Nova fase garante a segurança alimentar do país e promove, além da mitigação de gases de efeito estufa, a redução da vulnerabilidade na produção de alimentos, fibras e bioenergia
Em 2009, a agropecuária brasileira assumiu um compromisso voluntário no enfrentamento à mudança do clima. Para auxiliar nessa missão, foi criado o Plano ABC, política pública única em seu gênero e escopo, liderada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), cujo foco era a consolidação de uma agropecuária de baixa emissão de carbono.
O setor assumiu o compromisso de fomentar, em 10 anos, seis tecnologias descarbonizantes (sistema plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, floresta plantada, recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) em suas diferentes combinações, e tratamento de dejetos de animais) em 35 milhões de hectares. Da mesma forma, comprometemo-nos a mitigar com a adoção dessas tecnologias entre 132 a 162 milhões de toneladas de CO2 equivalente.
Entre 2010 e 2018, os produtores brasileiros implementaram 52 milhões de hectares de sistemas de produção mitigadores de gases de efeito estufa (GEE). Superando em 46,5% a meta, o que equivale a mais de duas vezes a área do Reino Unido. No mesmo período, o plano ABC contribuiu para mitigar 170 milhões de toneladas de CO2eq. i.e., 115% da meta originalmente estabelecida.
Resultados expressivos? Certamente, visto os múltiplos desafios enfrentados em um país continental! Mas o Brasil e o setor agropecuário querem (e podem) fazer mais. Ficou claro, mundialmente, que a agropecuária é o setor mais vulnerável à mudança do clima. Vide os recentes casos de eventos extremos, como geadas e ondas de calor, ocorridos em diversas regiões, com perdas expressivas em diferentes produtos, como café, cana-de-açúcar, hortaliças e frutas.
É por isso que, em abril de 2021, o Mapa apresentou à sociedade as bases estratégicas do ABC +, novo ciclo do Plano ABC até 2030. Continua-se com o incentivo às tecnologias que evitam as emissões de GEE e promovem a adaptação nas áreas produtivas e se inovan trazendo a abordagem integrada da paisagem (AIP). A AIP, além de estimular a regularização ambiental e o cumprimento do Código Florestal, promove o ordenamento territorial e o fomento à preservação da biodiversidade na propriedade, na região e nas bacias hidrográficas.
Mas, qual o significado de adaptação no setor agropecuário? O uso do sistema plantio direto para cultivo de grãos, por exemplo, permite que as lavouras permaneçam mais dias sem chuvas, diminuindo o risco de quebra de safra para o produtor. Isto porque a palhada, além de sequestrar carbono no solo, mantém-se mais úmido, por mais tempo.
Outro exemplo são as áreas com ILPF em suas diferentes combinações. No inverno, muitas são as ocorrências de queima de pasto causada pelas geadas. Onde há o componente arbóreo, grande neutralizador de carbono, o microclima favorável promovido pelas árvores mantém a pastagem verde, pois não há quedas bruscas de temperaturas e queima pelo frio. Esses são apenas dois, dos inúmeros exemplos de adaptação por meio do uso de tecnologias fomentadas pelo ABC+.
O Plano operacional do ABC +, construído com o auxílio de dezenas de cientistas de referência no tema, será colocado em consulta pública, agora, em setembro. Espera-se que a sociedade civil aporte valiosas considerações e sugestões ao documento base. Neste, além das tecnologias, produtos e sistemas de produção agropecuários fomentados até 2030, também são apresentadas suas respectivas metas, em área de expansão e em potencial de mitigação de GEE, além de suas contribuições em termos de adaptação. Algumas das novidades para este novo ciclo são a inclusão de outras tecnologias, como os sistemas irrigados e a terminação intensiva de bovinos, e o aperfeiçoamento dos mecanismos de mensuração, relato e verificação (MRV).
O ABC revisitou seus objetivos e estratégias, com base no novo contexto mundial sobre mudança do clima. Estruturado em nove eixos estratégicos, com ações e atividades que contemplam as particularidades do ambiente rural nos seis biomas brasileiros, contará com o forte envolvimento dos grupos gestores estaduais na sua operacionalização no território nacional. Produtores e empresas que adotam as tecnologias do ABC+ estarão aptos a receber incentivos econômicos via mercado de Finanças Verdes e/ou agregarem valor aos seus produtos.
