Com um plano de governo vago, Barbalho é acusado de manter um discurso novo, mas com práticas antigas. Mesmo badalado internacionalmente, devastação segue
Ao assumir o papel entre os governadores da Amazônia Legal de uma liderança em defesa do bioma, ante a devastação da floresta impulsionada pela política anti-ambiental de Jair Bolsonaro (PL), o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), tenta permanecer no cargo sem tirar o Pará da primeira posição do ranking do desmatamento ou amenizar os conflitos na luta pela terra que o tornam o estado um dos mais violentos do país em confrontos e execuções no campo.
Herdeiro de uma das principais oligarquias políticas da região, Helder Barbalho encarnou a imagem de governador disposto a preencher o espaço político de proteção da Amazônia em meio a um dos piores momentos de devastação da floresta. Com os olhos do mundo voltados para a região, enquanto o governo Bolsonaro deixava a boiada passar, Barbalho quis assumir para si o protagonismo e a responsabilidade pela defesa da Amazônia.
Enquanto os governos europeus deixavam de enviar recursos para projetos de conservação, ele tentava convencê-los de que os governos estaduais seriam capazes de conduzir as ações para proteger a Amazônia, bastando para isso ter recursos em caixa.
Essa boa articulação política acabou por dar a ele o título de “governador da Amazônia” – cargo que lhe foi transferido sem nenhuma resistência pelos demais governadores da Amazônia Legal, a grande maioria simpática à política ambiental de Jair Bolsonaro.
Assim, Helder Barbalho passou a ser a referência dentro e fora do Brasil como a “alternativa” para conter a devastação da mais importante floresta tropical do mundo. Além de governador, passou a ser o “embaixador” da Amazônia, representando o país nos encontros internacionais sobre meio ambiente, como as Conferências Mundial do Clima, as COPs.
Também levou para o Pará grandes eventos de importância internacional, como o Fórum Mundial de Bioeconomia, realizado em outubro de 2021, em Belém.
Mas, internamente, o emedebista parece não ter feito o seu dever de casa, e o Pará permanece como o exemplo a não ser seguido em termos de proteção da floresta e das suas populações. O estado é o líder em desmatamento e queimadas, além de conflitos por terra que resultam na morte de camponeses, quilombolas e indígenas.
O estado também registra os maiores casos de atentados contra os defensores das causas sociais e ambientais. De acordo com o relatório Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de 2021, duas pessoas foram assassinadas no Pará em disputa pela terra; um indígena e um camponês. Ainda conforme o estudo, o estado registrou 156 casos de conflitos por terra envolvendo mais de 31 mil famílias.
Quanto à preservação da Amazônia, o Pará apresenta dados nada satisfatórios, mesmo com Helder Barbalho ter instituído uma força-tarefa de instituições estaduais para combater o desmatamento. Segundo o mais recente boletim elaborado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Pará respondeu por 34% dos 1.749 km2 de floresta perdida em julho passado. Foram 583 km2 de desmatamento dentro do estado. Na comparação com o mesmo mês de 2021, houve redução de 24%..
No chamado “calendário do desmatamento”, o Pará também teve queda. Entre agosto de 2021 a julho deste ano foram 3.853 km2 de floresta derrubada; no período de agosto de 2020 a julho de 2021 foram 4.147 – redução de 7%. Após uma certa estabilidade entre 2008 e 2018 nas taxas de incremento de desmatamento no Pará, o estado voltou a apresentar alta a partir de 2019, paralelo a ascensão do bolsonarismo.
Em seu plano de governo para a primeira campanha (2018), Helder falava em redução de 11% da área desmatada entre 2021 e 2022 nos territórios de atribuição estadual. O Relatório Anual do Desmatamento (RAD), elaborado pelo Mapbiomas, aponta que em 2021 o Pará permaneceu na primeira posição dos estados brasileiros que mais desmataram sua cobertura vegetal.
Foram 402 mil hectares de Floresta Amazônica destruídos ao longo do ano passado; alta de 9% em relação a 2020. Dos 10 municípios campeões em desmatamento, metade está no Pará: Altamira, São Félix do Xingu, Novo Progresso, Itaituba e Portel. Vale destacar que essas análises levam em consideração áreas sob responsabilidade da União e dos estados.
Com a segunda maior extensão territorial entre os estados do país, o Pará é dono de uma complexidade peculiar. Por ser o estado do Norte mais próximo dos grandes centros urbanos e industriais, é também o mais pressionado pela abertura de estradas, pelo agronegócio e pela mineração. Seus rios são cobiçados para a construção de usinas hidrelétricas, como Belo Monte e Tucuruí.
Para lideranças dos movimentos sociais e ambientais do estado ouvidas por ((o))eco, apesar de se apresentar como moderno e inovador, Helder Barbalho representa as velhas oligarquias que dominam a política local. Na avaliação deles, as opções de candidaturas para o governo estadual em 2022 não representam avanços ou melhorias para as políticas de proteção da floresta e suas mais diversas populações.
