoiam em um legado de mulheres que ultrapassaram os limites impostos naquele momento e ajudaram a construir uma ciência cada vez mais igualitária. Temos a missão de dar continuidade nesta história”, completa Márcia.
Fonte: CicloVivo
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