- Um novo estudo indica que o orangotango-de-tapanuli, que já é a espécie de grande primata mais ameaçada do mundo, enfrenta um risco de extinção muito maior do que se pensava anteriormente.
- O estudo estima que os orangotangos hoje ocupam apenas 2,5% de sua distribuição histórica e atribui isso à perda de habitat e à caça.
- Essas ameaças persistem atualmente e são agravadas por projetos de mineração e infraestrutura dentro do último habitat conhecido do orangotango-de-tapanuli no norte de Sumatra.
- Nas taxas atuais em que seu habitat está sendo perdido e em que o primata está sendo caçado, a extinção do orangotango-de-tapanuli é inevitável, dizem os pesquisadores.
Jakarta, Indonésia — Onrizal Onrizal se lembra de ter ouvido histórias de criaturas semelhantes a humanos que viviam na floresta quando ele era criança em Sungai Dareh, uma cidade no oeste de Sumatra, na Indonésia. Diz a lenda que as criaturas, chamadas de orang pendek, ou “gente baixa”, pelos habitantes locais, desapareceram da floresta na década de 1970.
Hoje, Onrizal é um pesquisador florestal na Universidade Sumatra do Norte, onde estuda a biodiversidade de sua ilha nativa, incluindo os orangotangos, que provavelmente inspiraram as histórias dos orang pendek. E embora as histórias possam ser apenas histórias, há um elemento de verdade nelas: as criaturas estão, de fato, desaparecendo da floresta.
Em seu último estudo, publicado este mês na revista científica PLOS ONE, Onrizal e outros pesquisadores vasculharam o registro histórico em busca de referências ao orangotango-de-tapanuli (Pongo tapanuliensis), a última espécie de orangotango descrita pela ciência e também o grande primata mais ameaçado do mundo. Hoje, sabe-se que menos de 800 orangotangos habitam um único local, a floresta Batang Toru, no norte da Sumatra.
Seu habitat atual possivelmente responde por apenas 2,5% da área total em que eram encontrados até 130 anos atrás, descobriram os pesquisadores. Eles estimam que essa ocorrência diminuiu de quase 41.000 quilômetros quadrados na década de 1890, para apenas 1.000 km² em 2016.
Para chegar a esses números, os pesquisadores analisaram literatura da era colonial raramente referenciada, como jornais, periódicos, livros e registros de museus, do início de 1800 a 2009. Eles os encontraram em bancos de dados, incluindo a Biblioteca do Patrimônio da Biodiversidade e jornais históricos online, livros e periódicos usando palavras-chave específicas do local, como “Sumatra”, “Batang Toeroe” e “Tapanoeli”, usando a grafia holandesa da época colonial.
Em seguida, eles cruzaram esses dados com pesquisas de termos que se referem especificamente aos orangotangos: “orang oetan”, “orang-oetan”, “orangutan” e também “mawas”, “mias” e “maias”, os nomes locais para orangotangos que são comumente usados na literatura histórica.
“Estamos perdendo grande parte da imagem da conservação ao ignorar as informações históricas”, disse Erik Meijaard, principal autor do estudo e professor adjunto de conservação da Universidade de Kent, do Reino Unido.
Os pesquisadores descobriram que, historicamente, o orangotango-de-tapanuli habitou uma área muito maior e ocorreu em uma variedade muito maior de habitats e em elevações mais baixas do que a floresta montanhosa de Batang Toru que eles habitam hoje.
Muito desse habitat histórico foi perdido na década de 1950 devido à agricultura familiar, antes mesmo do advento e desenvolvimento de plantações em escala industrial em Sumatra, na década de 1970. A região que hoje compõem os bairros de Tapanuli Norte, Sul e Centro, área de ocorrência atual do orangotango-de-tapanuli, já estava 52% desmatada na década de 1930.
A combinação da fragmentação histórica de habitats florestais e a caça insustentável, provavelmente levou os primatas das áreas de floresta de planície, onde costumavam viver, para as florestas de maior altitude do ecossistema Batang Toru.
“Dadas as informações disponíveis, consideramos provável que o Pongo tapanuliensis foi caçado até a extinção nas partes cada vez mais fragmentadas de sua antiga cordilheira e só sobreviveu nas remotas e acidentadas montanhas de Batang Toru, que podem ter fornecido aos orangotangos um refúgio da caça”, escreveram od pesquisadores em seu artigo.
Essa descoberta sugere que o orangotango-de-tapanuli não é uma espécie especificamente adaptada para viver em altitudes elevadas, como alguns cientistas sugerem, de acordo com Meijaard.
