Rei da soja, Blairo Maggi manobra governador Mauro Mendes, apoia Geller ao Senado e adere a Lula deixando MT sem alternativa política ao agronegócio
Por Vasconcelo Quadros
O refrão ensurdecedor no Ginásio Dom Aquino, em Cuiabá, na noite de sexta-feira, não deixa dúvida sobre quem é “o senhor do agro”, que manda na política em Mato Grosso: “Blairo traidor”, gritava o grupo mais barulhento na convenção que homologou, no dia 5 passado, a recandidatura do governador Mauro Mendes e do senador Wellington Fagundes à reeleição pela chapa União Brasil.
Foi uma reação ciumenta dos bolsonaristas contra o ex-governador, ex-senador e ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi ao apoio deste ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tática de colocar um pé em cada canoa: o grupo mais poderoso do Mato Grosso se coloca ao lado do PT na disputa nacional, mas atua no estado, dominado pelo agro, para consolidar o mais arrojado projeto político do Centro-Oeste brasileiro, fundindo o público e privado numa política desenvolvimentista com reflexos negativos ao meio ambiente. Segundo o Imazon, o Estado está em terceiro lugar no ranking dos desmatamentos na Amazônia, com 1.504 quilômetros quadrados suprimidos ao longo do ano passado e alta de 38% em relação ao ano anterior.
Impulsionado pela eleição de Maggi na disputa pelo governo em 2002, quando derrotou o grupo do ex-governador Dante de Oliveira, o agro deixou de bancar campanhas dos políticos tradicionais para se autofinanciar. Desde então o controle passou a ser completo: domina as decisões do executivo e controla, com folgada maioria, o legislativo local, de onde, nos últimos 20 anos, partiu uma ofensiva de grandes dimensões de desmanche do arcabouço legal ambiental. Tudo concatenado para favorecer a atividade agropecuária, mineral e energética, entregues a empresários ligados ao agro – como o próprio governador Mauro Mendes, um engenheiro eletricista, ex-prefeito da capital, ex-presidente da Federação da Indústria de Mato Grosso (Fiemt) e dono de várias empresas na área de energia e mineração.
A expansão do agro e a permanência do grupo por um novo ciclo de mais 20 anos no poder é o que está em jogo este ano, numa disputa claramente favorável ao agro. “O grupo que governa desde 2003 quer agora consolidar Mato Grosso como uma grande fazenda produtora e exportadora de commodities, como a soja, milho, algodão e minério”, disse à Agência Pública o deputado Lúdio Cabral, uma das raras vozes opositoras na Assembleia Legislativa, onde o governo conta com pelo menos 19 dos 24 deputados para passar a boiada. “Eles construíram um novelo normativo, com leis, decretos, portarias, instruções normativas de um lado, e de outro, instituíram um padrão sempre crescente de renúncias fiscais, para sustentar o projeto econômico deles. Em 2019 o total em renúncias alcançou R$ 6 bilhões e, no ano passado, chegou a R$ 10,5 bilhões”, afirma Lúdio Cabral.
O procurador do Estado Alexandre Cesar, candidato derrotado por Maggi em 2002 sustenta que a turma do agro, escorada num discurso produtivista, impôs uma forte mudança na cultura mato-grossense, com clara distinção entre classes. “É uma hegemonia brutal, sem contraponto, gerando promiscuidade entre o público e o privado. É uma turma que não gosta de política e tem forte aversão ao espaço público, tanto que todos os servidores aposentados e pensionistas, sem distinção, são taxados em seus benefícios. E o governador ainda afirma que os ossos distribuídos em Cuiabá (na famosa fila do osso em açougues) são de qualidade”, cutuca Alexandre em entrevista à Pública.
Favorito nas pesquisas, amigo e cria política de Blairo Maggi, o governador Mauro Mendes montou uma chapa de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, mantendo ao seu lado as famílias que dominam o agro. O candidato ao senado de Mendes é o senador Wellington Fagundes (PL), que tem também o apoio de um dos grupos da política tradicional de Mato Grosso, a família Campos e seu chefe, o senador Jayme Campos (UB), o irmão deste, o ex-governador e ex-senador Júlio Campos que, depois de um longo ostracismo, voltou à política como candidato a deputado estadual.
