A Amazônia Ocidental detém 42,97% da extensão territorial da Amazônia Legal e comporta 57% das florestas da região, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Essa é a parte mais preservada da Amazônia, além de representar um estoque de biodiversidade ainda não mensurado. Os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima compõem o território.
A imensidão de fauna e flora, ainda não suficientemente exploradas e nem estudadas, divide especialistas quanto à exploração dos recursos naturais, manutenção da preservação ambiental e implementação de programas sociais. O isolamento do resto do país, as problemáticas sobre demarcação de território indígena e as ações extrativistas locais negligenciadas são questões cruciais.
“Não há ação”, diz o engenheiro de transporte Augusto Barreto Rocha, ao citar a falta de práticas para o desenvolvimento sustentável na Amazônia. “O que nos impede de avançar é que não há uma discussão que envolva os atores locais sobre o que é melhor para a região”.
Em artigo no ATUAL, publicado em setembro, ele questiona a estagnação de discussões sobre garimpo, estrada, floresta, povos indígenas e meio ambiente. Barreto questiona, principalmente, a exclusão dos próprios amazônidas nos debates sobre a Amazônia.
“Decide-se em Brasília, em São Paulo e até em Nova York (nos EUA) e em Paris (na França), todo mundo discute Amazônia e toma decisões sobre ela, menos as pessoas que moram aqui, pessoas de Manaus, Boa Vista, Porto Velho ou Belém”, critica.
Em busca de respostas para o problema do “espiral do passado”, como intitula o articulista, a reportagem ouviu cientistas e empresários sobre o que impede que a região se desenvolva de forma sustentável.
Desenvolvimento x crescimento
Conforme Barreto, desenvolvimento sustentável é diferente de crescimento econômico porque não implica apenas a geração de riquezas. É sobre maximizar o bem-estar social, ampliar o fornecimento de energia e garantir acesso à educação e à moradia.
Sob esses pilares, os 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) foram criados em 2012 na Conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro, a Rio+20. Eles existem para que as atividades humanas não esgotem os recursos naturais.
Após a conferência, ficou definido que os países desenvolvidos devem mudar seu padrão de produção; os países em desenvolvimento devem adotar métodos mais sustentáveis para o crescimento econômico e as nações industrializadas devem apoiar o crescimento das mais pobres com recursos financeiros e tecnológicos.
Escoamento e qualificação
Nesse conceito, atividades econômicas devem conciliar a exploração comercial com a manutenção das fontes naturais de matéria-prima. No Amazonas, a indústria de cosméticos já caminha nesse sentido ao buscar óleos vegetais, seja de andiroba ou de castanha. A logística para abastecer as fábricas, porém, é uma barreira para que se escoe esses produtos.
“Produtores locais não conseguem fechar contratos de fornecimentos com empresas por conta disso”, diz Olinda Canhoto, engenheira biotecnológica. A falta de vias para que se transporte as sementes e o óleo do interior do estado para as capitais, de modo que possam ser escoados para o sul do país, é um obstáculo.
A BR-319 (Manaus – Porto Velho) é a única rodovia amazônica que teve um projeto concluído em 1976. Doze anos depois, em 1988, sua estrutura começou a apresentar problemas como erosões no asfalto devido à “invasão” da floresta na via e a infiltração de água.
A estrada é trafegável apenas nos extremos, nas cidades de Manaus e em Porto Velho (RO), mas no meio o percurso é impossível para carros de pequeno porte. Ônibus, caminhões e picapes precisam ser puxados por tratores para vencer atoleiros.
No dia 24 de setembro deste ano um trecho no quilômetro 18 da BR-319 foi interditado após a formação de fissuras no asfalto que partiram a pista ao meio. O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) informou que o problema surgiu em decorrência de fortes chuvas e que trabalha para reestruturar a rodovia. De forma recorrente, problemas como esse surgem frequentemente.
Olinda explica que outro obstáculo é a escassez de aprimoramento desses ingredientes, pois falta “qualificação”. É que os ingredientes precisam ter certificado de qualidade, mas aqui, no Amazonas, “não possuem nem um laudo de rastreabilidade. O ingrediente sai com metade do valor que poderia ter”.
