O climatologista Carlos Nobre, especializado nos efeitos das mudanças climáticas na Amazônia e líder em política científica para uma Amazônia sustentável, foi anunciado pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (American Association for the Advancement of Science – AAAS) como vencedor do Prêmio de Diplomacia Científica.
Concedido desde 2013, a premiação reconhece um indivíduo ou um pequeno grupo que atue em comunidades da ciência ou relações exteriores, contribuindo de maneira notável para o campo da diplomacia científica.
Já o físico e professor Ricardo Galvão – exonerado por Bolsonaro em agosto de 2019 quando era diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) – receberá o Prêmio de Liberdade e Responsabilidade Científica.
A honraria reconhece, desde 1980, cientistas que “lutam pela liberdade científica e/ou responsabilidade em circunstâncias particularmente desafiadoras, às vezes pondo em risco sua segurança profissional ou física”.
A cerimônia de premiação será realizada virtualmente, em 10 de fevereiro durante a 187ª Reunião Anual da AAAS. Quem tiver interesse em acompanhar, pode se inscrever aqui.
Um cientista dedicado à Amazônia
Para o comitê de premiação da AAAS, Nobre se destaca por “seu trabalho de longo prazo que visa compreender e proteger a biodiversidade e os povos indígenas da Amazônia”.
Os membros desse grupo ainda destacam que, mais recentemente, Nobre atua como presidente do Painel de Ciência para a Amazônia, convocado pela Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (UN SDSN), que é a primeira avaliação científica abrangente da Bacia Amazônica. E está liderando mais de 160 cientistas de países amazônicos – que inclui especialistas indígenas – “para desenvolver uma avaliação científica da região para apresentar soluções baseadas em dados que orientem a proteção, conservação e desenvolvimento sustentável da floresta tropical”. O relatório deve ser lançado em breve.
Na carta em que indicou o climatologista ao prêmio, a vice-presidente do secretariado da UN SDSN para as Américas e chefe do escritório de Nova York, Emma Torres, declarou que “a carreira científica de Nobre ao longo da vida em compreender a complexidade biológica da Amazônia, juntamente com décadas de envolvimento na política científica”.
Carlos Nobre, que é cientista sênior no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), é muito conhecido por seu trabalho sobre a “savanização da Amazônia”, como consequência das mudanças climáticas e ao desmatamento. O cientista ainda lidera a iniciativa Amazônia 4.0, que busca desenvolver uma “bioeconomia” sustentável para a região.
“Dr. Nobre tem contribuído para a compreensão científica da floresta amazônica como um ecossistema de importância global e como parte do patrimônio ecológico e cultural insubstituível para toda a humanidade”, salienta Torres. “E aplicou este trabalho na esfera da política científica em várias funções”.
Nobre é membro do IPCC – Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas da ONU, homenageado com o Prêmio Nobel da Paz em 2007. Em 2013, foi nomeado membro do Conselho Consultivo Científico do Secretário-Geral da ONU para Sustentabilidade Global.
O cientista também contribuiu com a “construção de capacidade científica no Brasil e para a cooperação científica internacional”, atuando também como Secretário Nacional de Políticas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, como presidente da Agência Federal de Apoio e Avaliação da Pós-Graduação, e primeiro cientista do programa para o Experimento de Grande Escala da Biosfera Atmosfera na Amazônia.
E Torres acrescenta: “A liderança de Carlos inspira ação e incentiva o multilateralismo, fornecendo uma estrutura que nos permite avançar em direção a um futuro mais sustentável e equitativo, juntos”.
Um cientista contra o autoritarismo
Em julho 2019, Ricardo Galvão ganhou destaque no noticiário ao enfrentar Bolsonaro depois de inúmeros ataques. O presidente não queria que o Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, dirigido pelo cientista desde 1970, divulgasse dados de monitoramento do desmatamento na Amazônia, pois revelavam aumento expressivo da destruição do bioma: 88% em comparação com o ano anterior.
Vale destacar que o Inpe é considerado líder mundial no uso de satélites para detectar extração ilegal de madeira e queimadas em florestas tropicais. O DETER (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real), por exemplo, detecta o desmatamento ilegal com rapidez suficiente que respalda autoridades policiais com o intuito de impedir que avance.
Os ataques a Galvão só aumentaram e o presidente chegou a ameaçá-lo por meio da imprensa: “se quebrar a confiança, será sumariamente demitido”. Mas o cientista não se deixou intimidar e o Inpe divulgou mais devastação ambiental na região, com aumento de “40% nos últimos 12 meses”.
“Não apenas como cientista, mas como cidadão brasileiro, estou muito preocupado com o aumento da taxa de desmatamento na Amazônia”, disse em agosto de 2019. “O líder de qualquer país deve estar ciente de que em assuntos científicos não há autoridade acima da soberania da ciência”.
O comportamento de Bolsonaro deixava claro que o governo estava “fritando” Galvão para tirá-lo do quadro do Inpe. E foi o que ele fez em 2 de agosto do ano passado.
A autonomia e a responsabilidade com que Galvão agiu lhe custou o cargo, mas não a reputação, que só cresceu.
Em dezembro do mesmo ano, foi indicado pela revista Nature como uma das “dez pessoas mais influentes na ciência em 2019”. E, em março do ano passado, pouco antes da pandemia estourar no Brasil, foi indicado como uma das 25 pessoas que podem salvar o mundo.
Agora, um ano e meio depois da exoneração do cargo de diretor do Inpe, o professor da USP foi a anunciado como vencedor do Prêmio 2021 de Liberdade e Responsabilidade Científica.
Em seu pronunciamento, Jessica Wyndham, diretora do Programa de Responsabilidade Científica, Direitos Humanos da AAAS, citou a postura admirável do cientista: “O professor Galvão defendeu a ciência sólida em face da hostilidade. Ele agiu para proteger o bem-estar do povo brasileiro e da imensa maravilha natural que é a floresta amazônica, um patrimônio mundial”.
Em nota, o pesquisador e professor declarou: “Estou profundamente grato à American Association for the Advancement of Science por me conceder o Prêmio de Liberdade Científica e Responsabilidade“.
E dedicou o prêmio a cientistas de países amazônicos que também têm enfrentado governantes autoritários e destruidores. “Como latino-americano, receber este prêmio é bastante significativo não só para mim, mas também para muitos outros companheiros cientistas que, em diversas ocasiões, reagiram bravamente a políticas negacionistas de poderosos líderes político em relação à preservação da floresta amazônica. Muito obrigado!”.
Consulte o site da Associação Americana para o Avanço da Ciência para saber quais são os agraciados nas demais categorias do Prêmio AAAS 2021.
Entre eles está o Dr. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas desde 1984, especialista em VIH e imunoregulação. Até hoje, aconselhou sete presidentes americanos sobre crises de saúde pública. Foi espezinhado por Trump no combate à COVID-19 e, agora, atua como consultor médico chefe de Joe Biden.
Fauci foi nomeado o vencedor do Prêmio Philip Hauge Abelson de 2021, concedido desde 1985 pela Associação Americana para o Avanço da Ciência a um cientista ou servidor público que tenha contribuído significativamente para o avanço da ciência nos Estados Unidos.
O prêmio foi criado em homenagem a Abelson, que, durante uma carreira de 60 anos nas ciências, serviu como editor da revista Science e foi conselheiro da AAAS.
Fonte: Conexão Planeta
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