Além da Mata Atlântica já ter perdido mais de 80% de sua cobertura florestal original, as florestas que restaram tiveram sua biodiversidade e estoques de carbono devastados pela degradação do bioma ao longo dos anos. Uma pesquisa realizada por cientistas do Instituto de Biociências (IB) da USP, em colaboração com pesquisadores de Santa Catarina, Holanda e França, lançou holofotes sobre esse problema. O estudo, publicado no último mês de dezembro na Nature Communications, mostrou que os impactos humanos sobre os remanescentes florestais já provocaram perdas de 23% a 42% da biodiversidade e dos estoques de carbono, apontando essas regiões como oportunidades de atrair investimentos ligados à restauração florestal e à geração de créditos de carbono.
A ideia para o trabalho surgiu da necessidade de entender quais eram os fatores mais importantes para explicar a biodiversidade e os estoques de biomassa da Mata Atlântica. Inicialmente, os cientistas buscaram compreender o peso das variáveis naturais, como solo e clima, e das variáveis relacionadas à ação humana, como a degradação. “Logo percebemos o peso dos impactos humanos sobre essas florestas e, aos poucos, a pesquisa focalizou o dimensionamento dessas perdas ligadas à ação humana e o seu custo em créditos de carbono”, conta ao Jornal da USP Renato A. F. Lima, pesquisador associado ao Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da USP.
“A Mata Atlântica é um dos mais importantes hotspots da biodiversidade global. Quase metade de sua flora e fauna ocorre aqui e em nenhum outro local do mundo. Conservar ou restaurar esse bioma tem repercussões tanto locais quanto globais no que se refere à conservação da biodiversidade e à provisão de serviços ecossistêmicos essenciais à vida humana, como a regulação climática.”Renato Lima
De acordo com Lima, em média, os remanescentes florestais perdem de ¼ a ⅓ de seus estoques de carbono e de suas espécies de árvores, em especial aquelas que são nativas da Mata Atlântica. Apesar de terem sido usados mais de mil levantamentos de campo, espalhados por toda a extensão do bioma, as estimativas de perda de carbono e biodiversidade são provavelmente conservadoras: “Localmente as perdas podem ser maiores”.
Os pesquisadores usaram dois mil inventários florestais compilados de diferentes fontes para mostrar que 23% a 42% da biodiversidade e dos estoques de carbono foram perdidos em função de ações humanas. Esses inventários foram utilizados na construção de modelos estatísticos que comparam dois cenários: o atual, no qual as florestas estão submetidas aos impactos humanos, e o cenário passado ou potencial, no qual esses impactos eram baixos ou inexistentes. “A diferença da biomassa, riqueza de espécies, etc., entre esses cenários foi usada para quantificar as perdas relacionadas aos impactos humanos”, descreve Lima ao Jornal da USP.
Importância da restauração dos remanescentes florestais
Além da quantificação dos impactos humanos nos remanescentes florestais, o estudo também contou com projeções sobre quanto essas perdas representariam para a Mata Atlântica como um todo. “As perdas dos estoques de carbono equivalem ao desmatamento de até 70 mil quilômetros quadrados de floresta, quase 10 milhões de campos de futebol ou 2,6 bilhões de dólares em créditos de carbono”, explica Paulo Inácio Prado, professor do Departamento de Ecologia da USP. “E essas quantias não consideram outros serviços ecossistêmicos importantes, como o ciclo da água e a regulação do clima”, acrescenta.
A conservação da biodiversidade e do carbono florestal precisa contemplar três tipos de ações: acabar com o desmatamento ilegal, reflorestar regiões degradadas e recuperar os remanescentes florestais degradados. Segundo Lima, as duas primeiras ações são de extrema importância e já são muito debatidas dentro do cenário global. O que a pesquisa traz de novidade é o destaque da terceira ação, muitas vezes esquecida como ação de conservação. “Apesar disso, as três ações devem sempre caminhar juntas”, detalha.
As unidades de conservação da natureza e o combate ao desmatamento possuem papel essencial para evitar perdas de biodiversidade e carbono, assim como a restauração florestal, que deve ser feita tanto dentro quanto fora dos remanescentes florestais da Mata Atlântica. “Portanto, os remanescentes florestais, mesmo que degradados, podem ser vistos como oportunidades de atrair investimentos ligados à restauração florestal e à geração de créditos de carbono”, finaliza Lima.
O estudo também contou com a participação dos pesquisadores Alexandre A. Oliveira (USP), Gregory R. Pitta (USP) e Alexander Vibrans (Universidade Regional de Blumenau, FURB).
Fonte: Jornal da USP
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