Sobrevivência futura
As descobertas levantaram ainda mais preocupações sobre a sobrevivência do orangotango-de-tapanuli. Estima-se que 767 indivíduos vivam na floresta de Batang Toru, divididos entre três subpopulações provisoriamente conectadas.
A espécie continua enfrentando as ameaças da caça e de matança em conflito, bem como a perda de habitat para a agricultura. Novas ameaças também surgiram: construção de infraestruturas, mineração de ouro e o desenvolvimento de usinas geotérmicas e hidrelétricas.
A mais proeminente dessas ameaças vêm da planejada usina hidrelétrica de Batang Toru, que os conservacionistas alertam que colocará em risco a conectividade entre as subpopulações oeste, leste e sul do orangotango. Essa fragmentação cortaria drasticamente a diversidade do estoque genético do primata, levando à endogamia, doenças e a eventual extinção de cada uma das subpopulações.
O risco de que isso aconteça fez com que grandes fornecedores de crédito, incluindo a Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento Asiático, evitassem o projeto hidrelétrico. Seu principal financiador, o Banco da China, prometeu uma revisão à luz das preocupações.
O Ministério do Meio Ambiente e Florestas da Indonésia afirma que o projeto hidrelétrico não matará o orangotango-de-tapanuli. Ele diz que ainda há um amplo habitat e boa cobertura florestal em toda a paisagem para os primatas continuarem se reproduzindo.
O ministério também cita vários esforços do governo para proteger os orangotangos, incluindo monitoramento regular e uma moratória permanente sobre as licenças para limpar as florestas primárias e turfeiras que cobrem uma parte significativa do habitat do orangotango-de-tapanuli.
Mas Meijaard diz que as novas descobertas de sua equipe indicam o quão sensível o orangotango-de-tapanuli é aos efeitos combinados da fragmentação do habitat com uma taxa de extração da natureza que, por conta própria, levará a espécie inevitavelmente à extinção.
“As ameaças que levaram ao seu declínio continuam hoje e as afirmações do Ministério do Meio Ambiente e Florestas da Indonésia de que o orangotango-de-tapanuli tem amplo habitat e não enfrenta a extinção precisam ser reavaliadas com cuidado, porque não são apoiadas por informações históricas”, disse ele .
Em seu trabalho, os pesquisadores calculam que se mais de 1% dos macacos adultos forem extraídos da natureza por ano – sejam eles mortos, translocados ou capturados – a extinção é inevitável, independentemente do tamanho inicial da população.
“Nossa análise sugere fortemente que os orangotangos-de-tapanuli restantes estão atualmente em um habitat de alta altitude fora do padrão da espécie e que provavelmente mais de 1% da população é retirado anualmente com base em dados relatados de morte, translocação e resgate, o que indica o declínio populacional adicional e a extinção iminente”, disse Meijaard.
Serge Wich, co-autor do artigo e co-vice-presidente da seção de especialistas em primatas da IUCN sobre grandes macacos (SGA), disse que o orangotango-de-tapanuli pode não ser especificamente adaptado às condições das terras altas e deve ocorrer em uma ampla gama de habitats, como pântanos de turfa e florestas de terras baixas e secas, para um cenário ideal de sobrevivência na natureza.
Sem esforços para evitar novas perdas na população, a espécie pode se extinguir em questão de algumas gerações, segundo os pesquisadores. A fragmentação em curso da floresta Batang Toru apenas agrava esse risco, conta Wich.
Ele citou uma avaliação de 2016 da população de orangotangos e da viabilidade do habitat, que aponta que o bloco ocidental do habitat do orangotango-de-tapanuli tem viabilidade moderada a fraca para a sobrevivência dos macacos, e viabilidade pobre no bloco oriental.
“Os modelos [de avaliação] no relatório de 2016 indicam claramente que tanto o bloco oeste quanto o leste serão extintos se os atuais níveis de ameaça permanecerem”, disse Wich ao Mongabay. “Não há indícios de que os níveis atuais de ameaça estejam diminuindo”.
Ele apelou a todas as partes interessadas, incluindo o governo, ONGs, cientistas, doadores, representantes da comunidade local e a indústria, para desenvolver um plano de ação sólido para a sobrevivência da espécie.
“A atual abordagem irregular para conservar a espécie irá, com toda probabilidade, falhar”, disse Wich. “Além disso, a conservação da espécie se beneficiaria com a transparência em termos de dados de levantamentos, resgates, solturas etc. A falta disso também não está ajudando a espécie”.
*Matéria originalmente publicada no Mongabay. Tradução: Duda Menegassi
Fonte: (O) Eco
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