A solução, segundo a especialista, seria os cientistas trabalharem ao lado de produtores locais de modo a “capacitá-los” para que possam “agregar mais valor à sua produção regional”.
“A gente pode mostrar que um óleo pode ter qualidade superior se você secar a semente com determinado padrão. A gente transmitir o que é essa ‘qualidade’ e seus parâmetros facilita para que as empresas adiram à mercadoria. As empresas precisam saber desses parâmetros quando vão comprar um produto”, explica.
Em termos de ODS, Olinda afirma que o uso da terra está “um pouco” comprometido devido ao desmatamento na região, mas que há algumas normas que podem ajudar, como a lei – sancionada em janeiro deste ano – que regulamenta pagamentos por serviços ambientais. “São soluções que levariam riquezas para esses produtores sem desmatar”, disse.
Mercado
Falta mercado qualificado para incluir esses ingredientes amazônicos na indústria. Há estudos, pesquisas e protótipos, mas “a indústria não está aqui” [no estado]. “Nós não temos ainda para quem transferir essa tecnologia”, diz Fábio Calderaro, gestor do CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia). “Todo o trabalho que é desenvolvido aqui é inócuo se nós não tivermos a indústria aqui do lado”, complementa.
O 46 pesquisadores do CBA são responsáveis por desenvolver tecnologias voltadas à biodiversidade com o intuito de implantá-las na indústria brasileira. Os 26 projetos em andamento são fomentados por um orçamento de R$ 2,5 milhões. O CBA é uma instituição subordinada à Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus).
Apesar da existência do Polo Industrial de Manaus, Calderaro contesta a falta de incentivos para que se atraia uma “cadeia produtiva” qualificada para a região. “Não conseguimos transformar nossas riquezas em vantagem tangível”, disse, porque “nós temos que buscar um vetor econômico que vai encadear essa cadeia produtiva para trás”, ou seja, fazer com que o investidor retorne à região em busca de mais matéria-prima. “Esse vetor é a bioeconomia”.
Apesar das empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus, Calderaro afirma que falta adesão à biotecnologia.
“É um Polo Industrial já colocado, de 54 anos, que nos diferencia de outros países pan-amazônicos”, diz o gestor, mas que, apesar disso, “temos feito visitas semanais às empresas e convidado para que venham aqui e vislumbrem as possibilidades de colocar insumos da Amazônia em seus produtos e encadear essa produção”.
Fábio Calderaro afirma que falta uma participação mais efetive das autoridades (união, estados e municípios) para promover esse desenvolvimento.
Segundo ele, uma forma de atrair os olhares de empresários de ramos em potencial seria aumentar os incentivos e a segurança jurídica na região. “Senão, essa bioeconomia vai ficar muito simbólica, na nossa esperança, e pouco representativa na nossa realidade”.
Em meados da década de 1980, a indústria correspondia a 32% do PIB (Produto Interno Bruto), atualmente contribui com apenas 9%. Esse decréscimo se justifica porque “a gente perdeu tecido produtivo, a gente virou exportador de grãos”, diz Calderaro.
“O trabalho de um instituto é ter os ganhos de escopo (criar novas tecnologias). A escala comercial quem dá é o setor privado, mas se ele não está aqui, para quem transferimos?”, questiona.
“Chega a ser inocente achar que a gente vai desenvolver exportando açaí, tucumã, pirarurucu. A gente tem que adicionar valor [aos produtos da região] e atrair as empresas para cá”. Trazer empresas que tenham “cadeias de valor”, com “mercado feito”, vai fazer com que as empresas locais “se pluguem nesses mercados e se tornem não um parasita”, mas uma “hóspede” da empresa maior. Só assim, a empresa local vai passar a se conectar com a cadeia de valor.
“Se nós não atrairmos a indústria com setores de atividades econômicas corretas para cá, não vai adiantar. Então, mais importante que os institutos tecnológicos, que são importantes também, mas são o meio, o fim é para quem se transfere a tecnologia”, ou seja, as indústrias.
Fonte: Amazonas Atual
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