Com forte estímulo à regularização ambiental e fundiária, o ABC+ é a alavanca para um duplo desafio, não apenas nacional, mas também mundial: produzir com qualidade e em escala compatível com a demanda crescente por alimentos, grãos, fibras e bioenergia, e ao mesmo tempo crescer com sustentabilidade, frente ao cenário iminente de aquecimento global. Não há dúvidas de que a agropecuária é o setor mais vulnerável à mudança do clima. O Brasil precisa continuar garantindo a segurança alimentar de sua população e daquela mundial, de forma sustentável.
*Mariane é diretora de Produção Sustentável e Irrigação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Fabiana é coordenadora-geral de Mudança do Clima do Mapa
Cooperativas seguem ganhando espaço
CHEILA GIRARDELLO Diretora executiva da Sicredi Planalto Central
Apesar do deteriorado ambiente operacional em 2020 em função da pandemia causada pelo coronavírus, as cooperativas mantiveram forte crescimento de suas operações de crédito. Um relatório especial publicado pela Fitch Ratings revelou que a carteira de crédito dessas instituições apresentou expansão de 35,7% em relação a 2019, patamar bem superior à média do Sistema Financeiro Nacional (SFN), de 15,6% no mesmo período. Reflexo do crescimento nos últimos anos, a participação das cooperativas sobre o crédito total se elevou, passando de 2,3% em 2015, para próximo a 5,0% em 2020.
O modelo de negócio está em mais de 118 países, segundo relatório do Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito, reunindo mais de 274 milhões de associados e ultrapassando a marca dos US$ 2,19 trilhões em ativos. No Brasil, de acordo com o Banco Central, o cooperativismo de crédito está presente em quase metade (47%) das cidades, representa 2,7% dos ativos totais do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e se mostra como um dos mecanismos mais eficazes para promover acesso aos serviços financeiros às pessoas em municípios menores, mais distantes e rurais, somando atualmente 12 milhões de adeptos.
O Brasil possui mais de 800 cooperativas de crédito, 34 centrais estaduais e quatro confederações, sendo alicerçado basicamente em cinco sistemas de crédito: Sicoob, Sicredi, Unicred, Ailos e Cresol. É claro e vibrante o quanto essas instituições vêm ganhando espaço. Num momento em que o mundo passa por grandes mudanças, é preciso fazer escolhas ainda mais consistentes: muitos negócios foram afetados pela crise e a cultura do cooperativismo aparece como parte da solução para muitos empresários e empreendedores.
Há mais de 14 anos compartilhando prosperidade e os princípios do cooperativismo em 15 municípios nos estados de Goiás, oeste da Bahia, Minas Gerais e no Distrito Federal, por meio de suas 17 agências, a cooperativa Sicredi Planalto Central investiu cerca de R$ 6,5 milhões para levar suas unidades a locais como Formosa, Taguatinga e Gama ainda em 2021. A cooperativa de crédito se consolida no Distrito Federal e Entorno como uma opção sustentável de incentivo ao comércio, agronegócio e ao desenvolvimento social das comunidades — isto porque utiliza seus ativos para financiar os próprios associados, mantendo os recursos nas comunidades onde são gerados.
O projeto de crédito para Taguatinga prevê R$ 100 milhões injetados na economia local nos próximos cinco anos. Neste mesmo período, o Gama contará com R$ 70 milhões investidos diretamente na região. Em Formosa, o projeto é mais robusto, por ser grande polo do Agro e do comércio. Com a chegada da agência, a expectativa é de que R$ 100 milhões sejam disponibilizados para a população local nos próximos três anos.
Quando cooperativas de crédito como o Sicredi chegam numa comunidade, o investimento ocorre num modelo que chamamos de ciclo virtuoso, no qual os associados trazem movimentação para que a agência possa equalizar depósitos em crédito. O valor liberado gera riquezas para a comunidade e rentabilidade para a cooperativa que, ao final do ano, devolve parte desse resultado aos associados por meio de ações sociais, capital social e de forma proporcional à movimentação de cada um.
Um estudo encomendado pelo Sicredi à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) concluiu que o cooperativismo de crédito incrementa o PIB per capita dos municípios em 5,6%, cria 6,2% mais vagas de trabalho formal e aumenta o número de estabelecimentos comerciais em 15,7%, estimulando, portanto, o empreendedorismo local. O impacto agregado em 1,4 mil municípios que passaram a contar com uma ou mais cooperativas durante o período do estudo foi de mais de R$ 48 bilhões em um ano. As cooperativas também foram responsáveis pela criação de 79 mil novas empresas e pela geração de 278 mil empregos.
