A região de Alter do Chão, no Pará, ganhou destaque no noticiário em 2019 por conta dos incêndios que arrasaram mais de 1,2 mil hectares da floresta amazônica. O caso ganhou repercussão ainda maior nos meses seguintes, depois de a Polícia Civil paraense acusar brigadistas e ambientalistas de serem os responsáveis pelo fogo – mesmo com uma investigação paralela da Polícia Federal esclarecendo que a suspeita mais forte estava nas costas de grileiros e especuladores de terra.
Destruição em Alter do Chão
Passados três anos, a equipe da Amazônia Real averiguou o destino das áreas afetadas pelo fogo em Alter. Para surpresa de ninguém (exceto, talvez, dos investigadores civis do Pará), uma parte significativa foi loteada e está sendo comercializada no mercado imobiliário local. Parte dos lotes está localizada dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão – ou seja, são de propriedade da União e não poderiam ser ocupadas, muito menos comercializadas.
“Essa intensa comercialização de terras na região da Capadócia [principal área afetada pelo fogo em 2019] é escancarada e o governo estadual, municipal e federal dá legitimidade a esses sujeitos que se dizem proprietários dessas terras. O INCRA, se não está ciente, se ausenta de propósito para deixar tudo como está”, assinalou Leandro Pansonato Cazula, geógrafo e professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
Como em outras regiões da Amazônia, os grileiros tentam fraudar documentos de posse desses terrenos com a sua inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para dar aparência de legalidade. Outro esquema utilizado para facilitar a ocupação e a comercialização dos lotes ilegais é entrar com pedido de dispensa de licenciamento ambiental nos órgãos municipais e estaduais após a derrubada da floresta.
O caso de Alter do Chão é um reflexo da destruição ambiental generalizada observada em toda a Amazônia. O colapso da fiscalização, o enfraquecimento do IBAMA e do ICMBio e os incentivos implícitos e explícitos das autoridades em diferentes níveis tornam esse cenário mais complexo e devastador. “O desmatamento cresce a olhos vistos. É uma cupinização”, lamentou o cientista Gilberto Câmara, ex-presidente do INPE, a Daniela Chiaretti no Valor. “O conceito de arco do desmatamento está ficando para trás”.
Um vetor potencial para a interiorização do desmatamento na Amazônia é o projeto de reconstrução da BR-319, que liga Manaus (AM) e Porto Velho (RO), que recebeu licença prévia do IBAMA no final de julho, mesmo sem o governo federal consultar as comunidades locais e garantir condições para proteção ambiental.
Na Folha, João Gabriel abordou a contrariedade de organizações e lideranças indígenas que vivem e atuam no entorno da rodovia com a decisão do IBAMA, acusando-o de não cumprir a exigência legal de consulta prévia. “Não teve um estudo do componente indígena diretamente com meu Povo [Apurinã], apenas uma apresentação rápida na Terra Indígena São João e Tauamirim. Nós não nos sentimos [consultados]. Não houve consulta livre, prévia e informada”, relatou o cacique Zé Bajaga, coordenador-geral da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus.
Texto publicado originalmente em CLIMA INFO
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