Comunidades tradicionais nos municípios Brejo e Buriti enfrentam avanço do agronegócio sobre suas terras
Comunidades tradicionais da zona rural dos municípios vizinhos Brejo e Buriti, no leste do Maranhão, têm sido constantemente ameaçadas por grupos armados. Representantes das comunidades apontam dois nomes como responsáveis pelas múltiplas ameaças, entre eles está um funcionário público da região.
Entrevistados pelo InfoAmazonia acusam João Sidney Riedel, pecuarista, sojicultor e secretário de Esportes, Juventude e Lazer da Prefeitura de Brejo, de intimidar camponeses e de integrar uma milícia para defender ruralistas da região. Outro nome apontado pelos trabalhadores rurais é o de Gilmar Lunelli de Freitas, sojicultor que possui amplo histórico de denúncias por contratação de jagunços, além de multas ambientais e processos judiciais.
Além dos ataques contra as comunidades, Riedel e Freitas também brigam na Justiça, entre si, por terras na região.
Reforçam os testemunhos das vítimas dos crimes da disputa fundiária nesta região do cerrado maranhense, fronteira com o Piauí, registros de fotos, vídeos de celular e uma série de inquéritos policiais instaurados contra os acusados.
No episódio de violência mais recente, no último 09 de janeiro, Sidney Riedel, conhecido como Sidney Gaúcho, foi identificado pela Polícia Civil do estado como um dos presentes na intimidação de uma família da comunidade Taboquinha, na zona rural do município de Buriti. Testemunhas afirmaram que o servidor público teria participado da destruição de um poço construído pela lavradora Cristina*, ameaçando a comunidade com tiros de arma de fogo.
Segundo o Termo Circunstanciado de Ocorrência lavrado pela polícia na delegacia de Buriti, o carro de Riedel foi utilizado na ação.
Não foi a primeira vez que o poço foi destruído. Em 10 de dezembro do ano passado, logo após a família de Cristina construí-lo, ele já havia sido objeto de conflito. “Encostaram o carro, derrubaram a boca do poço, entupiram de mato e pedras”, conta a lavradora. “Eu mandei limpar e agora este ano apareceram de novo. Vestiram coletes, pegaram foices e jogaram pedras. Quando eu fui ver o que aconteceu, deram um tiro. Fiquei com medo, meu filho ficou apavorado. Tava só eu, minha mãe e minha cunhada”, lembra Cristina.
Vestiram coletes, pegaram foices e jogaram pedras. Quando eu fui ver o que aconteceu, deram um tiro. Fiquei com medo, meu filho ficou apavorado.
lavradora da comunidade Taboquinha, em Buriti.
A denúncia foi formalizada na Polícia Civil e uma investigação foi instaurada contra Riedel e um segundo suspeito ainda não identificado. A suspeita da família de Cristina é de que Sidney esteja organizando uma milícia rural para defender fazendeiros da região, entre eles, seu irmão Jorge Volnei Riedel. Proprietário da Fazenda Paraíso e da empresa Agrícola Terra Nova, Jorge disputa 26 hectares com os moradores da Taboquinha. Dentro deles fica a área onde a família de Cristina construiu o poço e onde pretendem construir uma casa para ela.
“Querem tomar conta da terra toda”, afirma a lavradora. A família de Cristina chegou na região em 1984. Outras famílias da comunidade Taboquinha vivem na área há pelo menos 60 anos. “Já cansei de apanhar pequi, fava, quebrar coco, plantar arroz e mandioca por aqui”. Agora, sua família teme principalmente pela postura de Sidney. “Eu nunca tinha visto ele, só ouvia falar que é perigoso”, relata Cristina.
O advogado Diogo Cabral, que há catorze anos trabalha com vítimas de violência agrária no Maranhão, também esteve na região e denunciou o ataque à Taboquinha em suas redes sociais. À reportagem, Cabral explicou que os moradores da comunidade se encontram em um estado de grande vulnerabilidade, “essa região é tomada por soja, os trabalhadores estão cercados e são cada vez mais prensados pela expansão do monocultivo”.
Essa região é tomada por soja, os trabalhadores estão cercados e são cada vez mais prensados pela expansão do monocultivo.
Diogo Cabral, advogado
Cabral avalia que a brutalidade na região é tanta que os trabalhadores acabam não reportando as constantes intimidações às autoridades. O advogado afirma que representantes de outras comunidades já denunciaram ameaças protagonizadas por Sidney: “existe um histórico de várias comunidades denunciando trabalhos de intimidação nos quais Sidney alega que seria um informante da polícia”.
