Com discurso dissonante dos outros candidatos, Jair Bolsonaro defendeu a redução de multas ambientais, um catalizador do desmatamento e das queimadas
“Então eu levei paz e tranquilidade ao homem do campo. As multas eram algo abusivo, e a senhora nunca falou nada enquanto senadora. Precisou eu chegar, com o Ricardo Salles, e moralizarmos a questão de multas. Reduzimos em 50% as multas aplicadas no campo. Nós levamos paz ao campo, segurança e tranquilidade; e o respeito, eles têm com um homem que se preocupa de verdade com o agronegócio, que está sempre trabalhando para que o Brasil produza mais para nós e para o mundo”, afirmou o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro no segundo Bloco do debate da Rede Globo, nesta quinta-feira (29).
Foi o terceiro e último debate entre candidatos à Presidência da República. Participaram Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil), Luiz Felipe D’Avila (Novo) e Kelmon Souza (PTB), o Padre Kelmon.
A declaração positiva do presidente em relação ao bloqueio de multas ambientais é contestada pelo Senado Federal. Em 2020, a comissão temporária do Senado que acompanha os incêndios no Pantanal chegou a encaminhar um pedido de informação sobre as multas ambientais aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos últimos cinco anos em razão de desmatamento e incêndios ilegais. Os pedidos abrangiam todos os biomas brasileiros, com destaque para Pantanal e Amazônia.
Mas os senadores não conseguiram mudar a política ambiental do presidente. A frase “O Ibama não atrapalha mais”, tornou-se um slogan do governo de Jair Bolsonaro, que sempre induziu, tal qual no debate de quinta, um caráter positivo à omissão do estado frente aos crimes ambientais.
A prática também foi rechaçada duramente pelo Ministério Público. Em 2020, foi protocolada uma Ação Civil Pública – tendo Ricardo Salles como polo passivo –, pedindo o afastamento cautelar do ex-ministro do cargo.
No pedido, assinado por doze procuradores, o MPF afirmava que na gestão de Ricardo Salles houve omissão, improbidade administrativa e o encadeamento premeditado de agir contrário à proteção ambiental. Violação ao dever de tutela do meio ambiente. Infringência aos princípios da Administração Pública da moralidade, eficiência, legalidade, impessoalidade, publicidade e lealdade às instituições.
No ano seguinte, em 2021, o MPF voltou a pedir o afastamento de Salles, dessa vez com êxito. O pedido não só acusava Ricardo Salles de improbidade, como também revelava que o mesmo se beneficiou diretamente do esquema de cancelamento de multas.
Na ação enviada o Tribunal de Contas da União, baseada em uma notícia-crime do delegado da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, ex-superintendente no Amazonas, apontava que Ricardo Salles e o senador Telmário Mota (Pros-RR) formaram uma organização criminosa que beneficiava madeireiros ilegais e criava obstáculos à fiscalização da PF e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. Diante do avanço das investigações, o ministro elogiado no debate por Bolsonaro entregou o cargo definitivamente.
Após sair do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles tenta voltar à cena política como deputado federal pelo PL de São Paulo. Mas, com o bolsonarismo em queda, o ex-ministro não aparece com destaque nas últimas pesquisas de intenção de votos.
A omissão contra os crimes ambientais fez o governo de Bolsonaro ser marcado pelo aumento recorde do desmatamento em todos os biomas nacionais. Na Amazônia, por exemplo, o desmatamento no bioma foi 56,6% maior entre agosto de 2018 e julho de 2021 que no mesmo período de 2015 a 2018, segundo estudo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
E, se depender das palavras de Jair Bolsonaro no último debate, tudo indica que essa realidade deve continuar em caso de uma reeleição do atual governo.
Negação dos dados oficiais
Outro ponto crítico do debate para o meio ambiente foi quando Jair Bolsonaro negou, novamente, dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) sobre as queimadas. Recentemente o Inpe revelou que 2022 teve um recorde histórico de incêndios.
Apesar das evidências e dados, Jair Bolsonaro seguiu defendendo a tese de que as queimadas não existiram neste ano, e, que o que aconteceu no Pantanal foi um fogo com causas naturais e não criminoso, mesmo com investigação da Polícia Federal indicando o contrário, que os focos tiveram começo em fazendas e foram frutos da ação criminosa de proprietários rurais.
“Senhora candidata, eu morei em Nioaque, Estado do Mato Grosso do Sul, conheço muito bem o Pantanal sul-mato-grossense, não é verdade o que a senhora está falando aqui. Periodicamente, pega fogo na região. Mas nós temos no Brasil 2/3 das nossas florestas preservadas da mesma maneira quando o Pedro Álvares Cabral aqui chegou. Nós somos exemplo para o mundo. Nós somos o país, que apesar de estar na décima economia do mundo. Nós somos o país que, apesar de agora entrar na 10ª economia, que menos emite gases de CO2, esse é o Brasil nosso. A senhora deve ter um pouquinho de noção do tamanho do que é a nossa floresta amazônica, ela equivale a uma Europa Ocidental?
