A presença de onças-pintadas já foi apontada como um “termômetro” para medir o nível de preservação de áreas de floresta primária na Amazônia. Onde havia onças, havia biodiversidade suficiente para manter a cadeia alimentar do maior felino da região, ou seja, havia a garantia de manutenção da flora, da fauna e dos rios e das nascentes.
Mas um estudo de pesquisadores da UFPA (Universidade Federal do Pará) que vêm monitorando grandes felinos ao longo dos últimos seis anos na região de Paragominas, no nordeste paraense -área extremamente degradada pelo desmatamento para a pecuária, exploração madeireira, grandes monoculturas, mineração legal e garimpos ilegais- revelou que as onças estão se adaptando à degradação do seu habitat e podem estar deixando de ser um parâmetro para o nível de preservação de um território.
É que, por estarem no topo da cadeia alimentar, a presença de onças pressupunha a existência de presas menores. Mas isso está mudando.
“Não podemos mais afirmar que onde tem onça ainda há áreas preservadas. O monitoramento mostra que elas estão mudando hábitos para se adaptarem ao impacto humano e estão sobrevivendo também em áreas degradadas”, explicou a bióloga Ana Cristina Mendes de Oliveira, coordenadora do projeto.
De acordo com ela, o objetivo da pesquisa é contribuir com a formulação de políticas públicas para o manejo e a preservação da espécie em áreas degradadas ou que sofreram impacto ambiental por grandes empreendimentos, como mineração, pecuária, extração madeireira e grandes monoculturas.
“A ideia é que, ao final, possamos fornecer dados para subsidiar um plano de manejo para contribuir com a correlação com as atividades produtivas da região, como a soja, o gado, a extração de madeira e a mineração, de forma que a gente consiga garantir a conservação da fauna, por meio da proteção ao habitat dela”, contou Oliveira, que é professora titular da UFPA e trabalha com mamíferos amazônicos há 23 anos.
Os dados devem apontar as melhores estratégias para garantir a proteção das onças, como a criação de corredores interligando fragmentos florestais e a criação de reservas da fauna, explicou Oliveira. Mas primeiro é preciso conhecer -e compreender- o comportamento desses animais, lembra a pesquisadora.
“Precisamos saber se eles ficam apenas na floresta, se estão indo a fazendas, onde buscam recursos. Enfim, como estão sobrevivendo em uma área onde a paisagem está mudando muito rápido. Não sabemos quando essa paisagem pode entrar em colapso, e conhecer essa dinâmica é fundamental para saber o que fazer para preservar essas populações (de onças)”, explicou.
Para isso, os pesquisadores passaram a monitorar as onças de uma região no entorno da jazida de bauxita explorada desde 2007 pela empresa de capital norueguês Mineração Paragominas, por meio de armadilhas fotográficas e rádio colares, que mandam sinais de GPS para o centro de pesquisa a cada uma hora e meia.
Os trabalhos de pesquisa começaram em 2013, com a criação do Consórcio de Pesquisa em Biodiversidade Brasil-Noruega, com pesquisadores da UFPA, do Museu Goeldi, da UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia) e da Universidade de Oslo, na Noruega.
Em 2014 os pesquisadores começaram a monitorar as onças por meio de 67 armadilhas fotográficas espalhadas por uma área de 19 mil quilômetros quadrados, que identificou 19 indivíduos em seis anos de observação, uma densidade de um animal por mil km².
“A partir desses registros, a primeira etapa era capturar exemplares para que pudéssemos monitorar seus deslocamentos por meio de um rádio colar”, explicou.
“Depois que temos todos os dados de GPS, fazemos um mapeamento de sua rota, tipo de habitat, distância do rio, estradas e centros urbanos, para entender como ele está usando essa área degradada, por onde ela está andando e por quê”, disse a pesquisadora.
Segundo Oliveira, o projeto deve incluir o monitoramento de mais sete onças ao longo dos próximos três anos, mas os resultados do acompanhamento do primeiro felino monitorado já revelam dados alarmantes.
“A velocidade da degradação provocada pela mineração é muito alta e a velocidade de recuperação da floresta é muito baixa. A gente acredita que vai chegar num ponto em que vamos concluir que as áreas de proteção para os projetos de mineração na Amazônia precisarão ser ainda maiores”, apontou a bióloga.
Depois da pecuária, a mineração é uma das atividades com maior potencial de degradação na região amazônica, aponta o WWF Brasil no relatório Mineração na Amazônia Legal e Áreas Protegidas, publicado em novembro de 2019.
Para a instituição, um dos maiores problemas da mineração na Amazônia, tanto a legalizada quanto o garimpo ilegal, é a falta de fiscalização dos órgãos competentes, que no primeiro caso deveriam garantir o emprego de práticas sustentáveis e, no segundo, coibir totalmente a atividade.
Atualmente, de acordo com a legislação brasileira, os empreendimentos de exploração mineral, além de precisarem de licença ambiental, também são obrigados a recuperarem a área degradada integralmente.
Na região de Paragominas, onde é realizado o monitoramento das onças, a Mineração Paragominas, que pertence à norueguesa Norsk Hydro, tem concessão para a exploração de uma jazida de bauxita, matéria prima do alumínio, que produz anualmente mais de 11 milhões de minérios. O projeto de monitoramento das onças do consórcio abrange justamente a área de impacto do empreendimento dessa fábrica.
A empresa é uma das financiadoras do projeto. A ideia, segundo o diretor industrial da Mineração Paragominas, Evilmar Fonseca, é dar transparência às atividades desenvolvidas pela empresa na região e adotar práticas mais sustentáveis.
“Quando a gente apoia pesquisas de instituições independentes e renomadas como a UFPA, a UFRA e a Universidade de Oslo, significa que a gente quer ser transparente para mostrar que é possível fazer mineração sustentável e responsável.”
Fonte: Amazonas Atual
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