Sidney já foi apontado também como autor de intimidação contra uma moradora da comunidade Cantinho dos Vieira, localizada no município de Brejo. A denúncia foi reportada a Cabral. Em junho de 2021, Sidney teria ligado para a camponesa Raimunda Vieira Gonçalves e insistido para que ela retirasse a denúncia de um violento ataque cometido contra sua comunidade um mês antes, em 27 de maio.
Na ocasião, nove bois criados pelo pai de Raimunda morreram intoxicados por uma substância não identificada que os camponeses acreditam ser agrotóxico utilizado na produção de soja do fazendeiro vizinho, Evaldo Grobner, conhecido como Evaldo Gaúcho. Segundo reportou o observatório De Olho nos Ruralistas, os animais estavam próximos ao campo de soja do fazendeiro quando, simultaneamente, começaram a morrer. O vídeo dos animais agonizando foi enviado a Cabral. Segundo o advogado, dois camponeses que acompanhavam o gado também passaram mal na ocasião, um deles chegou a desmaiar. As famílias contaram que, ao procurar por Evaldo, o fazendeiro respondeu que não havia jogado agrotóxicos no campo naquele dia e que os sete bois deviam ter morrido por picada de cobra.
Ao InfoAmazonia, Raimunda afirmou que Sidney ligou para ela alguns dias depois e a “mandou retirar a queixa”. Ela conta que “ele disse que era pra eu dizer que tinha sido um engano”. O caso foi registrado pelo Programa da Assessoria Rural da Arquidiocese de Brejo. O Padre Chagas Pereira, coordenador do programa, afirma que também nessa ocasião Sidney “tentou se passar por policial”. “Ele alegou ser ligado à polícia e ficou intimidando a Raimunda por telefone”, conta o padre.
Um inquérito foi aberto logo após a morte dos animais para investigar o caso, mas foi concluído sem indiciamentos após o laudo toxicológico não encontrar qualquer substância estranha no sangue dos animais. Na época, Raimunda afirmou, também em entrevista ao De Olho Nos Ruralistas, que a perícia colheu apenas o sangue de bois vivos que não estavam presentes na hora do fato. Em sua análise na investigação, o delegado Lucio Alves Silva Caland escreveu: “não é cabível demonizar todos os fazendeiros conhecidos como ‘gaúchos’ por problemas agrários envolvendo uma parcela destes, pois geram renda e trazem desenvolvimento ao Estado”.
Disputa entre grileiros
O outro nome constantemente envolvido em denúncias de violências contra as comunidades na região é do sojicultor Gilmar Lunelli de Freitas, proprietário da Masul Agrícola. De acordo com o padre Chagas Pereira, Lunelli e Sidney Riedel são rivais na disputa de terra. “Todos fazem grilagem nos cartórios e existe uma disputa entre eles”, afirma.
Na segunda semana de janeiro de 2022, uma investida contra outra comunidade extrativista de Brejo, a Ingá, também foi reportada à Polícia Civil. Seus moradores denunciam que o proprietário da Masul Agrícola, teria plantado soja sobre a estrada vicinal que conecta a comunidade à zona urbana de Brejo.
Segundo Josiel Lopes da Silva, trabalhador rural que vive na Ingá desde que nasceu, há 37 anos, os conflitos com Lunelli de Freitas já vêm de duas décadas, desde a chegada do sojicultor na região, mas têm se intensificado nos últimos anos. A morte de animais por tiros ou envenenamento causado por agrotóxicos são algumas das constantes denúncias da comunidade atribuídas a jagunços contratados pelo sojicultor. A partir de 2021, Lunelli bloqueou uma parte da estrada que dá acesso à comunidade, obrigando os camponeses da Ingá a desviarem mais de 10 km até a cidade.
“A gente pediu para que ele abrisse a estrada, mas ele disse para a gente andar por outro trajeto que dificultava muito”, conta Josiel. Os trabalhadores rurais despertaram em 10 de janeiro com a passagem para a comunidade arada e preparada para o plantio mecanizado de soja. “O que a gente vai fazer? Vamos ter que roçar e arrancar a soja dele quando nascer. Ficar isolados a gente não aceita. Isso é uma estrada”, afirma Josiel, em vídeo gravado na ocasião. O sojicultor foi levado à delegacia e autuado em flagrante por crime de dano, e um procedimento investigatório foi instaurado contra ele.