Coordenador da campanha de Lula no Mato Grosso, o senador Carlos Fávaro (PSD), assim como Maggi, entrou na alça de mira dos bolsonaristas. Também acusado de traidor, Fávaro diz que os ataques partiram do empresário Luciano Hang e do grupo regional do agro que achava ter a unanimidade em relação ao apoio a Mauro e Bolsonaro, mas que não se dão conta dos prejuízos que o presidente vem gerando ao setor com sua política de ódio. “São os talibãs do whatsapp. Quero um debate democrático”, disse à Pública.
Acordo em torno de Lula
É na disputa pelo Senado que o agro rachou. Ao optar por apoio ostensivo a Lula, Blairo Maggi bancou a candidatura do deputado Neri Geller (PP) ao Senado e o apoio deste a Lula, convenceu o senador Carlos Fávaro a desistir de disputar o governo para não dificultar a vida de Mendes e deixou seus aliados ingressarem na Federação que sustenta a candidatura ao governo da primeira dama de Cuiabá, Márcia Pinheiro (PV), mulher do prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) e mãe do deputado Emanuelzinho Pinheiro (PTB), uma salada de siglas numa única família. Dono do grupo Amaggi, conglomerado com receita de R$ 23,5 bilhões, com atuação no agro, commodities, energia e logística, e tentáculos no Paraguai, Argentina, Holanda, Noruega, Síria e China, Blairo está agora nos bastidores.
O antigo rei da soja – título que hoje pertence ao primo, Eraí Maggi, que cultiva 530 mil hectares no Norte do Estado e também apoia Mendes – deixou a política para virar eminência parda do poder no Estado. Seu mais recente empreendimento, o AL5 Bank, é um sucesso de negócios entre as 5 mil famílias do agro com empreendimentos acima de 600 hectares, a maioria delas endividadas com a instituição. A sigla do banco é uma homenagem aos pais, André, já falecido, e a mãe, Lúcia, de 89 anos que, segundo a Forbes, é a mulher mais rica do Brasil, com patrimônio acumulado de R$ 32,3 bilhões. Procurado por Pública, Blairo avisou pela assessoria que “está em off e não participará publicamente (de política) até as eleições”.
O cenário regional tem céu de brigadeiro para Mauro Mendes que, a rigor, não depende do bolsonarismo. Só no final de um discurso de cerca de 40 minutos, no encerramento da convenção, ele citou de passagem o presidente. “Vocês sabem que fiz um compromisso com o Bolsonaro”, disse aos correligionários, explicando que respeita os todos os apoiadores, “inclusive o Bolsonaro”, mas que no Estado o voto será uma decisão de cada mato-grossense. Mendes é considerado um bolsonarista light cujo tom é criticado pelos radicais do agro como o ex-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprasoja) e candidato ao Senado (PTB), Antônio Galvan, desmatador contumaz e investigado por financiar atos antidemocráticos, que cobram do governador um posicionamento mais incisivo na campanha presidencial.
Com adesão de 140 dos 141 prefeitos do Estado, Mendes costurou um discurso desenvolvimentista e moderado no tom, para agradar as seis entidades que representam os produtores rurais e cultivar os barões do agro. Nessa lista, além dos Maggi, do senador Jayme Campos, e de seu vice, Otaviano Pivetta, estão as seis famílias mais poderosas da região Norte, controladoras do poder político como ex-prefeitos e da produção de soja em Sorriso, capital nacional da soja, e Lucas do Rio Verde: Elpídio Daroit, Flori Luiz Binotti, Luiz Carlos Nardi, Marino Franz, Egon Dal Molin e Miguel Vaz Ribeiro, todas consideradas fundadoras da Aprosoja.
