Houve protesto contra deputados e senadores de Brasília, membros das comissões de Direitos Humanos, que foram à Boa Vista para investigar os crimes cometidos contra os Yanomami; parlamentares pró-garimpo integraram a comitiva.
Cerca de 150 garimpeiros protestaram contra parlamentares das Comissões de Direitos Humanos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, demonstrando que eles não só têm força como também aliados em Roraima e em Brasília. Na quinta-feira (12), segundo dia da visita dos congressistas à capital Boa Vista, o grupo se postou na frente da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) e a todo momento usavam palavras de ordem como “Fora PT” e “Fora ONG”. Empunhavam ainda faixas com os dizeres “garimpeiros são os verdadeiros defensores da Amazônia”.
A deputada federal Joênia Wapichana (REDE-RR), coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, e a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) foram recebidas com vaias pelos garimpeiros. Mas, para surpresa dos parlamentares, os manifestantes já tinham angariado apoio dentro da ALE-RR.
Houve tensão entre o deputado estadual George Melo (DC) e os parlamentares da comissão. Melo defende a legalização do garimpo em Roraima e atacou os políticos afirmando que a investigação deve “reforçar uma mentira”. Nas redes sociais, ele foi além: “Eu não vou aceitar que venha uma comissão de Brasília liderada pelo senador Humberto Costa […] vir mais uma vez criminalizar o estado.”
Os garimpeiros ilegais são acusados pelos Yanomami de uma série de ameaças e ataques às comunidades, que incluem ameaças de morte, exploração sexual, aliciamento, crimes ambientais com poluição das nascentes, contaminação dos rios e lagos e destruição da floresta.
“O garimpo causa impacto na vida do Yanomami que estão sendo atacados. Nós prezamos pela legalidade e constitucionalidade. Recebemos dos órgãos uma série de dados, que não é uma questão de garimpeiros contra indígenas, mas sim quem financia esta exploração. Isso merece ser investigado. Existe um grupo muito forte por trás e é necessário que se freie a violência ”, declarou a deputada Joênia Wapichana.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Humberto Costa (PT-PE), que comandou diligência em Roraima para apurar acusações de violência contra os Yanomami, rebateu as declarações do vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), sobre a atividade ilegal no Estado. Durante reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), Mourão declarou que dados sobre garimpeiros operando criminosamente em terras indígenas são “fantasiosos”.
“Mourão diz que não são 20 mil garimpeiros ilegais aqui, que são 3 mil. E daí? A questão é que nem ele nem o governo que ele integra estão fazendo cumprir a Constituição, que é impedir a exploração criminosa em terras indígenas. Essa administração não cumpre o seu papel nem vai cumprir. É por isso que tem de ser trocada nas próximas eleições”, afirmou o senador.
Humberto Costa criticou ainda o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o Exército por não terem se mobilizado para garantir a ida dos parlamentares à Terra Yanomami. No último dia 10, o Comando do Exército negou à Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal apoio para o deslocamento da capital de Roraima ao distrito de Surucucu, que fica no território Yanomami, conforme nota enviada pela instituição à comitiva.
Parlamentares pró-garimpo
Mas, estranhamente, havia parlamentares pró-garimpo fazendo parte da comitiva, como foi o caso do senador Telmário Mota (Pros-RR). Ele fez declarações públicas tentando desqualificar as recentes denúncias dos Yanomami, embora tenha dito que é a favor da exploração mineral feito de “forma sustentável, adequada e correta”, porém não dentro de terras indígenas. Mas, como provocação, questionou a ausência do maior líder dos Yanomami, Davi Kopenawa Yanomami, e do vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Yanomami.
“Só estava o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (ISA) e Conselho Indígena de Roraima (CIR). Eu vi um ‘índio’ lá dizendo ‘não pode tirar nosso ouro’ e ele estava com uma aliança de ouro beneficiada e com um intérprete. Ele [indígena] falava bem os números, falava bem em português o nome dos rios e é que não posso permitir. Não posso permitir fantasia, montagem sobre o meu Estado. Temos que trabalhar a verdade. Vamos tirar os garimpeiros. Agora a Funai (Fundação Nacional do Índio) tem que estar dando assistência, proteger os indígenas, pois eles vivem perambulando bêbados nas estradas, estão desnutridos. Cadê o dinheiro que vai para a saúde dos indígenas?”, questionou o senador Telmário Mota.
