Os incêndios acabaram por afetas 45% da população estimada de onças no Pantanal; destruir o habitat desses animais obriga-os a migrarem para outras áreas como as ocupadas por gados e seres humanos, por exemplo
Em junho deste ano, cenas da novela Pantanal alertaram os espectadores sobre a devastação causada pelos incêndios dos últimos anos na região localizada no Centro-Oeste brasileiro. Um estudo do Instituto de Biociências (IB) da USP publicado na revista Communications Biology, um periódico do grupo Nature, revelou que 54% das áreas de conservação utilizadas pelas onças-pintadas sofreram com os incêndios no bioma.
De acordo com o principal autor do artigo Wildfires disproportionately affected jaguars in the Pantanal, Alan Eduardo de Barros, doutorando do Departamento de Ecologia do IB, 79% das áreas de uso das onças monitoradas no Pantanal foram atingidas pelo fogo. Os incêndios de 2020 afetaram 45% da população estimada de onças, sendo que 87% desses carnívoros afetados estariam em território brasileiro.
O local ficou muito mais seco que o normal e, por isso, não só vegetações de Cerrado, adaptadas a essa situação, foram queimadas, mas também as áreas de floresta densa. O fogo atingiu 31% de todo o Pantanal e estima-se que 17 milhões de vertebrados foram mortos em decorrência desse fenômeno apenas naquele ano.
Equilíbrio ambiental
Um dos principais indicadores da qualidade ambiental no Brasil é a presença das onças-pintadas, que estão no topo da cadeia alimentar em quase toda a América Latina. Sem elas, a quantidade de outros animais, como por exemplo, as capivaras pode aumentar descontroladamente. E isso aumenta o número de ataques a plantações de soja e de outros alimentos. Além disso, a perda da cobertura vegetal da região força o deslocamento das onças para as áreas habitadas pelo gado e com presença humana. Como esse é o felino com as mais poderosas mandíbulas, a devastação da mata aumenta os riscos de conflito com a população da região.
Um estudo de 2018 calculou a população de onças-pintadas ao longo de sua área de distribuição. De acordo com esses dados, foram estimadas cerca de 1668 onças-pintadas no Pantanal. Barros, no entanto, acredita que esse número seja maior devido à metodologia empregada pelos pesquisadores e a existência de pesquisa recente apontando regiões com cerca de 13 indivíduos por 100 quilômetros quadrados (km²). De qualquer forma, a dependência do habitat faz com que o desmatamento seja o maior problema para a sobrevivência desses animais.
De 2005 a 2018, o impacto do fogo não era tão alto na região, mas a tendência apresentada em 2019 a 2020 já cria um impacto preocupante para a sobrevivência desses felinos. Eles são animais ágeis e conseguem escapar do fogo em situações normais, porém os incêndios do período foram tão intensos que se espalharam por raízes e caules subterrâneos da vegetação. A brasa no solo ou no subsolo foram as grandes responsáveis pelos ferimentos que comprometeram as garras desses animais. Algumas das onças feridas durante as queimadas foram resgatadas e seus filhotes provavelmente serão integrados ao habitat natural futuramente.
As mudanças climáticas, o desmatamento da Amazônia e a diminuição da água proveniente das nascentes desmatadas explicam a seca registrada em 2019 e 2020, porém a maior parte das ocorrências de foco de incêndio se devem à ação humana. Essa situação agravou-se ainda mais em consequência da redução da fiscalização e de aportes para o controle das queimadas.
As atividades econômicas podem ser manejadas de forma que minimizem os seus impactos sobre as espécies pantaneiras e seu habitat natural. Para isso, são necessárias ações efetivas dos órgãos de manejo ambiental para a implementação de pesquisas e tecnologias já existentes. Nesse contexto em que as mudanças climáticas e a ação humana se retroalimentam, os estudos de impactos isolados não têm capacidade de criar soluções sustentáveis. A conservação da vegetação e da biodiversidade como um todo, depende de soluções técnicas integradas considerando impactos humanos oriundos de hidrelétricas, agricultura e pecuária.
Monitorando as feras
Os pesquisadores sobrepuseram mapas da densidade populacional das onças-pintadas e de estimativas de áreas de vida calculadas a partir de dados de movimento (de onças-pintadas aparelhadas com colares GPS) com mapas de ocorrência de incêndios na região. Com essas informações, os pesquisadores sabiam as áreas mais adequadas para a sobrevivência dos animais. A partir disso sobrepuseram os dados sobre áreas prioritárias para as onças com os de ocorrência de fogo entre 2005 a 2020 utilizando algoritmos e sistemas de informação geográfica. Foram utilizados também os dados de 48 onças identificadas como residentes, ou seja, que estabeleceram áreas por onde circulam. Para monitorar animais, atualmente utiliza-se um colar com o Sistema de Posicionamento Global (GPS) integrado.
Existem outras formas de monitoramento que estipulam a quantidade de animais por região através das imagens de câmeras, variáveis ambientais e modelos de densidade, cujos dados também foram utilizados. Entretanto, Alan esclarece que “se uma onça estabelece uma área de vida, é porque o local é útil para outras onças. Se uma onça morre, outra pode se estabelecer ali. Uma vez que se tem uma área de vida estabelecida, a gente pode assumir a área como sendo prioritária.”
Além de Barros, também colaboraram com a pesquisa o orientador Paulo Inácio Prado do Laboratório de Ecologia Teórica do Departamento de Ecologia do IB-USP, o co-orientador Ronaldo Gonçalves Morato e outros pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Morato é coordenador do centro de pesquisa de mamíferos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão que cria planos de ação para a conservação de mamíferos ameaçados.
Alan trabalha com movimentação animal há mais de 20 anos e seu foco de pesquisa atualmente é a análise de seleção de habitat e movimentação das onças-pintadas. O método de área de vida utilizado foi disponibilizado pelo pesquisador Christen H. Fleming e outros pesquisadores, vinculados à Universidade de Maryland e ao Smithsonian Institute.
Fonte: Jornal da USP
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