As cooperativas de crédito, evoluindo desde as experiências pioneiras no mundo e no Brasil, têm expandido e consolidado sua participação nos sistemas financeiros internacionais. Esse processo reflete a importância dessas instituições como alternativa ao sistema bancário tradicional, atendendo populações, empresas e regiões geográficas em que a oferta de serviços financeiros e de crédito é escassa e limitada.
O primeiro passo para aproveitar melhor o potencial de energias renováveis
CARLOS EVANGELISTA Presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD)
A Câmara Federal aprovou o marco legal da geração distribuída (18/8), projeto de lei crucial para o desenvolvimento do setor que abriga unidades de microgeração e minigeração de energia elétrica, a partir de fontes renováveis. O texto ainda precisa concluir sua tramitação legislativa. Todavia, a demanda por soluções para assegurar o fornecimento de energia e o consenso entre agentes do setor — públicos e privados — sobre o conteúdo da proposta, nos fazem crer na sua concretização.
A matriz elétrica brasileira precisa de correção de rumo, o que implica compreender, tecnicamente, como atingimos o atual conjunto de consequências. Em 2001, a escassez de chuvas reduziu gravemente o nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras e obrigou o governo a impor um programa de racionamento de energia. A estratégia adotada para prevenir a repetição do problema foi construir uma rede de usinas termelétricas movidas a gás, carvão e óleo combustível, a serem acionadas para a recomposição dos reservatórios das hidrelétricas, o que funcionou por um período. Porém, não criamos infraestrutura resistente à falta de chuvas.
Estudos climatológicos apontavam, desde a década passada, a necessidade de medidas adicionais. O volume de precipitações que alimentam os reservatórios (Média de Longo Termo) não ultrapassa os 100% desde 2011: as chuvas não estão fechando a conta do que se perde durante os períodos secos, ano após ano. A cara fatura pelo acúmulo de erros e pouca diligência chegou. Somente em 2021, a projeção de gastos adicionais com as bandeiras tarifárias alcançou R$ 13 bilhões, para pagar o acionamento das caras e poluentes termelétricas. A elevação no custo da energia já produziu impacto inflacionário e a incerteza sobre a segurança no fornecimento causa distúrbio no radar de investidores.
O país precisa intensificar o aproveitamento das fontes renováveis, com maior diversificação da matriz energética. A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) apresentou ao Ministério de Minas e Energia o Programa GD+10 GW, com a meta de promover a implantação de novos 10 GW de potência instalada de geração distribuída (GD), em dois anos. Nesta modalidade, cidadãos, empresas e setor público podem investir em sistemas locais de mini e microusinas de energia solar, eólica, biomassa, resíduos sólidos urbanos e Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGH).
Nos estudos tabulados pelos nossos técnicos, apontamos a aprovação do marco legal da geração distribuída como ponto de partida para garantir segurança jurídica para o setor. Partindo dessa premissa, listamos um conjunto de cinco recomendações, começando por efetivar a Consulta Pública 040/2021, determinando que as distribuidoras contratem empreendimentos de GD de até 10% da carga, em cada área de concessão, criando demanda que incentivará investimentos de particulares.
A oferta de linhas de crédito capazes de encurtar o tempo de retorno de pequenos projetos de GD é uma medida necessária para o aproveitamento dos subsídios atualmente concedidos para os consumidores de baixa renda, consumidores da Região Norte e consumidores rurais interessados em gerar sua própria energia. Na terceira sugestão, apontamos a contratação de novos projetos de GD solar flutuante, com painéis fotovoltaicos instalados sobre as águas dos reservatórios de hidrelétricas. Além de aproveitar a infraestrutura das linhas de transmissão existentes, há redução da evaporação nos lagos. Unidades de geração com este modelo já funcionam em três localidades: Sobradinho (BA), Cristalina (GO) e Billings (SP).
Corrigir uma distorção remuneratória é importante para os proprietários de unidades GD. Hoje, quem injeta energia na rede recebe o valor mínimo pelo kWh, sem os acréscimos equivalentes à bandeira tarifária vigente. Mini e microusinas deveriam receber o mesmo preço praticado para as grandes geradoras. Por fim, recomendamos a realização de chamadas públicas para a contratação de geração distribuída proveniente de resíduos sólidos urbanos, medida que pode também colaborar com a efetivação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que determina a extinção de lixões até agosto de 2024. Garantir o crescimento da GD é parte imprescindível da resposta que precisamos, de acordo com critérios técnicos e uma agenda moderna de preservação do planeta. Hoje, ao contrário de 20 anos atrás, há tecnologias disponíveis e acessíveis para atacar o problema de modo sustentável.
Fonte: Correio Braziliense
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