Rodrigo Hübner Mendes
Visando introduzir soluções para o desafio de aumentar a qualidade e a equidade da educação, na última semana foi lançada a publicação “A educação no Brasil: uma perspectiva internacional“, elaborada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a pedido do Todos Pela Educação (TPE) e do Instituto Sonho Grande. A pesquisa apresenta uma análise do desempenho do sistema educacional brasileiro comparado a outros países.
Dentre as principais mensagens transmitidas pelo documento, merece destaque a constatação de que o Brasil teve avanços significativos nas últimas três décadas, no sentido de reparar uma dívida histórica em relação à educação pública. No entanto, para superarmos os profundos impactos da pandemia, será necessário um gigantesco esforço. Isso passa pelo enfrentamento dos desafios decorrentes de nossa deletéria desigualdade. A pesquisa salienta 10 passos prioritários para que viabilizemos a desejada melhoria da educação:
1. Proteger os gastos com educação e vinculá-los aos resultados: o financiamento da educação deve diminuir a ênfase em exigências mínimas de gastos. Em vez disso, deveria haver mais flexibilidade em relação ao modo como o dinheiro é investido, com ênfase nos resultados educacionais alcançados e fazendo com que as autoridades educacionais em diferentes esferas de governo justifiquem os gastos de acordo com tais resultados.
2. Reavaliar as prioridades de gastos com educação: no médio prazo, os principais atores educacionais precisam reavaliar as prioridades, garantindo que os limitados recursos financeiros sejam usados onde mais contribuem para a qualidade e a equidade do sistema educacional. Poderiam ser feitas economias por meio da redução da prática onerosa de reprovar os alunos e por meio da introdução de arranjos de divisão de custos mais abrangentes na Ensino Superior, incluindo o pagamento de taxas para aqueles de origens mais ricas ou programas de serviço social obrigatório. Os gastos públicos, por sua vez, devem ser realocados para as áreas e intervenções que geram os maiores retornos, como a expansão do Educação Infantil para aqueles de nível socioeconômico mais baixo.
3. Oferecer apoio imediato para mitigar o impacto da pandemia: uma prioridade urgente para o sistema educacional brasileiro é fornecer apoio técnico e financeiro às escolas, outras instituições de ensino e aos alunos para facilitar um retorno efetivo ao ensino presencial e permitir a recuperação da aprendizagem. Essas medidas precisarão dar atenção especial aos alunos em situação de maior vulnerabilidade social, pois, muitas vezes, eles não terão os recursos online e o apoio familiar necessários para sustentar a aprendizagem durante o fechamento das escolas ou modelos de aprendizagem híbrida. O monitoramento e a avaliação contínuos serão essenciais para garantir que o apoio e os recursos fornecidos sejam eficazes na superação dos problemas que surgiram da crise da covid-19 e para limitar o desvio de recursos.
4. Desenvolver a profissão docente: para elevar a qualidade da educação, a profissão docente precisa ser aprimorada. Isso significa garantir que a docência seja suficientemente recompensadora, em termos de salário inicial, progressão na carreira e condições de trabalho, de modo a atrair candidatos capazes. O recrutamento de candidatos a professores deve ser mais seletivo para garantir que apenas aqueles com os conhecimentos, habilidades e atitudes necessários ingressem na profissão e ajudem a elevar o status da carreira. Os professores iniciantes devem passar em um teste para obter licença e participar de um programa de indução sistemática em seus primeiros anos de docência. Um processo estruturado de avaliação, com base em padrões comuns, pode ajudar a alimentar o desenvolvimento e o avanço na carreira docente. O Brasil também pode aprender com iniciativas locais eficazes para fortalecer a qualidade do ensino. Alguns exemplos são os programas implantados nos Estados do Ceará, Goiás e Pernambuco.
