Ativistas denunciam que governo promove mineração ilegal, enquanto agência responsável pelas unidades de conservação na região não atua
Não é só as áreas protegidas brasileiras que sofrem com a invasão de garimpeiros, incentivados pelo governo. Na Amazônia boliviana, mudanças na legislação e perseguição de servidores públicos causam uma mancha na floresta e aumentam o conflito nas áreas. A última invasão ocorreu há duas semanas, quando cerca de 80 pessoas foram encontradas transportando um caminhão e uma escavadeira para garimpar ouro no rio Tuichi e na região da comunidade Azariamas, na área de proteção estrita do Parque Nacional e Área Natural de Manejo Integrado Madidi.
A unidade de conservação – reconhecida como uma das mais biodiversas do mundo – vem sofrendo invasões de cooperativas de garimpeiros desde 2014, incentivados pelo próprio governo boliviano, denunciam ativistas. Neste ano foi sancionada a Lei 535/2014 de Mineração e Metalurgia, que permite a mineração nas áreas protegidas, desde que com “prévio cumprimento da normativa ambiental e correlatas, e quando tais atividades não afetarem o cumprimento dos objetivos de proteção da área”.
No Madidi existem quatro territórios indígenas sobrepostos, com uma população de mais de três mil habitantes, composta por indígenas e camponeses. Historicamente, os povos do Madidi realizavam mineração de ouro de aluvião, mexendo e peneirando o cascalho dos rios com uma bateia, sem uso de mercúrio. No entanto, depois da sanção da lei 535, explica um ex-guarda-parque do Parque Madidi que pediu o anonimato, começaram a chegar empresas com a intenção de mecanizar o garimpo, e assim foram se formando cooperativas de garimpeiros.
Essas empresas fazem acordos com lideranças locais e governos municipais e entram para garimpar sem nenhuma licença ambiental nem autorização do Serviço Nacional de Áreas Protegidas (Sernap), a agência boliviana responsável pelas unidades de conservação. “Essas alianças das comunidades com os municípios envolvem muito dinheiro e poder econômico, político e social”, afirma o ex-guarda parque. Dessa forma, procedimentos administrativos contra os infratores eram barrados e não avançavam, permitindo a continuação dos garimpos.
Dentro do Madidi existem pelo menos oito áreas de garimpo ilegais que são conhecidas pelos guarda-parques da unidade de conservação, denunciaram os comunitários, mas que continuam extraindo ouro da região. Alex Villca, representante da Coordenação Nacional de Defesa de Territórios Indígenas Originários Camponeses e Áreas Protegidas da Bolívia (Contiocap), relatou que em 2020 foi identificada uma cooperativa de garimpeiros no Madidi, porém, em 2022 esse número cresceu para cinco cooperativas invadindo e saqueando o Madidi.
Para Villca, o estado boliviano não faz cumprir as leis e regulamentações para proteger o Madidi, e dessa forma “está se convertendo em um facilitador para a penetração de empresas extrativas nos territórios indígenas e nas áreas protegidas”. Ele cita o caso do Sernap, que deveria cumprir um papel estrito de proteção, conservação e monitoramento das unidades de conservação, “mas que apesar das inúmeras denúncias de garimpeiros no Madidi, não fez nada para contê-los e expulsá-los”, afirma. A lei 535 praticamente abriu as portas das áreas protegidas e territórios indígenas para as atividades de mineração, explica, sendo contrária a própria Constituição e aos tratados e acordos internacionais assinados pelo estado boliviano.
Villca conta que desde 2016 notaram a presença de cidadãos chineses e colombianos operando balsas em áreas próximas do Madidi, no rio Kaka. Os estrangeiros seriam os representantes diretos dos investidores do garimpo na região. Em março de 2019 ele fez uma viagem de reconhecimento na região e avistou duas balsas. Um ano depois, em 2020, fazendo o mesmo percurso, encontrou 24 máquinas, entre balsas e grandes bateias que garimpam nas beiras dos rios. Em 2021 ele não fez a viagem, mas segundo ele, foi informado que pelo menos 60 máquinas estavam garimpando o rio.
Desde 2018 várias foram as denúncias de maquinário entrando na área protegida, a abertura de caminhos no meio da floresta para chegar aos rios, e ameaças aos comunitários que não aceitam o garimpo ilegal. Apesar da tentativa de guarda-parques do Madidi de iniciar processos aos infratores, não conseguiam avançar, com a justificativa de serem concessões mineiras realizadas antes da criação do Madidi, em 1995.
Ativistas também denunciaram que o Sernap mudou o chefe dos guarda-parques do Parque Madidi, Marcos Uzquiano, para outra área protegida, por pressão da Federação Regional de Cooperativas Mineiras Auríferas do Norte de La Paz (Fecoman). Ele tinha denunciado a tentativa de ingresso de cooperativas de garimpeiros no parque, e foi acusado pela federação de confiscar maquinário e discriminar os garimpeiros em seus direitos de fazer mineração dentro da unidade de conservação.
A reportagem tentou contato e enviou pedidos de entrevista ao diretor executivo do Sernap, Teodoro Mamani, e ao diretor do Parque Madidi, Ronald Rojas, mas não recebemos respostas. Em contato com um técnico do Sernap que não autorizou a publicação de seu nome, nos foi informado que a instituição está preparando um relatório sobre as denúncias de garimpo no Madidi.
Fonte: O Eco
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