Uma conquista para o Amazonas e para os povos indígenas de todo o país aconteceu no final do mês passado quando o Masp (Museu de Arte de São Paulo) recebeu para o seu acervo a obra ‘Nepu Arquepu’, da indígena tukano Duhigó.
“Duhigó é a sétima artista amazonense a compor o panteão de artistas visuais do seletíssimo acervo do Masp. Antes dela vieram a primeira mulher amazonense no acervo, Branca Coutinho de Oliveira, de Parintins, e um time masculino composto por Manoel Santiago, Moacir Andrade e Sebastião Barbosa, manauenses; Hélio Melo, de Boca do Acre; e o primeiro indígena amazonense, Denilson Baniwa, de Barcelos”, informou Carlysson Sena, diretor da Manaus Amazônia Galeria de Arte, representante de Duhigó e um dos responsáveis pelo quadro da artista passar a ser exposto numa das paredes de um dos mais conceituados museus do país e do mundo.
Duhigó Tukano (seu nome significa primogênita, em tukano) nasceu na aldeia Paricachoeira, em São Gabriel da Cachoeira, filha de pai tukano e mãe dessana, povos que habitam aquela região do alto rio Negro.
Em 1995, Duhigó veio morar em Manaus e, dez anos depois, em 2005, concluiu o curso de pintura na Escola de Arte do Instituto Dirson Costa de Arte e Cultura da Amazônia, tornando-se uma profissional nas artes.
“Há cinco anos, desde que inauguramos a Manaus Amazônia Galeria de Arte, ela passou a ser agenciada por nós, e estamos fazendo esse trabalho de projetar seu trabalho no cenário tanto nacional quanto internacional. Com isso ela vem conquistando admiradores de sua arte no Brasil e no exterior”, falou Carlysson.
Compraram e doaram
Nesses 16 anos de carreira artística, Duhigó atingiu uma vasta produção de obras de arte inspiradas, principalmente, na cultura indígena e nas memórias da convivência em sua aldeia, entre seu povo, atingindo um lugar de destaque na história da arte amazonense e brasileira, agora, ao se tornar a primeira mulher indígena amazonense a compor o acervo do Masp.
Uma história interessante sobre a ida do quadro de Duhigó para o Masp, é que o museu, privado e sem fins lucrativos, não compra nenhuma das obras que compõem seu acervo, sendo todas frutos de doações.
“Então articulamos junto ao casal paulista de colecionadores de obras de arte, Mônica e Fábio Ulhoa Coelho, para que adquirissem o quadro e o doassem para o museu, o que prontamente eles fizeram, permitindo que, desde 27 de agosto, o quadro esteja em exibição na mostra ‘Acervo em transformação – doações recentes’, que ficará em cartaz até fevereiro de 2022”, contou.
Carlysson lembrou ser relevante a conquista de Duhigó por vários motivos, primeiro por ser a obra de uma mulher e o próprio Masp ter poucas mulheres artistas em seu acervo; segundo pelo fato dela ser indígena.
“Há uns três anos, museus de todo o país passaram a mostrar grande interesse em ter obras de artistas indígenas em seus acervos. Duhigó agora integra esse grupo de artistas junto aos demais indígenas do país. O terceiro motivo relevante é o valor histórico da obra. Nos seus quadros, Duhigó narra a história de seu povo”, destacou.
Memória afetiva
‘Nepu Arquepu’ significa ‘rede macaco’, em tukano. Foi pintado, em Manaus, em 2019, no tamanho 185,5 x 275,5, em tinta acrílica sobre madeira. A pintura mostra uma cena da memória afetiva da artista: um ritual de nascimento de um bebê do povo tukano, no interior de uma maloca. A cena vai desde o momento do parto até o descanso da mãe na rede macaco, onde recebe os cuidados dos parentes próximos e do pajé.
“A obra já é conhecida dos brasileiros que ‘se alimentam’ de arte, pois participou da exposição itinerante ‘VaiVem’, nos Centros Culturais Banco do Brasil de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte entre os anos de 2019 e 2020, com curadoria de Raphael Fonseca”, lembrou.
Agora, na mostra ‘Acervo em transformação – doações recentes’, a curadoria é de Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, e Amanda Carneiro, curadora assistente na instituição. A mostra reúne treze obras de artistas incorporadas à coleção do museu entre 2020 e 2021 e expressa o trabalho contínuo que tem sido feito com o objetivo de fortalecer a presença feminina no acervo.
“Junto a outros artistas indígenas, o trabalho de Duhigó permite que o público visitante do museu se aproxime da variedade, amplitude e complexidade de saberes materiais e imateriais, filosofias e visualidades dessa produção tão rica”, afirmou Amanda.
“Eu nem podia imaginar que isso poderia acontecer da forma que está acontecendo, uma obra de arte inspirada por mim chegar a um lugar tão importante. Sei que nem todos gostam das obras indígenas, mas sei que tem muita gente que gosta e está passando a gostar a partir do meu trabalho”, concluiu Duhigó.
O Masp possui atualmente onze mil peças artísticas e é o mais importante museu do Hemisfério Sul.
Fonte: Jornal do Commercio
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