As mudanças climáticas e a perda de diversidade biológica devem ser enfrentadas juntas. Sem políticas integradas, não haverá solução. Esta é a principal conclusão dada por um grupo de cientistas da IPBES e do IPCC
Mudanças sem precedentes no clima e na biodiversidade, impulsionadas pelas atividades humanas, ameaçam cada vez mais a natureza, as vidas humanas, os meios de subsistência e o bem-estar em todo o mundo. A perda de biodiversidade e as mudanças climáticas são impulsionadas pelas atividades econômicas humanas e se reforçam mutuamente. Nenhum dos dois será resolvido com sucesso, a menos que ambos sejam enfrentados conjuntamente. A crise climática e a perda de biodiversidade são duas faces da mesma moeda. Um desafio não pode ser solucionado sem atacar ao mesmo tempo as causas do outro.
Esta é a principal mensagem de um relatório produzido por 50 dos maiores especialistas mundiais em biodiversidade e clima, reunidos em um workshop virtual de quatro dias ocorrido em dezembro, cujo objetivo era examinar as sinergias entre a proteção da biodiversidade e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
O workshop e o relatório, divulgado em 10 de junho, foram promovido em conjunto pela IPBES (Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) e pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) das Nações Unidas. O relatório IPBES-IPCC Co-Sponsored Workshop Report on Biodiversity and Climate Change pode ser baixado, em inglês, do site da IPBES.
“As mudanças climáticas causadas pelo homem estão ameaçando cada vez mais a natureza e sua contribuição para as pessoas, incluindo sua capacidade de ajudar a mitigar as mudanças climáticas”, observa Hans-Otto Pörtner, co-presidente do comitê científico que coordenou o trabalho do seminário. “As mudanças na biodiversidade afetam o clima, principalmente por meio dos impactos nos ciclos do nitrogênio, carbono e água. Quanto mais quente o mundo fica, há cada vez menos comida e água potável em muitas regiões do planeta”.
Esta mensagem se assemelha bastante àquela repetida com frequência pelo secretário-geral da ONU, António Guterres: a crise climática e a crise da biodiversidade estão intimamente ligadas, aspectos distintos da mesma “guerra à natureza” declarada pela humanidade.
De acordo com Pörtner: “A evidência é clara: um futuro global sustentável para as pessoas e a natureza ainda é alcançável, mas isso requer uma mudança transformadora, com ações rápidas e amplas nunca antes tentadas, com base em reduções de emissões de CO2 ambiciosas”.
Para os especialistas, é necessário reverter a degradação de ecossistemas ricos em carbono (florestas, turfeiras, pântanos, manguezais, …), focar fortemente em práticas sustentáveis de agricultura e manejo de recursos florestais, multiplicar iniciativas de conservação e cancelar subsídios para atividades prejudicial aos ecossistemas.
Entre os autores da publicação estão os brasileiros Maria de Los Angeles Gasalla, professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP); Aliny Patrícia Flausino Pires, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bernardo Strassburg, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e Adalberto Luís Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
“O relatório aponta que o clima e a biodiversidade se reforçam e, portanto, devem ser vistos como um todo. Para que qualquer uma dessas questões seja resolvida de forma satisfatória deve-se levar em conta a outra”, diz Gasalla, em entrevista à Agência Fapesp.
A cientista brasileira Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e vice-presidente do IPCC, participou como observadora do encontro.
“O relatório incluiu, além dos aspectos procedimentais, uma síntese das discussões científicas que ocorreram durante os quatro dias de duração do workshop. É a primeira iniciativa conjunta entre o IPCC e a IPBES e buscou identificar as sinergias e os potenciais pontos negativos entre a proteção da biodiversidade e a mitigação e adaptação à mudança do clima”, diz Krug.
Já de acordo com Carlos Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que participou como revisor do relatório, “A comunidade científica vem fazendo pressão, há bastante tempo, para que a biodiversidade e o clima sejam discutidos conjuntamente, mas, infelizmente, há países, como o Brasil, que são muito reticentes em reunir essas duas agendas sob o pretexto de que as discussões e resoluções que envolvam essas duas áreas críticas acabem sendo utilizadas para criação de barreiras para a exportação de produtos agropecuários pelo país”, explica.
A mudança delineada pelos 50 cientistas é profunda e deve acontecer rapidamente. Envolverá “uma profunda mudança coletiva de valores individuais e compartilhados em relação à natureza, como o afastamento da concepção de progresso econômico baseado exclusivamente no crescimento do PIB”, conclui Pörtner.
Fonte: (O) Eco
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