Sem expressão política capaz de fazer frente ao poder do agro, acossada por investigações sobre supostos desvios municipais, o que a impede por decisão judicial de se aproximar da Prefeitura de Cuiabá, Márcia Pinheiro não tem apoio nem do partido do marido, o MDB, que se aliou a Mauro Mendes. Ela representa a Federação Brasil Esperança, formada pelo PV, PT e PCdoB, nicho de ambientalistas que, numa visível contradição, agora apoia o deputado Neri Geller (PP) para o Senado.
Um dos grandes do agronegócio, vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), ex-ministro da Agricultura, preso em 2018 por suposto recebimento de propina da JBS, Geller é também o relator do projeto que pretende retirar Mato Grosso da Amazônia Legal, proposta que representa a “cereja do bolo” da ofensiva legislativa que pretende abrir as porteiras para a expansão do agro numa vasta fração de terras hoje protegidas pelo Código Florestal. Se passar, em vez da obrigação de manter 80% das propriedades como reserva legal, metade do território de Mato Grosso – ou mais de 451 mil quilômetros quadrados inseridos dentro da Amazônia Legal – estaria livre para os grandes proprietários, que passariam a ser obrigados a manter apenas 20% da propriedade como reserva legal. Geller não retornou o pedido de entrevista.
O autor da proposta, o bolsonarista deputado Juarez Costa, ex-prefeito de Sinop – cidade-símbolo do agronegócio – autodefinido como principal cabo eleitoral do governador na região Norte, diz que a proposta elevaria em 50% a porcentagem de desmate nas propriedades. Ele afirma ter apoio de Maggi, Mauro Mendes, de Bolsonaro e de seu vice, general Hamilton Mourão, e de todos os grandes grupos do agronegócio. Costa, que também apoia Geller para o Senado, colocou o tema na campanha. Procurado pela Pública, informou através de sua assessoria de imprensa que na região Norte do estado, somando 19 municípios produtores (justamente onde estão os maiores desmatadores do país), há mais de 3 milhões de hectares de terras degradadas que, segundo ele, poderiam ser usadas imediatamente. O deputado também afirmou que a saída da Amazônia Legal triplicaria a produção de grãos num estado que já é o maior produtor de soja do país.
“Ideia maluca” de campanha
A proposta chega a arrepiar os ambientalistas. “É uma ideia tão maluca que só pode ter sido apresentada para ser usada na campanha. Difícil imaginar que o Congresso vá apoiar a readequação do Mato Grosso no mapa do Brasil”, disse à Pública Alice Thuault, dirigente do Instituto Centro de Vida (ICV). Segundo ela, o Estado perderia 16,9 milhões de hectares de vegetação nativa e deixaria de restaurar outros 3,3 milhões de hectares. Também seria removido dos fóruns internacionais que trabalham na redução das mudanças climáticas e emissões de gases que produzem o efeito estufa e daria adeus à redução de 75% dos impostos sobre a renda dos empreendimentos. Além disso, deixaria de contar com a modalidade de reinvestimento de 30% do imposto sobre a renda em máquinas e equipamentos e perderia o acesso a R$ 3 bilhões do Fundo Amazônia (atualmente paralisado). “Não conseguimos identificar o que o estado ganharia com isso. O argumento de produção de alimentos para o mundo é um mito que não se sustenta, já que a produção de commodities não reduz a fome”, afirma Thualt.
Desde a chegada do agro ao poder estadual com Maggi, em 2002, até o esdrúxulo projeto de Costa, as leis ambientais foram progressivamente distorcidas. São dezenas de decretos legislativos, portaria e instruções normativas “limpando” o caminho para a produção de grãos, pecuária, mineração e energia em unidades de conservação ou em terras indígenas. Esses empreendimentos, com bastante frequência, estão ligados ao governante de plantão, seu grupo de apoio ou familiares. Uma das 133 PCHs (Pequena Central Hidrelétrica) projetadas pelo setor elétrico para Mato Grosso e com pedidos de licenciamento- 30 já em funcionamento, dez delas nos rios que desaguam no pantanal -, está ligada um filho do governador, Luiz Antônio Taveira Mendes, como revelou a Pública.