A Amazônia Real apurou que o senador do Pros-RR chegou atrasado no primeiro dia da reunião, ocorrida no auditório do Ministério Público Federal, quando o representante da Hutukara, Julio Yekwana já havia falado. No primeiro dia, Félio Palimitheli, da região de Palimiú, relatou sobre o medo dos indígenas diante da presença e das ameaças dos garimpeiros no território Yanomami.
A assessoria de comunicação da HAY informou que Davi Kopenawa Yanomami está na sua comunidade, organizando as atividades dos 30 anos da homologação da terra indígena, e Dário participava de outra programação já marcada antes da notícia da vinda da comitiva parlamentar. O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), Junior Hekurari Yanomami, não estava em Boa Vista.
Em abril, o presidente do Condisi-YY denunciou que uma menina de 12 anos da comunidade Aracaçá, na região dos Wakás, foi estuprada e morta por garimpeiros. Ainda segundo a denúncia de Hekurari, uma mulher de 28 anos, tia da menina, também teria sido atacada, mas fugiu. Uma criança de 3 ou 4 anos foi jogada no rio durante o ataque. O caso até hoje não foi esclarecido, e a Polícia Federal chegou a dizer que o episódio não passou de um mal entendido.
A denúncia causou comoção nacional quando a informação de que os moradores da comunidade teriam “desaparecido”. Entre 27 e 29 de abril, uma comitiva da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) esteve em Aracaçá e encontrou moradias da aldeia queimadas – ainda não se sabe se elas foram incendiadas pelos próprios Yanomami, como parte do rituais tradicionais, ou se foram os garimpeiros que atacaram o local.
Garimpo criminoso
No mesmo dia da visita, na quinta-feira (12), o vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Enock Taurepang, criticou a reação hostil do senador e a presença de parlamentares pró-garimpo na comitiva, citando além de Mota, os também senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (União-RR).
“Como vou colocar pessoas para apurar uma causa que estamos procurando entender se eles estão a favor do garimpo criminoso? É como colocar uma raposa para tomar conta de um galinheiro. A única pessoa de confiança para o Estado é a Joênia, que tem um posicionamento muito claro. Esses parlamentares [a favor do garimpo] podem encobrir muitas coisas, pois sabemos muito bem que o garimpo vai desde os empresários até o político aposentado e em exercício”, criticou.
A Amazônia Real procurou a assessoria do senador Chico Rodrigues, membro titular da CDH, que reforçou o apoio aos garimpeiros em Roraima. “A falta de regulamentação do parágrafo 3º, do artigo 231, da Constituição Federal de 1988, tem favorecido, até então, a atividade ilegal nas aldeias indígenas, o que contribui para o contrabando e enriquecimento ilícito de entidades estrangeiras, que não têm compromisso com a preservação ambiental e, muitas vezes, colocam em risco as comunidades envolvidas. No entanto, não se deve aplicar juízo de valor e criminalizar os garimpeiros, que são trabalhadores dignos, que buscam o sustento de suas famílias com o que tiram do solo. A Constituição Federal defende que os indígenas devem ter assegurada a participação nos resultados da mineração, o que, de fato, não é praticado”, destacou o senador Chico Rodrigues, por meio de nota.
Procurado, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) disse que apoia o aproveitamento mineral em terras indígenas, desde que seja aprovada uma moderna legislação para disciplinar o tema, que as comunidades concordem e sejam beneficiadas com os royalties da mineração e que os danos ambientais sejam os menores possíveis.
“Esse é o modelo adotado em todos os países desenvolvidos. O Brasil não pode prescindir de suas riquezas minerais, estejam elas em áreas indígenas ou não, mas essa exploração não pode ser feita de qualquer maneira, precisa respeitar as comunidades indígenas e o meio ambiente”, afirmou, requentando um argumento que o presidente Jair Bolsonaro já utilizou diversas vezes.
A comissão de parlamentares de Brasília que visitou Roraima nos últimos dois dias também participou de uma reunião a portas fechadas com a superintendência da Polícia Federal (PF). No local, os parlamentares ouviram os representantes do órgão e puderam verificar que mais de 30 aeronaves, entre helicópteros e aviões, foram apreendidas durante operações dentro da Terra Yanomami.
Fonte: Amazônia Real
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