Como tomar conta disso Como tomar conta disso tudo? No corrente ano, não tivemos notícias de incêndios, nem no seu Pantanal, nem na floresta amazônica, a não ser o que acontece quase corriqueiramente, então, não são verdade esses dados. Nós botamos todas as Forças Armadas para combater incêndio, e a resposta está aí. Agora, é uma briga de narrativas, de informações, porque o nosso agronegócio é cobiçado. E a senhora está com muito ciúmes da Tereza Cristina que tirou sua vaga do Senado Federal por Mato Grosso do Sul.”, disse Jair Bolsonaro.
Discurso alinhado
Na contramão das afirmações de Bolsonaro, todos os outros candidatos, com exceção do Padre Kelmon e de Soraya Thronicke, que não se pronunciou sobre o tema, seguiram um discurso sobre o meio ambiente alinhado.
Investimentos em restauração ambiental para geração de empregos, entrada do Brasil no mercado de carbono, retomada do protagonismo nacional nas negociações da Convenção Mundial do Clima e o combate ao desmatamento foram as falas mais evidenciadas.
Na tribuna, ao enfrentar Jair Bolsonaro (PL), a candidata do MDB, Sinome Tebet defendeu o endurecimento no combate ao desmatamento. “Eu, eleita Presidente da República, desmatamento ilegal zero. E sabe mais o que vou fazer? Vou fazer um revogaço nesses decretos que tiram dos órgãos de fiscalização de proteger a Amazônia. Porque quando não protegemos a Amazônia, nós descompensamos o clima. As chuvas em excesso nos grandes centros, nas comunidades pobres, derrubam as casas, matam a vida das pessoas mais humildes. Meio ambiente é vida e, portanto, precisa e vai ser preservado no meu governo”, disse no segundo bloco do debate.
Luiz Inácio Lula da Silva voltou a questionar Tebet sobre o tema, também no segundo bloco, e também usou o seu tempo para falar de suas propostas. “desde a COP-15, em Copenhague, o Brasil, no nosso governo, se transformou no Brasil que mais controlou o desmatamento — reduzimos praticamente 80%, de 27 mil quilômetros para quatro mil quilômetros — e ainda assumimos a responsabilidade de evitar a emissão de 36.9, sabe, de gás carbono. Além disso, eu queria dizer uma coisa: nós vamos proibir terminantemente qualquer garimpo ilegal.
Não é necessário nenhum cidadão do agronegócio invadir a Amazônia ou o Pantanal. Quando eu era presidente, as pessoas queriam plantar cana no pantanal; eu não deixei. Por quê? Porque nós temos 30 milhões de terras degradadas e pastos degradados que você pode utilizar para plantar o que você quiser sem precisar derrubar uma árvore e fazer uma agricultura de baixo carbono, que é o que o Brasil precisa.”, disse o Petista.
Felipe D’Avila (NOVO) trouxe a questão ambiental ao falar de economia e geração de empregos. “E uma outra coisa, Bolsonaro, muito importante que vai gerar emprego para o brasileiro: é a pauta do meio ambiente. Nós temos que trazer esse investimento verde. O Brasil tem capacidade de sequestrar 50% do carbono do mundo, e isso é investimento na veia, emprego verde! Nas energias renováveis, que é fundamental, no agro sustentável, para a gente poder fazer agora produtos de maior valor agregado no agro e vender cada vez mais.”, disse o candidato no momento em debatia com Jair Bolsonaro, no terceiro bloco do debate.
Ciro Gomes também respondeu perguntas sobre o tema e defendeu a criação de um zoneamento econômico ecológico para todo o país. “Em absoluto, nós temos que reprimir com toda a dureza. Infelizmente, as estruturas de comando e controle na Amazônia foram destruídas. Também no pantanal, na caatinga, tudo desmantelado. Essa é a grande política pública do governo Bolsonaro. Agora deixa que eu lhe diga, Presidente Lula, o Brasil não pode mais adiar aquilo que o meu projeto nacional propõe, que é um zoneamento econômico ecológico, fazer a linha mesmo, no território: “Aqui pode, aqui não pode”. Por quê?
40 milhões de irmãos nossos vivem na Amazônia, contraíram malária, estão ali, e muitos deles, ou seus pais, recentemente, foram atraídos pela ditadura, foram atraídos por outros governos para ocupar a Amazônia ao redor dos grandes eixos de infraestrutura. Pois bem, o que acontece? Esse nosso povo só tinha direito ao papel da terra se provasse para o Incra, 15 anos atrás, 20 anos atrás que desmatou.
E eles aprenderam a fazer isso. Portanto, nós não podemos fazer uma repressão eficaz, que tem que ser dura, especialmente sobre o grande, sem antes disso, ou simultâneo a isso, porque o ilegal tem que ser reprimido agora, fazer uma reconversão produtiva, ensinar o nosso povo a extrair da floresta, em pé, muito mais riquezas do que ela pode oferecer deitada.”
Fonte: O Eco
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