Empresa discorda dos critérios usados pelo MPF e garante que inconformidade foi bem menor. Frigorífico se comprometeu a investir R$ 5 milhões na melhoria de processos
Auditoria realizada pelo Ministério Público Federal apontou que 32% da carne comercializada pela JBS nos últimos anos no estado do Pará continha irregularidades, sendo a principal delas ter origem em área com desmatamento ilegal. O número representa um retrocesso em relação à última auditoria, de 2019, quando a empresa contabilizou 8,3% de inconformidades.
Os dados, divulgados na tarde desta quinta-feira (7), fazem parte do 3º Ciclo de auditorias realizadas pelo MPF para verificação do cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne por empresas do estado do Pará.
A divulgação ocorre na mesma semana em que o Congresso americano avalia uma lei que pode barrar a importação pelos EUA de mercadorias provenientes de países onde o produtor rural e o importador não conseguirem comprovar que os produtos, incluindo toda sua cadeia produtiva, estão livres de desmatamento.
O TAC da Carne, proposto em 2009 pelo MPF e atualmente assinado por 42 frigoríficos paraenses, proíbe os signatários de comprar gado de áreas desmatadas ilegalmente ou embargadas pelo Ibama a partir de agosto de 2008. Também estão proibidas compras de gado proveniente de áreas invadidas em terras indígenas, unidades de conservação e de empregadores na lista de trabalho escravo.
As auditorias do 3º Ciclo foram realizadas em 2020 e se referem às transações feitas pelos frigoríficos entre janeiro de 2018 e junho de 2019. As empresas auditoras foram Grant Thornton, GeoMaster e BDO.
No período, a gigante da indústria da carne JBS comercializou 940.617 cabeças de gado, sendo que 300.913 apresentaram inconformidade, segundo o MPF.
JBS questiona critérios utilizados
Durante o período de auditoria, a JBS discordou dos critérios utilizados e garantiu que o índice de irregularidades foi bem menor.
O TAC e seus documentos complementares exigem que não sejam compradas cabeças de gado de propriedades com desmatamento ilegal ocorrido a partir de 01/08/2008. A base de dados utilizada para esta verificação é o Prodes, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão que divulga os dados oficiais de desmatamento.
Do total de irregularidades da JBS apontadas pelo MPF na auditoria hoje divulgada (32%), 20% correspondem a irregularidades encontradas no ano de 2008 pelo Prodes. Uma discussão técnica, no entanto, fez com que empresa e MPF tivessem divergência quanto ao período de análise.
O calendário considerado pelo INPE no Prodes vai de 1º de agosto de um ano até 31 de agosto do ano seguinte. Isto é, o Prodes 2008 corresponde ao período que vai de 1º de agosto de 2007 até 31 de julho de 2008. Como a data de início das auditorias estabelecida pelo MPF é 1º de agosto de 2008, a JBS considerou somente os dados divulgados no ano seguinte, pelo Prodes 2009.
A empresa também argumentou que no protocolo de monitoramento da pecuária assinado com o MPF existe apenas a expressão “Prodes 2009”.
“Com relação aos resultados da auditoria do TAC do Pará para o ano de 2018 e o primeiro semestre de 2019, a JBS esclarece que os resultados decorrem, principalmente, de imprecisões nas definições dos critérios de monitoramento e nas bases de dados utilizadas como referência no processo de auditoria”, disse a empresa, em nota (leia a íntegra abaixo).
Segundo o MPF, no entanto, na prática, ainda que o calendário do Prodes termine em 31 de julho de um ano, os dados consolidados, divulgados geralmente em novembro, abrangem imagens detectadas nos meses seguintes (agosto, setembro e outubro) daquele mesmo ano de divulgação.
“O ‘ano Prodes’ é apenas uma referência metodológica. No caso de 2008, essas imagens precisavam ser consideradas pelas empresas, já que são ‘desmatamento a partir de 1/08/2008’”, diz nota enviada a ((o))eco pelo MPF.
A JBS, por sua vez, alega que a base Prodes 2008 não foi utilizada nas auditorias anteriores e que o frigorífico não recebeu nenhuma comunicação formal sobre a existência de dados residuais no Prodes 2008 relativos ao período posterior.
Para tentar resolver o imbróglio, o MPF informou que vai retirar a expressão “Prodes 2009” de seus protocolos, sendo mantido apenas o texto que trata da data inicial de ocorrência de desmatamentos a serem considerados no TAC.
“O MPF registra que não houve mudança no que determina o TAC, devendo ser observada sempre a data da ocorrência do desmatamento, independentemente de qual base Prodes tenha divulgado a imagem”, diz nota do Ministério Público.
“Ainda que aceitássemos os argumentos da JBS, o grau de irregularidade da empresa ficaria em 11%, o que está acima da auditoria passada. A JBS chegou ao MPF para dialogar e explicamos que isso não era o esperado para o processo. A partir disso, foi assinado outro termo, em que a empresa se compromete a adotar uma série de procedimentos internos, duplicar seu sistema de auditoria e destinar R$ 5 milhões ao governo do Pará para melhorias dos sistemas”, complementa o procurador Daniel Azeredo.
