O início de 2022 fica marcado pelo agravamento de seca, com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) a dar nota que 90% do território se encontrava em seca severa ou extrema a 15 de fevereiro. Ainda é cedo para fazer previsões sobre o verão, mas, com o aproximar dos dias mais quentes, a probabilidade de existir incêndios é sempre maior. Proteger os territórios mais vulneráveis, fazer uma gestão sustentável dos terrenos e combater o abandono rural são algumas soluções defendidas por especialistas contra o flagelo dos incêndios.
“Criando riqueza nas suas mais diversas dimensões”. Esta é a resposta de Carlos Lobo, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sobre como se devem proteger os territórios mais vulneráveis dos incêndios rurais. Para o docente, protegem-se os territórios tornando-os mais atrativos “economicamente, criando condições para a rentabilidade da sua exploração; ambientalmente, possibilitando a reconstrução dos Ecossistemas; e socialmente, repovoando-os”. Sobre terrenos, Carlos Lobo atenta que sustentabilidade implica gestão e conhecimento: “Podemos enunciar as mais avançadas técnicas de gestão florestal e ambiental, mas, se não conhecermos os proprietários, de nada valerá”. Sobre o abandono rural, o docente defende que é através da “criação de valor”, gerando “mais emprego” e, consequentemente, um “território mais atrativo”, que se combate o problema: “É necessário corrigir as ‘falhas de Governo’ e as ‘falhas de mercado’”, considera.
Luís Mário Ribeiro, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), acredita que é através do “fomento da fixação humana e das atividades de gestão florestal” que se protegem os territórios mais vulneráveis: “Um território povoado e bem gerido é forçosamente mais resistente e resiliente à passagem dos incêndios rurais”. No entanto, é necessário que “as atividades agroflorestais produzam rendimento suficiente para que mereçam a aposta dos proprietários”, acrescenta o responsável. Apesar de se tratar de uma “questão complexa”, Luís Mário Ribeiro considera que a gestão sustentável dos terrenos implica que sejam criadas “condições e mecanismos de apoio aos proprietários que lhes permitam gerir os seus territórios” com vista ao bem comum das populações: “Gerir combustíveis para prevenção de incêndios é extremamente oneroso e a responsabilidade recai apenas nos proprietários dos terrenos”. No desafio do abando rural, o responsável defende que devem ser criadas no Interior as mesmas oportunidades que existem nas cidades: “A sociedade privilegia a criação de oportunidades e de emprego”.
A proteção dos territórios vulneráveis faz-se através do investimento no combate ao abandono rural, promovendo um “ordenamento e uma gestão territorial” e apostando na floresta autóctone: “Um mosaico agroflorestal mais diverso pode ajudar, bem como a sensibilização da população a comportamentos mais responsáveis”, defende Miguel Jerónimo, coordenador do Renature Monchique e Renature Leiria e membro da Direção do GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente). No combate ao abandono rural, é essencial que o setor florestal aposte no “associativismo” e que “olhe para novos modelos de negócio que valorizem o território”, através de “mudanças compatíveis com as exigências de proteção ambiental dos mercados”. Sobre a gestão sustentável dos terrenos, a aposta deve centrar-se no respeito pelas condições biogeográficas de cada terreno e na gestão da floresta como um todo.
Para o CoLAB ForestWISE, a proteção dos territórios vulneráveis aos incêndios rurais faz-se através de “intervenções na vegetação que atrasem o fogo e reduzam a sua energia”, tornando o combate mais eficiente: “Esta mitigação implica reduzir a biomassa mais inflamável e aumentar a sua descontinuidade vertical”. Para tal, usam-se técnicas que deverão ser “coadjuvadas por uma maior heterogeneidade na paisagem, com mosaicos de diferentes tipos de uso do solo e de ocupação florestal”, refere. Quanto à gestão sustentável dos terrenos, a entidade defende o “uso eficiente de recursos”, bem como o “uso de novas tecnologias” de planeamento florestal: “São ferramentas importantes para uma maior resiliência, adaptabilidade e aptidão para apoiar a mitigação das vulnerabilidades dos territórios”. Sendo uma problemática que enfraquece o tecido socioeconómico e aumenta a vulnerabilidade dos territórios, o abandono rural deve ser mitigado através da dinamização da economia e do “desenvolvimento sustentável”.
Prevenção, Sensibilização e Reparação. Estas são as três áreas de atuação em que deve assentar a proteção dos territórios mais vulneráveis aos incêndios rurais. Neste âmbito, Filipe Melo, secretário-geral da AFLOeste, defende a importância de se promover a “cultura da silvicultura preventiva”, através de um “conjunto de boas práticas indispensáveis para reduzir o risco e os danos de eventuais incêndios florestais”. Tão importante é “investir em campanhas para a população, interditando operações agroflorestais nos períodos mais críticos”, destaca o responsável, lembrando que, “após eventuais ocorrências, há que calcular danos e acompanhar a reação dos ecossistemas”. No entender de Filipe Melo, “um proprietário é sustentável quando gere a sua floresta de forma ativa e responsável”.
