“Vamos ser claros: as pseudociências matam.”
Essa é a mensagem que une 2.750 profissionais de saúde de 44 países (90% deles trabalhadores de saúde e cientistas de várias disciplinas).
O “1º manifesto contra as pseudociências em saúde”, assinado por essa massa de profissionais, levanta a discussão sobre regulamentações contra produtos que não tenham eficácia terapêutica comprovada com rigor científico.
“Eles vendem açúcar aos enfermos e os fazem acreditar que isso pode curá-los ou melhorar sua saúde. Isso já causou mortes e continuará a fazê-lo”, diz o manifesto dirigido de forma particular a órgãos reguladores da União Europeia sobre produtos terapêuticos alternativos aos medicamentos tradicionais.
Um problema que, dizem os signatários do documento, é replicado em qualquer lugar do mundo.
“Todas as regiões são vulneráveis, todos os países e todas as pessoas”, disse a epidemiologista chilena María Paz Bertoglia à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
“Muitas vezes existem regulamentações muito frouxas entre os países porque autorizações especiais são permitidas para alguns produtos que demonstram que não são tóxicos, mas que não demonstram eficácia”, acrescenta.
Os profissionais de saúde apontam a homeopatia, por exemplo, como a “pseudoterapia mais conhecida”, mas alertam que existem outras práticas “de medicina alternativa” que estão ganhando popularidade.
“Há muita ignorância sobre a homeopatia”, responde a diretora da associação civil Homeopatia do México, Rosario Sánchez Caballero, que afirma que, por trás desse tipo de manifesto, costuma haver “grandes interesses comerciais dos laboratórios farmacêuticos”.
O que o manifesto diz?
Além de considerar esses métodos como farsa, o manifesto alerta que tratamentos não comprovados cientificamente só atrasam o atendimento adequado aos pacientes. “Muitas vezes, quando chegam ao remédio, é tarde demais”.
“As pseudoterapias que nascem em um continente passam para outro com muita facilidade. Não conhecem fronteiras”, diz o biólogo Fernando Cervera, coordenador do manifesto.
“Se alguém quiser pensar que no passado essa medicina (alternativa) era eficaz, tem que perceber que há 100 anos a expectativa de vida não ultrapassava 30 ou 40 anos, e hoje vai de 70 para 80 anos. O acesso à medicina científica moderna é o que faz a diferença na duplicação da expectativa de vida”, alerta Cervera.
Contra ‘produtos milagrosos’
Para os signatários do manifesto, parte da responsabilidade pelo controle dos produtos para a saúde cabe aos órgãos reguladores, que acabam por permitir a comercialização de medicamentos alternativos em nível equivalente aos remédios com eficácia comprovada pela ciência.
Assinado em sua maioria por profissionais da Europa, além de 59 da América Latina, o manifesto apresenta uma dezena de casos de pessoas que morreram depois de recorrerem a tratamentos alternativos.
“Jacqueline Alderslade, 55, foi instruída por seu homeopata a interromper a medicação para asma. Ela morreu na Irlanda”, diz o documento.
Ele ressalta que só na Europa existem mais de 150 pseudoterapias, usadas por milhões de pessoas.
“Somente em um mundo onde consideramos que mentir para um paciente para obter seu dinheiro era ético, poderíamos permitir que a homeopatia, ou qualquer outra pseudo-terapia, continuasse a ser vendida aos cidadãos”, afirma o manifesto.
“Muitas vezes a gente vê produtos que servem para tudo, para centenas de doenças, mas que nunca foram testados pela ciência. Os regulamentos têm que ser mais claros. Precisam ser homologados pelo que é exigido de um medicamento comum, que tem que passar por regras mais rígidas. As pseudoterapias só precisam provar que não são tóxicas “, diz Bertoglia.
Cervera lembra que, no caso da Europa, as leis permitem que os produtos da homeopatia sejam comercializados como terapêuticos, “apesar de nenhum produto homeopático ter demonstrado eficácia”, e o mesmo ocorre com a oferta do biomagnetismo, as doses de MMS (Miracle Mineral Supplement, ou suplemento mineral milagroso, em português) e outros produtos.
“Eles usam o nome de ciência — por isso se chamam pseudociências — para vender um produto ao público e fazer as pessoas acreditarem que é ele cientificamente comprovado, que passou em todos os controles que um medicamento comum tem de passar, mas isso não é verdade”, alerta.
Sánchez Caballero, da Associação Civil de Homeopatia do México, diz que apontar homeopatia como pseudociência é falar com “ignorância”. Segundo ela, as certificações de homeopatia são reconhecidas pelos governos de cada país.
“Homeopata é uma profissão oficial no México e em outros países. Se o governo lhes dá caráter oficial, é porque a homeopatia tem se mostrado um medicamento sério e científico. Os médicos a rejeitam sem conhecimento”, afirma.
“Quando um medicamento homeopático é eficaz é porque obtemos os resultados depois de testes, em pessoas saudáveis, com um grupo controle. Então o testamos novamente e obtemos os mesmos resultados. Essa é uma das condições do método científico: a hipótese ser confirmada”, diz Sánchez Caballero.
No entanto, entidades governamentais de saúde, como o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, afirmam que “há poucas evidências para apoiar a homeopatia como um tratamento eficaz para qualquer condição de saúde específica”.
O órgão equivalente no Reino Unido tem postura semelhante: “Não há evidências de qualidade de que a homeopatia seja eficaz como tratamento para qualquer problema de saúde”.
O direito de escolha
O manifesto reconhece que os pacientes têm o direito de escolher o tipo de tratamento que desejam receber, seja na medicina convencional ou fora dela.
No entanto, ele rejeita o fato de haver promessas infundadas de cura e falta de ética de quem promove terapias não comprovadas cientificamente.
“Não estamos julgando os pacientes, muitas vezes eles ficam desesperados, porque têm um filho com uma doença gravíssima. O julgamento que fazemos é contra quem comercializa esses produtos, que devem ser regulamentados”, diz Bertoglia.
Do lado da homeopatia, porém, Sánchez Caballero garante que os credenciados nesse método costumam informar os pacientes quando não há possibilidade de cura. “Dizemos que vamos tentar, mas pode ser que não eles sejam curados. Isso é testado individualmente.”
“O paciente tem que checar para onde vai e se o médico (homeopata) tem um título e um certificado que lhe dê suporte”, acrescenta.
Bertoglia também reconhece que a confiança da população na medicina tradicional diminuiu nos últimos tempos.
“Também temos que fazer uma grande reflexão sobre por que as pessoas estão optando por usar esses produtos. Frequentemente, os médicos estão muito desconectados das necessidades da população. Precisamos construir mais pontes”, diz ele.
“Muitas vezes, quando alguém faz uso desses tratamentos ou pseudoterapias, a pessoa precisa é de alguém que a ouça, de alguém que a entenda, de uma relação mais próxima. E é sobre isso que temos que refletir”, completa.
Fonte: BBC News
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