Outros frigoríficos
Entre janeiro de 2018 e junho de 2019, o estado do Pará comercializou para abate ou exportação 5,8 milhões de cabeças de gado. Desse total, 69% foram auditados, referentes a 15 empresas das 42 signatárias do TAC no Estado. O total de inconformidades, considerando toda a movimentação, chegou a 9,95%.
“Quase o mercado todo participa das auditorias do Pará. Precisamos melhorar, mas o número ideal seria 80% e não estamos longe disso”, diz Azeredo.
Apesar do esforço do MPF, 31% do total comercializado no período (1,8 milhão de cabeças de gado) são provenientes de empresas que não passaram por auditoria. Ou seja, não se sabe se são provenientes de área com desmatamento ilegal ou não.
Além da JBS, outros quatro frigoríficos apresentaram inconformidade em mais de 15% de suas transações, mas a quantidade de cabeças de gado comercializadas por elas possuía volume bem menor que a gigante da indústria da carne.
O Matadouro Planalto teve, segundo o MPF, 31,3% de inconformidades, referente a um volume de 17.975 cabeças de gado. O Frigorífico Aliança contabilizou 24,8% de inconformidades (10.888 cabeças), o ForteFrigo, 18,7% (28.332 cabeças), e o Frigorífico Sampaio, 15,2% (1.138 cabeças não conformes).
Na outra ponta, 6 das 15 empresas auditadas apresentaram 100% de conformidade, incluindo a gigante Mercúrio Total, que no período comercializou mais de 1 milhão de cabeças de gado.
Segundo os procuradores que estão à frente do TAC da Carne no Pará, um dado importante a ser avaliado é o avanço ou retrocesso nos índices de conformidade.
Do total de frigoríficos auditados, somente dois, além da JBS, apresentaram regressão no cumprimento do acordo: Matadouro Planalto passou de 12,10% em 2019 para 31,12 % em 2020 e a ForteFrigo passou de 15,27% em 2019 para 18,67% em 2020.
Nota de corte e punições
Para avaliar se as empresas apresentaram resultados satisfatórios ou não, o MPF considerou a média de conformidade dos frigoríficos auditados, o que deu um índice de 91%. Empresas com resultados abaixo desse valor foram classificadas como “não satisfatórias”.
O MPF, porém, não divulgou quais seriam as punições a essas empresas. Disse somente que empresas que regrediram no índice ou com resultado não satisfatório, mas com melhora nos índices, seriam obrigadas a fazer auditoria integral de suas transações.
“Para as empresas que além de estarem num nível acima daquilo que é considerado admissível dentro do processo evolutivo do TAC ainda apresentaram piora em relação ao ciclo anterior, a gente precisa negociar algo a respeito de compensação dentro do âmbito do TAC, mas isso é uma discussão entre o MPF e a respectiva empresa”, disse o procurador Ricardo Negrini.
Para o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o MPF deveria aplicar multa a todas as compras irregulares e penas maiores para quem regrediu. “O TAC já dura 11 anos, o satisfatório seria 100% de cumprimento. Sem avanço acelerado no controle, europeus e americanos terão mais argumentos para boicotar carne brasileira e mostrará que a governança brasileira é frágil em vários níveis: Governo Federal, Ministério Público e empresas”, disse.
NOTA JBS
A despeito de o resultado da auditoria ter sido impactado por uma mudança recente de critério adotado pelo MPF, a JBS entende ser importante adotar medidas adicionais para reforçar seu trabalho de due diligence no estado. Portanto, anuncia nesta quinta-feira (7) um conjunto de ações com o objetivo de reforçar a sustentabilidade da cadeia de fornecimento de bovinos no Pará e ampliar a adoção de boas práticas por toda a indústria. Os investimentos somam R$ 5 milhões.
Em comum acordo com o MPF, os recursos serão destinados a um conjunto de iniciativas no Estado, entre eles o projeto CAR 2.0, desenvolvido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas/PA) com o objetivo de automatizar e acelerar a análise e verificação do Cadastro Ambiental Rural e do Programa de Regularização Ambiental no Estado.
A companhia também ampliou os Escritórios Verdes no Pará, duplicando as operações e chegando a quatro unidades no Estado. Os Escritórios Verdes da JBS oferecem apoio gratuito para a regularização ambiental de propriedades rurais. Ainda como parte das ações anunciadas, os escritórios passarão a atuar na regularização fundiária nas propriedades dos fornecedores no Estado do Pará.
Reforçando a avaliação dos critérios de sustentabilidade, a JBS se comprometeu a realizar auditoria de 100% das compras de gado no Pará.
Como forma de ampliar a adoção de critérios socioambientais para todos os elos cadeia produtiva, a JBS também vai reforçar ações para estimular a adesão de pecuaristas à Plataforma Pecuária Transparente, que permite aos produtores analisar sua cadeia de fornecimento com os mesmos critérios adotados pela JBS, de maneira segura e confidencial graças à utilização da tecnologia blockchain.
Com relação aos resultados da auditoria do TAC do Pará para o ano de 2018 e o primeiro semestre de 2019, a JBS esclarece que os resultados decorrem, principalmente, de imprecisões nas definições dos critérios de monitoramento e nas bases de dados utilizadas como referência no processo de auditoria.
Fonte: O Eco
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