Não é a primeira vez que Lunelli de Freitas responde na Justiça por conflito com comunidades locais. Em 28 de maio de 2021, ele foi indiciado por formação de milícia privada, desmatamento e esbulho possessório por ter contratado 22 jagunços encapuzados para invadir a comunidade tradicional Gameleira, vizinha à Ingá. As famílias, que vivem na comunidade há 120 anos, filmaram e fotografaram a invasão.
O que a gente vai fazer? Vamos ter que roçar e arrancar a soja dele quando nascer. Ficar isolados a gente não aceita. Isso é uma estrada.
Josiel Lopes da Silva, trabalhador rural da comunidade ingá
Não é a primeira vez que Lunelli de Freitas responde na Justiça por conflito com comunidades locais. Em 28 de maio de 2021, ele foi indiciado por formação de milícia privada, desmatamento e esbulho possessório por ter contratado 22 jagunços encapuzados para invadir a comunidade tradicional Gameleira, vizinha à Ingá. As famílias, que vivem na comunidade há 120 anos, filmaram e fotografaram a invasão.
As lideranças da comunidade narram que os jagunços estavam armados e destruíram cercas e parte da vegetação nativa da comunidade, de onde as famílias extraem frutas como pequi, bacuri, bacaba e murici para sua subsistência. Durante a invasão, os jagunços também passaram um “correntão”, prática ilegal utilizada por fazendeiros, para desmatar grandes áreas.
Lunelli de Freitas é proprietário de pelo menos três fazendas no Maranhão e coleciona autos de infração ambiental por desmatamento ilegal de mais de 3 mil hectares de Cerrado, além de transporte de carvão vegetal sem documentos, descumprimento de embargos do Ibama e abandono de embalagens vazias de agrotóxicos. As multas pelas infrações somam R$1,825 milhão.
O sojicultor tem ainda um processo no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão no qual é acusado de ter utilizado a esposa de um ex-funcionário como laranja em um processo de grilagem de terras. Em depoimento no processo, a lavradora Jeane Oliveira Silva denunciou que Lunelli de Freitas adquiriu uma gleba de 119 hectares no município de Milagres do Maranhão em seu nome em . O fato veio à tona após seu benefício do Bolsa Família ser reduzido por conta da aquisição da propriedade. Ao visitar o cartório correspondente, a lavradora descobriu que a propriedade tinha sido revendida (supostamente por ela) ao próprio Lunelli de Freitas.
Ainda no depoimento, Jeane afirma que não conhecia qualquer fazenda no município e que o sojicultor foi patrão de seu marido entre 2008 e 2012. Ela lembra que chegou a viajar algumas vezes a mando de Lunelli a municípios da região, onde teria sido obrigada a assinar papéis sob ameaça de demissão do marido.
“A autora, pessoa humilde e de pouca instrução, tinha total desconhecimento do que estava assinando e apenas agiu conforme os mandos de Gilmar Lunelli de Freitas para que seu esposo não fosse demitido do emprego, tendo em vista que são pessoas muito necessitadas e pobres”, traz a defesa da agricultora.
Durante uma reunião realizada após a invasão dos jagunços na Gameleira, em junho de 2021, entre os moradores de diferentes comunidades da região e a Arquidiocese, o uso de laranjas por parte de Lunelli de Freitas para grilar terras foi confirmado por outros camponeses. Além da Ingá e da Gameleira, são 09 as comunidades que denunciam as ameaças e golpes de Luneli: Viado Branco, Água Branca, Centro das Teixeiras, Guarimã, Macaco dos Vitos, Corrente, Panela, Mata de Baixo e Mata de Cima.
Em outro processo envolvendo Gilmar Lunelli de Freitas, o sojicultor acusa João Sidney Riedel de colocar palanques para construção de cercas dentro de duas de suas fazendas, Muncambo II e Muncambo III, localizadas no município de Brejo. Na acusação, de agosto de 2015, alega-se que Sidney estaria realizando o trabalho para um patrão de nome Nestor Salvati.
“Tendo conhecimento dos fatos, o primeiro requerente, Gilmar, deslocou-se até o local, acabou derrubando alguns dos palanques e interrompendo a atividade de Sidney, que saiu dizendo voltar para continuar a levantar a cerca, já que a área pertencia a Nestor Salvati“, expõe o processo, posteriormente arquivado.
Contatado por meio da assessoria de comunicação da Prefeitura de Brejo, onde trabalha, Riedel não respondeu às alegações até a publicação da reportagem. A reportagem tentou falar com Lunelli que não respondeu.
*Cristina é o nome fictício de uma das vítimas que preferiu não se identificar temendo retaliações
Fonte: InfoAmazônia
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