Tanto Wilson Lima (UB), quanto Eduardo Braga (MDB) desconsideram alta do desmatamento; e propõe reabrir BR-319, fortalecer a mineração e ampliar a exploração de gás no Amazonas
Apesar de o Amazonas apresentar um dos piores índices de preservação e proteção da Floresta Amazônica entre os estados da região Norte, os planos de governo dos dois candidatos que estão no segundo turno concorrendo ao governo deixam a desejar na apresentação de propostas que revertam o atual cenário.
Em alguns casos, pelo contrário, os governadoráveis até defendem iniciativas que contribuem, ainda mais, para impulsionar o processo de devastação do bioma dentro de seu território, atingindo áreas tidas hoje como intocadas.
O segundo turno pelo governo amazonense é disputado entre o atual ocupante da cadeira, Wilson Lima do União Brasil, e o ex-governador e senador pelo MDB, Eduardo Braga, que esteve no cargo entre 2003 e 2010. Os dois representam a polarização da disputa presidencial. Lima é o candidato do presidente, Jair Bolsonaro (PL), enquanto Braga é aliado do petista, Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com o Relatório Anual do Desmatamento (RAD), do Mapbiomas, em 2021, a área de floresta derrubada no Amazonas foi de 194.498 hectares; alta de 50% em relação a 2020. O estado saiu da quarta para a segunda colocação do ranking do desmatamento no país, atrás somente do Pará.
Em 2022, o Amazonas ficou em terceiro lugar no registro de focos de queimadas entre os nove estados da Amazônia Legal. Até setembro, segundo o Inpe, foram 18.571 registros de focos de calor.
Entre os temas mais sensíveis tratados a cada disputa eleitoral no estado está a repavimentação da BR-319, entre Manaus e Porto Velho, prevista no plano de Wilson Lima. A obra é tida como estratégica, do ponto de vista econômico, mas também como grande potencializadora de danos ambientais a uma das regiões mais preservadas da Amazônia.
Mesmo com o aumento expressivo das taxas de desmatamento nos últimos anos, o Amazonas tem grande parte de seu território conservado. Maior estado do Brasil em extensão territorial (com mais de 1,5 milhão de km2), o Amazonas mantém uma cobertura florestal de 91%.
E a reconstrução da BR-319 é apontada como grande ameaça para toda essa área de floresta, pois levaria o chamado “arco do desmatamento” para a porção mais norte da Amazônia. Hoje, o desmatamento se concentra na parte sul do Amazonas, nos municípios acessíveis pelo trecho pavimentado da BR-319 e a Transamazônica.
É o caso de Apuí, Lábrea e Humaitá que, em 2021, conforme dados do Mapbiomas, figuram entre os 10 municípios brasileiros com as maiores áreas desmatadas. Eles estão localizados na tríplice divisa do Amazonas com o Acre e Rondônia, chamada de Amacro, e que passou a ser conhecida como a nova fronteira do desmatamento.
Candidato oficial do presidente Jair Bolsonaro (PL), o governador Wilson Lima quer “somar esforços com o governo federal para agilizar ações de competência do estado visando a recuperação da BR-319”.
O plano de seu adversário, Eduardo Braga (MDB), não fala especificamente sobre a recuperação da rodovia, mas de usá-la como corredor para escoar a produção de minérios. A mineração é uma das principais propostas do ex-governador e atual senador para a pauta econômica do Amazonas.
Além de repavimentar o traçado principal da rodovia, o plano de Wilson Lima ainda estipula a recuperação dos ramais que dão acesso às comunidades localizadas ao longo da BR-319. Caso de fato saia do papel, a proposta reforçaria o efeito chamado de “espinha de peixe”, que é a abertura de estradas paralelas – os ramais – ao longo da rodovia pavimentada.
Defendida por parcela da sociedade manauense – capital do Norte com maior colégio eleitoral – a recuperação da BR-319 é tida como essencial para tirar a capital do isolamento rodoviário com o restante do país.