Para o CEF Outreach, a proteção dos territórios mais vulneráveis deve centrar em “coexistir com o fogo, controlando no sentido de minimizar os seus impactos: não conseguimos nem queremos proteger a paisagem dos incêndios”. O “planeamento e de uma gestão ativa e dinâmica” serão “agentes transformadores da atual vulnerabilidade da paisagem rural aos grandes e intensos incêndios”, sustenta a entidade. Já o conceito de gestão sustentável implica a “garantia de harmonia entre aspetos sociais, ambientais e económicos. Mas não nos podemos esquecer de que há limitações, que tornam impossível maximizar todos estes fatores em simultâneo. O CEF Outreach olha para o abando rural como uma “questão complexa” e de “caráter nacional”, sendo “impossível de responder, considerando” apenas as “políticas florestais ou de gestão do território”.
Para Carlos Lobo, não existe nenhum outro setor com tanto apoio como as floretas: “O que não existe é a efetiva oneração de quem nada faz”. O docente defende que deverá alterar-se todo o “quadro tributário”, incentivando “quem produz” e penalizando a “inação”. Tal não se traduz numa “simples conceção de modelo social de propriedade”, mas numa “verdadeira e necessária internalização dos custos decorrentes do risco acrescido que advém da não gestão”, defende. Sobre projetos e iniciativas, Carlos Lobo considera que o principal problema na floresta portuguesa se traduz na “ausência de um modelo de apropriação eficiente: proprietários ausentes detêm um poder exorbitante decorrente de conceções absolutas ultrapassadas de direito de propriedade e os gestores ativos detém um poder diminuto na proteção dos seus investimentos”.
Apesar dos programas de apoio serem múltiplos, Luís Mário Ribeiro considera que é difícil ao cidadão comum vê-los refletidos na paisagem: “Para quem viaje pelas estradas do interior, o panorama não parece muito distinto do que encontrávamos em 2017”. Sendo “muito difícil conseguir excluir os incêndios rurais” da paisagem, o responsável da FCTUC acredita que os esforços devem ser concentrados na “criação de condições” para que os que existam não tenham consequências tão gravosas. Para além da “óbvia gestão de combustíveis” e “ordenamento da paisagem”, a atuação pode ser feita a outros níveis: “Poucas ignições significam maior capacidade de atuação por parte dos Agentes de Proteção Civil. Mas menos incêndios pode significar maior acumulação de combustível”. Ações de defesa e sensibilização das populações para o problema dos incêndios têm sido, segundo Luís Mário Ribeiro, uma aposta das entidades: “É um processo que pode demorar o seu tempo, mas que é fundamental na boa educação para o risco”.
Impulsionador de várias ações de reflorestação, gestão e monitorização das plantações, como é o caso dos projetos Renature Monchique e Renature Leiria, o GEOTA têm contado com apoio de entidades privadas: “Até ao momento, estamos a falar de um milhão de euros, um valor que não contou com o apoio do Governo”, refere Miguel Jerónimo. O responsável refere que o objetivo é, sobretudo, que ao nível do Fundo Ambiental, estes tipos de projetos possam vir a “obter financiamento direto”, visto que “estamos a complementar a ação do Estado”.
Para o CoLAB ForestWISE, os apoios ao setor florestal têm correspondido às necessidades, no sentido em que privilegiam a “proteção, regeneração e resiliência”, bem como “condições favoráveis a uma melhor adaptação às alterações climáticas” e, consequentemente, à “redução dos grandes incêndios rurais, ao incentivo às atividades económicas e à diminuição do abandono dos territórios de baixa densidade”. Articulado com as entidades do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, o ForestWISE centra-se em encontrar “soluções de mitigação do problema dos fogos rurais”, bem como “incorporar mais conhecimento no sistema”, desenvolvendo trabalhos, por exemplo, com a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais ou com a REN.
No entender de Filipe Melo, os apoios existentes são vocacionados para “áreas de grandes dimensões”, não sendo destinados para o pequeno proprietário florestal: “Concordamos que a prevenção de incêndios tem de ser vista a grande escala territorial, mas acreditamos que um incentivo ao pequeno proprietário florestal contribuiria significativamente para redução global do risco de incêndio”. Apesar de avaliar a Estratégia Florestal Europeia como ambiciosa, o secretário-geral da AFLOeste considera que pode dar aso a “leituras redutoras sobre as melhores práticas de gestão florestal”, podendo “comprometer políticas bem-intencionadas”.
Tendo em conta que o horizonte temporal numa floresta é de muitas décadas, o CEF Outreach considera que o financiamento para “investigação, gestão ou prevenção” carece de “continuidade temporal”. No entender desta entidade, a floresta não pode ser “desconectada da paisagem onde se integra”. Apesar disso, é reconhecido que a “Estratégia Florestal Europeia vai no bom caminho”, pois dá “visibilidade ao papel fundamental das florestas no combate às alterações climáticas”, definindo objetivos para o conseguir. Partindo da máxima “gerir sempre para proteger o amanhã”, esta entidade denota positividade para o verão que se avizinha: “As boas práticas de gestão são conhecidas e a ciência faculta-nos ferramentas e informação que permitem planear a gestão do fogo”.
Texto publicado originalmente em Ambiente Magazine
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