Na 6ª feira (28/8), de sopetão, o ministério do meio ambiente anunciou que, “em razão do bloqueio financeiro efetivado pela Secretaria de Orçamento Federal” no valor de cerca de R$ 60 milhões, as operações de combate ao desmatamento ilegal e às queimadas na Amazônia e no Pantanal seriam interrompidas.”
Aparentemente, o anúncio teve a intenção de chocar, por ter sido feito enquanto o Pantanal passa por queimadas históricas que já consumiram 10% do bioma e a Amazônia vive outra temporada devastadora de incêndios, alimentada pelo crescimento desenfreado do desmatamento, situação que tem induzido pressões comerciais e financeiras externas e internas sobre o governo.
A reação foi imediata. Estadão e BBC Brasil deram destaque às duras críticas feitas ao anúncio por parlamentares e ambientalistas, que acusaram o governo de irresponsabilidade e omissão criminosa.
Logo em seguida, Mourão contestou a nota do ministério e disse que Salles “se precipitou” ao decidir suspender as operações ambientais. Segundo ele, o governo estaria remanejando recursos para poder pagar parcelas adicionais do auxílio emergencial, mas os recursos do Ibama e do ICMBio não seriam bloqueados.
À noite, Salles anunciou que o governo tinha desistido do remanejamento e confirmou a continuidade das operações na Amazônia e no Pantanal. N’O Globo, o ministro contestou Mourão e reafirmou que o bloqueio existiu e que a decisão de suspender as ações da pasta motivou o governo a voltar atrás. Salles reforçou esta sua versão no sábado em entrevistas à Band e à CBN.
Os bastidores de Brasília ferveram com a confusão entre Salles e Mourão. O Estadão especulou sobre a decisão de Salles ter como objetivo “delimitar seu território no governo”, especialmente com relação aos militares, um setor importante do governo Bolsonaro que não nutre simpatia pelo rapaz. Outro alvo da ação seria Paulo Guedes, responsável pelo bloqueio das verbas. Nas redes sociais, Carlos e Eduardo Bolsonaro manifestaram apoio a Salles. Para Miriam Leitão, a confusão é parte da pressão que Guedes vem sofrendo do Planalto para disponibilizar recursos para financiar a recauchutagem do Bolsa Família e o pacote de obras de infraestrutura. Nessa linha, Ana Carolina Amaral informou na Folha que a decisão de Salles foi proposital para reforçar a cobrança presidencial sobre Guedes.
O vai-e-vem vergonhoso foi repercutido amplamente pela imprensa, com destaques em veículos como Agência Brasil, CNN Brasil, Correio Braziliense, G1, Nexo Jornal, Reuters e UOL. No Twitter, Giovana Girardi (Estadão) fez uma série de posts explicando a palhaçada.
Queimadas na Amazônia são “agulha no palheiro”, minimiza Mourão
Mourão voltou a minimizar as queimadas na Amazônia: “24 mil focos de calor [apenas em agosto] significa que tem um foco de calor a cada 200 km2. Isso é uma agulha no palheiro. E o que está sendo colocado para o mundo inteiro: ‘a floresta está queimando, a Amazônia está queimando'”. O general-vice também contestou os estudos que mostram impactos das queimadas sobre a saúde das pessoas da região. “Eu vejo editorialistas e formadores de opinião dizendo que a fumaça está prejudicando as pessoas. Eu não consigo entender de onde essas pessoas conseguem extrair esses dados e conseguem ouvir isso”.
Nas últimas semanas, Mourão vem repetindo o mesmo negacionismo do presidente Bolsonaro com relação às queimadas na Amazônia. “Mourão é um poste do latifúndio extrativista e predatório. Embaralha-se com grandes números porque enxerga a Amazônia como imensidão por ocupar. Para ele e seu exército de Brancaleone, 20% de destruição da maior floresta tropical do mundo é pouco”, escreve Marcelo Leite na Folha. “As verdadeiras agulhas no palheiro são os raros agentes disponíveis para combater a devastação. Não os recrutas que Mourão levou para passear na Amazônia, mas fiscais do Ibama posto de joelhos por Salles”. Marcelo Leite lembrou que o Ibama possui hoje 312 fiscais operacionais para cobrir 4,2 milhões de km2 – um fiscal para inacreditáveis 13,4 mil km2 de superfície, o equivalente a nove vezes o território do município de São Paulo.
Já o UOL Ecoa repercutiu a live feita pelo Observatório do Clima (OC) com o cientista da NASA Douglas Morton. Há quase 20 anos, Morton acompanha os padrões de fogo na Amazônia e explicou que, diferentemente do que Mourão e Bolsonaro dizem, a maior parte dos focos de incêndio observada na floresta é decorrente de desmatamento. “A única queimada do mundo que não muda é desmatamento. É uma pilha de madeira que não anda”. Morton argumentou que é comum que focos diferentes sejam observados ao longo do tempo no mesmo local, já que a incineração da madeira desmatada precisa ser feita diversas vezes.
Enquanto isso, dados do INPE indicam que o Amazonas registrou o agosto mais incendiário desde 1998, com 7,6 mil focos de queimadas identificados. De janeiro até agora, o estado registrou 10.234 focos, sendo que os números do 1º semestre de 2020 superaram o mesmo período de 2019 em 51,7%.
Em tempo: A Reuters mostrou a dificuldade que os bombeiros estão enfrentando para conseguir conter os incêndios no Pantanal. Além das dificuldades de acesso a determinadas áreas, algumas características do fogo complicam mais a situação. Por exemplo, a vegetação que fica sob o pântano durante a temporada de chuva está agora seca, o que deixa depósitos inflamáveis no subsolo que continuam queimando mesmo após as chamas visíveis serem apagadas.
Fonte: Clima Info
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