“O governo Helder Barbalho é um governo que não tem um compromisso ambiental. Na minha opinião o cenário é o mais desolador. Por mais que ele tenha tentado posar de vanguarda, de moderno, ele é ligado ao agronegócio, ao latifúndio, às mineradoras. Ele faz um discurso novo, mas com práticas antigas”, afirma Marquinho Mota, coordenador de projetos do Fórum da Amazônia Oriental (Faor).
Ele cita como exemplo a assinatura do decreto pelo governador, em 25 de outubro de 2021, que instituiu o dia do garimpeiro no Pará, a ser celebrado dia 11 de dezembro. A atividade garimpeira é uma das mais predatórias dentro do estado, com casos frequentes de invasões de áreas protegidas – inclusive as terras indígenas – para a extração clandestina de minérios. Os Munduruku são um dos povos mais impactados pelo garimpo.
“O Helder representa os mesmos métodos de seu pai, o Jader Barbalho. Ele não tem nenhuma novidade para apresentar. Se você olhar para os grotões do Pará vai ver que o mesmo coronelismo de sempre ainda reina, apenas se modernizou. Ao invés de jagunços armados hoje em dia, são empresas de segurança privada com CNPJ, mas é a mesma coisa”, comenta Mota.
“É a mesma tática da grilagem, de invasão de terras indígenas e isso com o silêncio do governo. O governo do estado não faz nada para conter isso.” Na análise de Marquinho Mota, o Pará continua como recordista de desmatamento na Amazônia por não ter alterado sua política e visões de desenvolvimento.
“O projeto é ocupar, entre aspas, que na verdade é destruir as florestas para implementar esses projetos de agropecuária, de mineração, de hidrelétricas, rodovias, hidrovias, de extração de madeira, que é o que eles que vai desenvolver a Amazônia”, ressalta ele.
Coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria, a ambientalista Claudelice Santos comenta que as políticas (ou a falta delas) desenvolvidas pelos governos locais – sejam estaduais ou prefeituras – têm tanto ou mais influência do governo federal. O instituto leva o nome do casal extrativista executado numa tocaia em Nova Ipixuna, em 24 de maio de 2011. Ela é irmã de Zé Cláudio e decidiu continuar a sua luta em defesa da floresta e suas comunidades tradicionais.
Ela mora em Marabá, e sente de perto as tensões dos conflitos que até hoje persistem no estado. “Esse conjunto de poderes, incluindo os locais, influenciam em tudo isso que acontece, do prefeito ao vereador. Há uma relação pessoal deles com os madeireiros, com o garimpeiro. Eles acabam por governar para esse tipo de gente. Se a gente não mudar a política não só em âmbito nacional mas também a local vamos continuar a remar contra a maré”, pondera Claudelice Santos.
Para ela, as eleições de 2022 têm uma importância maior diante do atual momento de destruição dos direitos das minorias. Na avaliação dela, caso de fato o governo Helder Barbalho tivesse focado para as questões sociais e ambientais, o Pará ainda estaria vivendo os intensos e tensos conflitos no campo.
Ela cita o atual caso em Anapu, onde foi executada a tiros em 2005 a religiosa Dorothy Stang, no sul paraense. Esse ano, pequenos agricultores foram atacados a tiros por pistoleiros e até a escola da comunidade virou alvo dos jagunços sendo incendiada.
Para Claudelice Santos, ao mesmo tempo que ganha o rótulo de protetor da Amazônia, Helder Barbalho atende aos interesses das elites locais de setores do agronegócio e da mineração.
“Não adianta querer bater e assoprar. Ele tem que assumir um lado. Não dá para ele dizer que faz isso ou aquilo pela Amazônia enquanto os conflitos agrários e ambientais só aumentam no nosso estado. Isso mostra que o discurso não está batendo com as ações.”
“Por que o nosso estado continua na vanguarda do desmatamento, do garimpo ilegal? Porque há uma força por trás disso, e essa força tem um conluio com o Estado. A omissão do Estado brasileiro com os órgãos federais. E essa força também não é tão combatida assim pelo Estado do Pará. Se tivesse, a gente não teria essa realidade. Eu não consigo sentir essa mudança não. Eu falo com sinceridade e de lugar de fala”, diz a coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria.
Promessas futuras
No plano de governo para um eventual novo mandato, Helder Barbalho, destaca o fortalecimento da Força Estadual de Combate ao Desmatamento como mecanismo de combate aos crimes ambientais. Para a busca de uma solução para os conflitos pela terra, a proposta fica vaga ao falar apenas em “recuperar a capacidade do Estado em regular a ocupação de terra”.
O documento ainda cita a ampliação da concessão de áreas de florestas públicas a empresas do setor privado para a exploração de manejo madeireiro. Há ainda a promessa de se instalar o Parque de Bioeconomia e Inovação da Amazônia, em Belém, mais a criação do Plano Estadual de Bioeconomia.
No plano de intenções para uma possível reeleição, o governador afirma que o Pará apresentou avanços em sua política de meio ambiente, incluindo o combate ao desmatamento.
Também destaca a criação de marcos legais para políticas de mudanças climáticas, do programa Territórios Sustentáveis e a ampliação do Regulariza Pará, voltado para a questão fundiária.
Fonte: O Eco
Comentários