5. Aprimorar as práticas de ensino: para fins de desenvolvimento profissional, a aprendizagem colaborativa deve ser facilitada, incluindo arranjos sistemáticos para permitir que os professores observem e sejam observados em sala de aula e dêem e recebam feedback. Tanto a formação inicial de professores quanto o desenvolvimento profissional devem dar maior atenção às habilidades pedagógicas e, em particular, ao ensino adaptado às necessidades individuais e à gestão da sala de aula, de modo que os professores estejam preparados para as turmas mais diversas que surgirão quando as reprovações forem reduzidas e o acesso for ampliado.
6. Superar os desafios no clima escolar: com base nos esforços existentes, as escolas brasileiras devem desenvolver políticas explícitas para melhorar o clima escolar, com atenção especial ao bem-estar social e emocional dos alunos. Primeiro, essas políticas devem abordar os desafios associados à crise da covid-19. No longo prazo, são necessárias medidas não apenas para lidar com o bullying e a violência nas escolas, mas também com o foco na construção de relações positivas entre os atores escolares e na promoção de uma maior coesão escolar, especialmente nas escolas públicas. Essa abordagem pode ajudar a melhorar o bem-estar, trazer melhores resultados de aprendizagem e reduzir o risco de evasão entre alunos e professores.
7. Desenvolver uma gestão escolar profissional: os atuais gestores escolares do Brasil têm, em comparação com outros países, baixos níveis de formação para a função. Os programas de treinamento desses profissionais devem abranger não apenas a administração escolar, mas também devem enfocar a liderança pedagógica na prática, dando ênfase ao trabalho em colaboração com os professores para oferecer excelência educacional.
8. Aumentar a relevância da educação para os alunos: as reformas educacionais atuais, incluindo a do Ensino Médio, têm como um de seus objetivos aumentar a motivação, o engajamento e o sucesso dos alunos fora da escola. Reformas como essa têm muitos tipos de repercussões, e nem todas podem ser facilmente previstas. Nesse sentido, será importante monitorar de perto seu impacto. Uma opção seria desenvolver programas em nível local, em colaboração com empregadores, para responder ao seu engajamento e demanda pelas habilidades envolvidas. O desenvolvimento de itinerários profissionais também pode ser alimentado por uma vasta experiência internacional.
9. Intervir desde cedo para apoiar os alunos em risco: a maneira mais eficaz de promover o sucesso de todos na escola é por meio da intervenção precoce e de uma educação sólida, oferecendo maior apoio aos alunos e às escolas socialmente mais vulneráveis. O combate à evasão escolar requer medidas que auxiliem as diferentes partes interessadas dos diversos níveis. Em primeiro lugar, os professores precisam dar atenção suficiente aos alunos com desempenho mais fraco e mais desmotivados para garantir seu engajamento contínuo. Isso requer uma abordagem individualizada de ensino. Em segundo lugar, os alunos em risco requerem incentivos adicionais e sistemas de apoio para poderem continuar os estudos. Terceiro, as instituições precisam de políticas explícitas para combater a evasão, apoiadas por incentivos financeiros e uma estrutura na qual possam compartilhar as melhores práticas. Quarto, o forte envolvimento da comunidade fora da escola pode ajudar a alcançar os alunos que já evadiram.
10. Direcionar recursos para onde eles são mais necessários: um elemento central da equidade é a redistribuição dos recursos para escolas com maiores necessidades. Isso significa aproveitar a experiência bem-sucedida do Fundeb. Os mecanismos de alocação de recursos nas esferas municipal, estadual e federal devem priorizar a equidade e apoiar os alunos, as escolas e as localidades mais vulneráveis. A promoção de uma educação de qualidade tem relação direta com a superação da recessão econômica e o desenvolvimento do país. A iniciativa do TPE em realizar este estudo em parceria com a OCDE é uma fonte de referências que pode apoiar os gestores públicos na definição de suas agendas. Apesar de certas informações apresentadas parecerem óbvias ou já conhecidas, seguem sendo negligenciadas. A consequência é uma destrutiva miopia na escala de prioridades de nossas políticas públicas.
Fonte: Ecoa Uol
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