A partir de 2022, deve entrar em operação o Biobanco da Amazônia, banco de dados que pretende armazenar o sequenciamento genômico de várias espécies da floresta. O objetivo é explorar a biodiversidade da região amazônica, representada pelo genoma de espécies da região como plantas, fungos, insetos e bactérias. A iniciativa faz parte do Projeto Amazônia 4.0, desenvolvido pelos irmãos Ismael e Carlos Nobre e terá uma arquitetura técnica desenvolvida por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) liderados pelo membro do IEEE (Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos), e professor da Escola Politécnica da USP, Marcos Simplício. A coleta de dados será realizada pelos próprios caboclos amazônicos e, no futuro, o material poderá ser adquirido pela indústria farmacêutica, cosmética e alimentícia.
“Para isso, prevê-se que habitantes da região sejam munidos de dispositivos portáteis de extração de DNA. Assim, em parceria com ONGs e universidades, a população local ficaria responsável pela extração do DNA de espécies da região, além de eventualmente compartilhar conhecimento tradicional sobre essas espécies”, revelou Marcos Simplício ao Jornal do Commercio.
Como os dados de DNA bruto extraídos dessa forma costumam ser bastante volumosos e precisam ser processados para obter sequências de DNA de fato úteis para fins de pesquisa e inovação, é também previsto o uso de tecnologias colaborativas para seu armazenamento, distribuição e processamento. Toda contribuição para o Biobanco será então registrada de forma transparente à pessoa ou grupo responsável por tal contribuição, usando um sistema de armazenamento baseado em Blockchain.
“Sempre que alguma entidade interessada realizar a compra desses dados, o valor da compra seria compartilhado entre os usuários que contribuíram para o sistema, incluindo os coletores dos dados e aqueles que auxiliaram no seu processamento, armazenamento e distribuição”, afirmou.
Benefício social
Quando se fala em fazer algum trabalho na Amazônia, é sempre bom lembrar que a região possui uma área de 5.500 km2, ou seja, não tem como atingi-la de uma vez, por completo. Num primeiro momento, o alvo do Amazônia 4.0 deve ser a região que seja mais acessível para a extração de dados, áreas da Amazônia brasileira que tenham comunidades já estabelecidas, com a presença de ONGs, universidades e institutos de pesquisa.
“À medida que se tenha sucesso nessa empreitada, pode-se pensar na realização de missões de coleta de dados em regiões menos acessíveis, e mesmo em parcerias com os países vizinhos para cobrir regiões da Amazônia fora do território brasileiro”, esclareceu.
Conforme os dados do Biobanco forem ganhando corpo, espera-se que sejam de grande interesse não apenas para fins acadêmicos, mas também para a indústria de biotecnologia. Nesse cenário, têm interesse especial os arquivos de DNA que venham acompanhados de potenciais aplicações, que podem então ser avaliadas mais a fundo para se determinar se de fato elas são reais. Um benefício social importante, que se espera do projeto, é exatamente uma maior valorização dos conhecimentos de populações locais. Afinal, não são incomuns histórias de expedições estrangeiras que visitaram a Amazônia e se apoderaram de conhecimento local para benefício próprio, sem qualquer retorno para os reais detentores desse conhecimento.
Ganha a sociedade
Dados da WWF (World Wide Fund for Nature) mostram que a floresta amazônica abriga 2.500 espécies de árvores (um terço da madeira tropical do planeta) e 30 mil das 100 mil espécies de plantas que existem em toda a América Latina, portanto, o trabalho do Amazônia 4.0 será hercúleo, e deverá acontecer por muitos anos.
“Porém, o objetivo primordial do projeto não é necessariamente mapear todas as espécies da Amazônia, embora isso possa vir a acontecer à medida que o projeto cresça e tenha sucesso”, disse.
Mais importante do que de fato conseguir mapear a Amazônia inteira, segundo Marcos, é permitir que ela permaneça como um dos ambientes mais ricos em biodiversidade do mundo, o que só é possível através de sua exploração de forma sustentável; dar as condições necessárias para que as populações locais vejam essa preservação como algo importante, não apenas por uma consciência ambiental, mas também ao perceber que existe um retorno financeiro ao fazê-lo; e trazer benefícios práticos para a humanidade, por meio de ciência e tecnologia, aproveitando-se do grande número de espécies de uso comum por populações locais, mas não necessariamente estudadas o suficiente para se saber todo o seu potencial, e também das várias espécies ainda a serem descobertas.
A fonte principal de financiamento nesta fase inicial do projeto, são as verbas de pesquisa científica da University Blockchain Research Initiative, da empresa americana Ripple, que conta com mais de 40 universidades no mundo (no Brasil, USP e FGV), que se dá na forma de doação de valores para que universidades proponham projetos envolvendo Blockchain e tecnologias correlatas.
“Acreditamos que o Biobanco da Amazônia seja um exemplo de como a pesquisa científica pode ajudar a transformar a sociedade. Quem tem a ganhar não é apenas a ciência, mas também a própria iniciativa privada e a sociedade como um todo”, finalizou.
Fonte: Jornal do Commercio – JCAM
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