Um dos alvos da ofensiva legislativa são os parques estaduais criados no governo de Dante de Oliveira, entre 1995 e 2002. Na semana passada o Tribunal de Justiça do Mato Grosso revogou o decreto que criou, em 1997, o Parque Estadual Cristalino II, de 118 mil hectares, em Novo Mundo, na divisa com o Pará, encerrando uma disputa de 11 anos, favorecendo o grupo paulista Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo Ltda, controlada pela família Junqueira Vilella, listada pelos órgãos ambientais entre os maiores desmatadores do país, sob a alegação de que o governo não havia realizado audiências públicas antes da criação, exigência que só passou a vigorar bem depois da edição do decreto. A decisão de três desembargadores tornou-se definitiva no início de agosto, sem que o governo, réu no processo, recorresse e, já com parecer favorável da Procuradoria Geral do Estado (enviado inclusive à Secretaria Estadual de Meio Ambiente), só não foi acatada oficialmente graças a reação de 45 entidades ambientalistas lideradas pelo Observatório de Mato Grosso (ObservaMT). O TJ voltou atrás por um mero detalhe técnico: não havia dado ciência da decisão ao Ministério Público e, por isso, anulou o chamado trânsito em julgado, permitindo agora novos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), aparentemente apenas proteladores. A anulação do decreto seria seguida da regularização de áreas acima de 600 hectares invadidas por mais de mil produtores rurais, que estão na base do eleitorado de Mauro Mendes.
Coordenador da campanha de Mendes, o ex-senador Cidinho Santos, se diz favorável à regularização fundiária dos invasores do Cristalino, mas afirma que a anulação do decreto ocorreu num momento em que os políticos locais estavam envolvidos com as convenções partidárias. “Aqui não se derruba um hectare sem que uma hora depois a área desmatada não esteja localizada. O governo tem um sistema de monitoramento, com alertas de desmatamento, que é referência no país. O agro é um modelo que deu certo porque respeita a legislação”, disse Santos à Pública.
“O que se percebe é uma ação coordenada de permitir progressão do plantio, o que vai na contramão dos acordos internacionais”, disse à Pública a ativista Edilene Fernandes Amaral, dirigente do ObservaMT, para quem, a tendência nessa eleição é o fortalecimento das bancadas ruralistas no Estado e no Congresso, com mais flexibilização legal ao agro. Nos últimos dois anos, segundo ela, uma série de novas leis afrouxou o licenciamento ambiental para empreendimentos rurais, permitiu exploração de minério em áreas de reserva legal, abriu o pantanal para a pecuária extensiva e intensiva, com permissão de plantio de capim exótico, sem restrição ao uso de agrotóxico e, de quebra, limpou caminho para a anulação do decreto que criou outro parque estadual, o Serra de Ricardo Franco, em Vila Bela da Santíssima Trindade, de 158 mil hectares. É única unidade de conservação que tem junto os três biomas mato-grossenses – o pantanal, o cerrado e a Amazônia. Cobiça do agro, o parque possui propriedades irregulares ligadas a políticos, uma delas do ex-ministro da Casa Civil do governo Michel Temer, Eliseu Padilha.
O coordenador regional do Conselho Missionário Indigenista (CIMI) no Estado, Gilberto Vieira dos Santos, afirmou em entrevista à Pública que além do avanço da mineração sobre várias terras indígenas, agro vem aumentando o assédio por parcerias com as etnias, algumas delas, como os xavantes e parecis, já com plantios de roças em suas terras. “É um processo tecnificado, que confronta diretamente com a agricultura tradicional dos povos indígenas”, diz Gilberto. Segundo ele, a mudança cultural também vem se processando em cursos de formação em agricultura e na educação dos indígenas, cujas crianças são submetidas ao ensino da rede estadual sem nenhuma observação linguística nem à tradição indígena. Gilberto diz que agricultura e educação fazem parte da estratégia de dominação do agro. “Essas ações são a pauta prioritária do governo estadual. Curso de formação agrícola vai, na verdade, preparar o indígena como trabalhador do agronegócio. O agro é agressivo”, diz Gilberto, sem alimentar esperança que a eleição no Estado traga melhoras para os indígenas.
Fonte: Agência Pública
Comentários