Municípios na Amazônia com alta incidência de doenças como malária, dengue e leishmaniose têm também intensa atividade agrícola em área de desmatamento. É o que mostra estudo de 15 pesquisadores brasileiros na revista Frontiers in Public Health na terça-feira (13). O estudo “Epidemiologia, biodiversidade e trajetórias tecnológicas na Amazônia brasileira: da malária ao Covid-19” associa a dispersão de doenças na Amazônia ao desenvolvimento de atividades agrícolas e à perda de biodiversidade.
A malária prevalece em municípios com perfil agroextrativista e com cobertura florestal, ou seja, metade do território amazônico. A dengue e chikungunya ocorrem com mais frequência em municípios de expansão urbana recente, como no limite sul da Amazônia em transição para o Cerrado.
A leishmaniose cutânea prevalece em municípios com grandes rebanhos onde há maiores taxas de desmatamento e perda de biodiversidade. Já a Covid-19 se espalhou com facilidade em todos municípios, pois relaciona-se com o tráfego de pessoas.
Para os especialistas, são todas doenças tropicais negligenciadas e predominantes na Amazônia e indicam vulnerabilidade social e ambiental, incluindo pobreza, saneamento básico e falta de abastecimento de água potável, sobretudo comunidades rurais e florestais.
O trabalho é assinado pelos pesquisadores do projeto Trajetórias, do Centro de Síntese em Biodiversidade do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) Claudia Codeço, Ana Dal’Asta, Ana Rorato, Raquel Lana, Tatiana Neves, Cecilia Andreazzi, Milton Barbosa, Maria Escada, Danilo Fernandes, Danuzia Rodrigues, Izabel Reis, Monica Silva-Nunes, Alexandre Gontijo, Flavio Coelho e Antonio Monteiro. Os especialistas são cientistas sociais, naturais, da computação, da saúde e economia.
De acordo com a pesquisa, desde 2012, após a menor taxa de desmatamento observada em três décadas, foi identificada forte tendência de aumento nos índices de desmatamento na Amazônia Legal, atingindo 11.088 quilômetros quadrados em 2020. “Essa supressão florestal é impulsionada principalmente pela demanda de terras para a implantação e expansão de novas áreas de pastagem”, dizem os pesquisadores.
O estudo cita que a economia rural da Amazônia Legal em 2018 era de cerca de R$ 65 bilhões, correspondendo a 12% do PIB (Produto Interno Bruto) total da região.
Os pesquisadores alertam que esse desmatamento leva a vários efeitos negativos sobre o ecossistema da floresta, como perda de biodiversidade, qualidade do solo e da água e aumento da abundância de reservatórios de doenças e vetores em contato com as comunidades humanas.
“Em 2020, a vulnerabilidade da região amazônica às doenças transmitidas diretamente ficou evidente durante a epidemia de Covid-19”, afirmam os estudiosos. “Essa doença exacerbou o hiato de desigualdade e trouxe à luz as precariedades regionais, principalmente associadas à distribuição desigual do acesso a bens de consumo coletivo, saneamento e serviços básicos de saúde, impactando diretamente nas condições de vida da população amazônica”.
Os pesquisadores consideram que para manter a floresta é preciso considerar que epidemiologia, economia e ecossistema estão interligados no bioma da Amazônia, afetando a biodiversidade e o bem-estar das populações locais. “São fundamentais as avaliações de como o estado desse sistema complexo adaptativo é afetado pelas trajetórias de desenvolvimento econômico, em particular, aquelas relacionadas à economia agrária local, que constitui uma das principais forças motrizes do futuro da região”.
Com o objetivo de integrar abordagens da economia, epidemiologia e de biodiversidade, os autores do estudo identificaram duas perspectivas principais de se relacionar com a terra e que se subdividem.
O primeiro conjunto de práticas, chamadas de “trajetórias tecnoprodutivas”, se enquadram no modelo agropecuário, associado à intensa mudança da paisagem e causador de grande perda da floresta. O segundo conjunto de trajetórias é relacionado ao modelo agroextrativista que se baseia no acúmulo de conhecimento local e na histórica adaptação ao bioma, descrevendo a realidade rural a partir de referências históricas e de ocupação da terra.
As trajetórias agroextrativistas são dominantes em metade do território Amazônico e estão concentradas em áreas cobertas por floresta contínua, nas quais a malária é uma doença importante e causa de grande mortalidade.
A criação de gado e plantio de grãos, por outro lado, tem associação com altas taxas de desmatamento e têm se tornado trajetórias dominantes nos últimos anos. Essas trajetórias agropecuárias estão associadas com grande perda de biodiversidade e o aumento das doenças tropicais negligenciadas, como a leishmaniose, doença de Chagas e aquelas relacionadas à transmissão pelo mosquito Aedes.
Os autores afirmam ser importante considerar a ligação da preservação do ecossistema e as estratégias e políticas implantadas para desenvolver as economias locais e regionais.
“Testar e validar ou adaptar esses índices às realidades locais e conceber novas metodologias para integrá-los adequadamente às dimensões econômica e de saúde é uma tarefa urgente. Compreender o papel da biodiversidade na regulação dos serviços ecossistêmicos é fundamental para reconstruir as barreiras relativas à transferência de doenças de animais para humanos em ambientes degradados”, concluem.
Fonte: Amazonas Atual
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