Atualmente, ela só é trafegável nos meses secos do “verão amazônico”, que varia entre junho e meados de outubro. Hoje, a maior parte da logística de transporte de cargas para Manaus é feita por balsas pelas hidrovias dos rios Madeira e Amazonas.
Nos planos de governo apresentados por Wilson Lima e Eduardo Braga, não há detalhes sobre eventuais estratégias de mitigação ambiental para a ligação rodoviária permanente entre Manaus e Porto Velho.
Em 2018, o então presidenciável Jair Bolsonaro prometia destravar o processo de licenciamento da obra como forma de obter votos do eleitorado amazonense. Agora em 2022, como forma de cumprir a promessa, o Ibama emitiu, às pressas, a licença prévia para a reconstrução do trecho do meio. Conforme reportagem do Observatório do Clima, a licença não leva em consideração as normas técnicas do próprio instituto.
Por conta do poder eleitoral que a proposta de reconstrução da BR-319 tem entre os eleitores, Lula também não se manifesta contrário a ela. No início de setembro, durante entrevista a uma rádio de Manaus, o presidenciável afirmou que “não existe tema proibido” ao se falar sobre a preservação da floresta, numa referência à rodovia.
“É plenamente possível você trabalhar corretamente a questão climática, trabalhar corretamente a questão ambiental e você dar a segurança necessária para que possa fazer boas estradas que possam interligar o estado do Amazonas com o restante do país”, disse o petista, à época.
“Mineração sustentável”
O Amazonas está entre os cinco estados da Amazônia Legal onde Lula recebeu mais votos do que Bolsonaro: 49,58% e 42,80%, respectivamente. A boa avaliação do ex-presidente é apontado como o principal fator a levar Eduardo Braga ao segundo turno, numa disputa marcada por reviravoltas. Até dias antes do primeiro turno, ele aparecia em terceiro lugar nas pesquisas.
Ele superou a votação recebida pelo também ex-governador e velho cacique da política local, Amazonino Mendes (Cidadania), que até o fim de agosto liderava isolado as sondagens de intenção de voto. Ao todo, Eduardo Braga ficou com 20,99% dos votos válidos. Wilson Lima recebeu 42,82%.
Além de não apresentar propostas para a área ambiental, o plano de governo de Braga – resumido em seis páginas – defende propostas econômicas que representam consideráveis impactos para o meio ambiente. Entre elas está a exploração de silvinita para sua transformação em potássio, que, por sua vez, poderia ser utilizado como fertilizante pelo agronegócio do país.
Segundo o documento, tal exploração minerária garantiria ao “Amazonas uma participação no mercado do agronegócio brasileiro numa escala de 8 a 10 bilhões de dólares em fertilizantes, com baixo impacto ambiental e usando o corredor de logística do Rio Madeira e a BR 319 para escoamento”.
Outra proposta do emedebista é potencializar a exploração de gás natural. O Amazonas detém a maior concentração de gás natural fora da costa litorânea. Hoje o estado já explora o gás por meio da Província Petrolífera de Urucu, no município de Coari, localizado no médio Solimões.
“O Amazonas concentra a exploração apenas no uso menos nobre do produto, na transformação em energia elétrica. A exploração do gás mais nobre, na industrialização e na indústria gás química introduzirá o estado no mercado nacional e internacional de fertilizantes, sem derrubar uma única árvore”, diz o texto.
O candidato ainda defende o que classifica como exploração “racional e inteligente” dos recursos florestais, sejam os de origem madeireira ou não-madeireira.
Já o candidato à reeleição, Wilson Lima, faz uma abordagem nem tão enxuta para o meio ambiente, mas trata as propostas por tópicos curtos e sucintos. O governador fala em fortalecer o Programa Guardiões da Floresta caso reeleito.
O programa realiza o pagamento financeiro às famílias moradoras de unidades de conservação do estado como incentivo pela preservação destas áreas; o plano ainda diz que fortalecerá iniciativas de bioeconomia para as comunidades da floresta. O documento também sinaliza com intenções de criação do marco legal para o mercado de carbono, estabelecendo o programa (de pagamento por desmatamento evitado) REDD+ Amazonas.
Fonte: O Eco
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