A Amazônia está em pauta. No debate de ontem na Band foi discutido brevemente a questão do desmatamento nos governos de Lula e de Bolsonaro. Na seguinte matéria não será encontrada uma inclinação ou pedido de voto para um candidato ou outro, mas um esforço de entender e explicar com honestidade intelectual a situação e um pouco da história recente do desmatamento no país.
Por Igor Lopes
Das poucas boas notícias que surgiram sobre a Amazônia nos últimos anos uma delas é o fato de que o bioma é cada vez mais falado, valorizado e agora debatido como um assunto de primeira importância quando falamos do futuro do país e do mundo.
O discurso ambientalista não é recente, mas ele tem tomado cada vez mais força e popularidade dada a urgência que a crise das mudanças climáticas vem causando e prometendo causar. Outro ponto um pouco mais tímido da discussão é o que aponta a insanidade de destruir um patrimônio mundial – mas antes de tudo nacional – que possui um potencial de valorização astronômico, em troca de um lucro de curto prazo, irresponsável, negacionista, e ainda que privilegia pouquíssimos. A boa notícia é que vem crescendo a consciência de que a atual exploração criminosa da Amazônia é um desastre para todos.
No entanto, assim como todas as outras esferas de interesse público foram poluídas por um oceano de fake news – não somente, mas principalmente depois das eleições de 2018, onde se levou a prática a outro nível quantitativo e qualitativo – na questão ambiental, cada vez mais sensível, não é diferente.
Vimos no primeiro turno, no debate da Band, durante uma fala do ex-presidente Lula, Ricardo Salles* gritando da plateia no meio do discurso dizendo que a maior taxa de desmatamento da série histórica fora no governo Lula. Ricardo Salles quase não mentiu! Mas passou longe de ser honesto com os dados – continue lendo para entender.
Ricardo Salles é ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, acusado por ambientalistas de desmontar a legislação ambiental deixando o caminho livre para o crime e acusado pela justiça brasileira de advocacia administrativa, criar dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar investigação de infração penal que envolva organização criminosa num caso de tráfico ilegal de madeira envolvendo mais de R$120 milhões.
Salles mentiu por pouco, mas o pior mesmo é que ele omitiu todo o contexto. E o pior, essa descontextualização vem sendo repetida pela militância bolsonarista e pelo próprio Jair Bolsonaro na campanha, como foi feito ontem mesmo, 16/10, no último debate presidencial na Band, agora apenas com os participantes do segundo turno: Bolsonaro e Lula.
Vamos aos fatos
Importante considerar antes de tudo que a consciência da importância de manter a floresta em pé não era a mesma no século passado. Hoje é absoluto consenso que preservar é uma necessidade urgente. Antes, não. Trazer isso pro debate significa não ser anacrônico, tratar cada época levando em consideração a consciência de cada época.
A maior taxa de desmatamento da série histórica fora na verdade em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Confira no gráfico:
Mas a segunda taxa mais alta foi sim no primeiro governo Lula. Contudo, vamos olhar bem os dados. O desmatamento não é uma coisa simples de ser feita. É preciso saber onde há ou não fiscalização. É preciso saber o que é exatamente a área designada. É preciso também saber qual a chance de não ser punido. E claro, sobretudo: os crimes ambientais são também atividades econômicas! A mão de obra que desmata provavelmente escolheria um outro trabalho se pudesse optar por um emprego melhor e em não entrar no meio da floresta amazônica para cometer crimes. Ou seja, o desmatamento é uma questão estrutural!
Lula herdou um Brasil que se preocupava pouquíssimo com o meio ambiente e foi durante seu governo que novas políticas ambientais começaram a fazer efeito.
Por outro lado, algo que resume bem o estilo de governabilidade do petista é a capacidade de conciliação, isto é: Lula abraçava forças contrastantes e as incorporava para dentro do governo. Com isso abriu espaço para ambientalistas, como Marina Silva, mas também para representantes do agronegócio que pressionavam por uma legislação ambiental mais suave.
Como é também verdade que foram cometidos erros severos como a construção da usina de Belo Monte, no Pará.
Olhando mais uma vez o gráfico, pode-se ver que houve no governo do petista uma queda brutal do desmatamento, a começar pelo ano de 2005, chegando a 7 mil km² em 2010, até então uma mínima histórica e razão pela qual o Brasil recebeu elogios ao redor do mundo pelo seu trabalho contra o desmatamento.
O menor desmatamento da história
Com a continuação da política ambiental, o Brasil alcançou um recorde de menor desmatamento da história no ano de 2012, no governo de Dilma Rousseff, quando o ministério do Meio Ambiente era liderado por Izabella Teixeira.
Desmonte ambiental e o passar da boiada
Foi a partir da eleição de Jair Bolsonaro, sob os trabalhos do ex-ministro Ricardo Salles que uma série de desmontes nos órgãos ambientais começaram a ser feitos. Estes fatos foram simbolizados na fatídica reunião ministerial de Bolsonaro onde o Salles diz que o foco da mídia na cobertura da pandemia era uma oportunidade para poder “passar a boiada” na desarticulação institucional de órgãos como o Ibama, ICMBio e INPE sem que houvesse o devido foco da imprensa.
A Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente) publicou um dossiê chamado “Uma tragédia anunciada” onde aponta que o então ministro havia editado 721 medidas contra a preservação ambiental, sendo 76 reformas institucionais; 36 medidas de desestatização; 36 revisões de regras; 34 de flexibilização; 22 de desregulação e 20 revogações.
A Le Monde Diplomatique publicou uma matéria detalhando todas as polêmicas, acusações e atitudes contrárias ao meio ambiente tomadas durante a gestão de Ricardo Salles, confira clicando aqui
O fato incontestável é que durante o governo de Jair Bolsonaro as taxas de desmatamento pela primeira vez em muitos anos começaram a crescer descontroladamente de novo. Chamando atenção da sociedade civil, dos cientistas e técnicos e também da comunidade internacional que hoje olha para o Brasil com desconfiança para seguir os termos firmados no Acordo de Paris e preservar a Amazônia, como também os outros biomas como Pantanal, Cerrado e Caatinga por exemplo.
Conclusão
Em números absolutos, é verdade que o desmatamento na era petista foi maior, contudo é também verdadeiro que por causa das políticas ambientais deste governo que o desmatamento na Amazônia sofreu um grande impacto e diminuiu fortemente.
Como também é verdadeiro que em números absolutos o desmatamento no governo Bolsonaro é menor, já que herdou atividades criminosas muito mais reprimidas. Mas com o desmonte da política ambiental anterior, deu-se início a uma nova onda de aumento do desmatamento.
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