Cientistas identificaram nas células do cérebro uma proteína que indica maior vulnerabilidade à doença de Alzheimer. A descoberta foi feita por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e da Universidade da Califórnia, em San Francisco (UCSF), nos Estados Unidos, a partir da análise de amostra de tecidos cerebrais do Biobanco de Encéfalos Humanos da FMUSP. O estudo, descrito em artigo na revista Nature Neuroscience, poderá servir de base ao desenvolvimento de medicamentos para proteger as células do cérebro do Alzheimer.
Nas demências, como a doença de Alzheimer, as células do cérebro, os neurônios, morrem aos poucos. “Alguns desses neurônios são mais sensíveis de desenvolverem a doença antes do que outros. Chamamos isso de vulnerabilidade seletiva”, aponta ao Jornal da USP a professora Lea Grinberg, da FMUSP e UCSF, coautora do trabalho. “Acredita-se que caso conseguíssemos desvendar qual a assinatura ou composição molecular desses neurônios sensíveis, seria possível desenvolver drogas para protegê-los.”
A pesquisa analisou duas regiões do cérebro: o córtex entorrinal e o córtex frontal superior. “O córtex entorrinal, região de integração de todas as funções cerebrais, é a primeira área cortical a desenvolver emaranhados neurofibrilares, que são as lesões características de Alzheimer”, descreve a professora. “O córtex frontal superior, uma área de integração motora, incluindo ocular, só desenvolve os emaranhados décadas depois.”
Proteína
Os cientistas fizeram dois tipos de análises, a primeira delas envolvendo expressão de RNA, por meio de uma técnica chamada single cell. “Em estudos tradicionais, se pega um pedaço de tecido, macera tudo junto e se mede o RNA para se entender as diferenças de níveis de RNA em relação a uma condição normal”, aponta a professora da FMUSP. “No single cell, se dissocia o tecido em núcleos celulares, se põe cada núcleo em uma gota de óleo com um código de barra, e se analisa o RNA de 10.000 células. Ao invés de um valor só, se mede o valor individual de cada célula.”
Como as células têm componentes moleculares próprios, é possível saber o que acontece com o RNA em cada subpopulação de células. “Dessa forma, descobrimos que tipo de neurônio é mais vulnerável ao Alzheimer”, ressalta a professora. O outro teste realizado foi a análise imuno-histoquímica multiplex. “Como os resultados de expressão de RNA são complexos, escolhemos os melhores candidatos moleculares e identificamos as proteínas correspondentes em tecido cerebral de pessoas que morreram com níveis progressivos de Alzheimer”.
Os pesquisadores conseguiram confirmar um candidato molecular, a proteína RORB. “Neurônios que expressam RORB são os mais vulneráveis para Alzheimer”, destaca a professora ao Jornal da USP. “Agora que sabemos pela primeira vez qual é a assinatura molecular dos neurônios mais vulneráveis ao Alzheimer, podemos tentar desenvolver drogas para proteção.” Os resultados do trabalho são descritos no artigo Molecular characterization of selectively vulnerable neurons in Alzheimer’s disease, publicado pela Nature Neuroscience em 11 de janeiro.
A professora Lea observa que as análises foram realizadas nos Estados Unidos com o material fornecido pelo Biobanco de Encéfalos Humanos da FMUSP. “Esse biobanco é muito mais do que um fornecedor de tecido. Antes de um tecido cerebral entrar em pesquisa é necessário uma série de análises clínicas, patológicas e genéticas por profissionais muito bem treinados”, diz. “De cada 100 tecidos analisados, apenas um serve para esse tipo de estudo. Dá trabalho, mas não há nenhum outro lugar no mundo com uma série populacional como a da FMUSP, graças ao Serviço de Verificação de Óbitos e ao Biobanco, uma colaboração entre Patologia, Geriatria e Neurologia.”
Fonte: Jornal da USP
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