As pessoas estão percebendo que não vamos ter um futuro sustentável e socialmente justo sem o apoio da ciência.
Ricardo Galvão
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Mais de três milhões de hectares já foram queimados na região do Pantanal desde julho deste ano. De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), essa é a maior tragédia causada pelo fogo na região. O Instituto também levantou outro alerta: durante o começo desse mês até a última segunda-feira (14) a Amazônia registrou mais focos de queimada do que todo o mês de setembro de 2019 — são 20.486 este ano e 19.925 no mês passado.
“Apesar do governo Bolsonaro, tem muitos grupos atuando na defesa do nosso meio ambiente, da Amazônia. Eu acredito que essa pressão nacional e internacional vai ter efeito, não vai ter como o governo resistir a isso. Vai chegar um momento que ele não vai poder ficar mais só nas palavras. Eu espero que ele mude. E tem uma coisa que eu acho que o governo Bolsonaro não vai fazer, mas deveria, que é exonerar o Ricardo Salles imediatamente. E escolher um ministro que pudesse fazer um trabalho muito melhor para o país”, opina o físico e engenheiro Ricardo Galvão, diretor do Inpe entre 2016 e 2019.
O Inpe é o principal responsável por monitorar e produzir dados sobre as queimadas em biomas brasileiros. Galvão foi exonerado do cargo ao defender a credibilidade do monitoramento realizado pelo Instituto — que trouxe a informação do aumento em 88% no desmatamento da Amazônia — após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vir a público afirmar que eram mentirosos. Bolsonaro, inclusive, chegou a acusar Galvão de estar “a serviço de alguma ONG”.
No mesmo ano, porém, o físico foi eleito pela consagrada revista científica “Nature” como um dos 10 cientistas que se destacaram em 2019. Agora, de volta à profissão que exerce desde a década de 1970, é professor do curso de pós-graduação em Física da USP (Universidade de São Paulo).
Nesta semana, Ricardo Galvão conversou com Ecoa sobre as queimadas que o país vem enfrentando há décadas e que nas últimas semanas tem destruído o Pantanal. Abordou também o trabalho do Inpe na divulgação de dados e produção científica que, para ele, transformou o país em um dos protagonistas quando o assunto era monitoramento e ações efetivas contra o desmatamento.
O quão difícil é trabalhar com a pasta ambiental no Brasil?
O principal trabalho do Inpe é o monitoramento do desmatamento em todos os biomas brasileiros e também as queimadas. O Instituto iniciou essa atividade em 1988. Foi a instituição pioneira no Brasil com uso de imagens de satélite para esse monitoramento. E isso sem ser pedido pelo governo, foi uma iniciativa dos próprios cientistas.
Com o andar dos trabalhos, o Inpe acabou criando um centro de estudos da Terra que não só se preocupa em monitorar o que acontece na Amazônia, mas também faz estudos do que pode acontecer no futuro, por exemplo, por causa do aquecimento global. Ele é responsável por fazer o atlas solar do Brasil — se alguém quer fazer alguma instalação de produção de energia solar, usa os dados do Inpe. Tem a SOS Mata Atlântica em que produz dados sobre desmatamento do bioma, entre outras coisas.
Temos visto diversos embates com governos por causa desses dados. O INPE está provendo dados sólidos, científicos que desagradam as autoridades. Que vai contra o que eles dizem. E essa é a parte difícil.
Isso não é só no Brasil, na história da ciência sempre aconteceu. Sempre aconteceu embate entre cientistas e governantes quando os dados desagradaram o que os governantes queriam. Então, torna-se difícil do ponto de vista político.
Mas é fácil do ponto de vista internacional de ciência. A ciência do Inpe é respeitadíssima no mundo todo. Para citar alguns exemplos, já em 2007, a revista “Science” publicou um comentário afirmando que o sistema produzido pelo Brasil, pelo Inpe e Ibama, mais precisamente, era de causar inveja. Era o melhor sistema disponível de monitoramento e ação para coibir o desmatamento na Amazônia. Alguns anos mais tarde, a revista “Nature”, quando o Brasil conseguiu decrescer o desmatamento de 27 mil km², em 2004, para pouco mais 4 mil km², em 2012, considerou esse o maior exemplo nos últimos 10 anos de preservação do meio ambiente.
E por que esses embates ocorrem?
Os embates ocorreram em ocasiões específicas, mas não continuamente. É sempre uma reação imediata de um governo quando chegam dados que não o agradam. O primeiro grande pico de desmatamento na Amazônia foi em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, só que ele agiu muito positivamente na mesma hora, com a criação das reservas legais, aumentando o número de reservas indígenas e reservas legais que é o que o Bolsonaro critica.
No governo Lula, em 2004, quando teve o segundo pico histórico de desmatamento, a Marina Silva era ministra do Meio Ambiente e solicitou ao Inpe que criasse o Deter, que dá alertas diários de desmatamento. O embate de 2008 com esse governo foi causado pelo governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, que foi rapidamente resolvido quando a ministra Marina organizou uma reunião em Brasília com ele, o presidente Lula, o diretor do Inpe e um representante do Ibama. Nessa reunião, ela fez uma proposta irrecusável. “Olha, então se o senhor governador está duvidando dos dados do Inpe, nós vamos fazer um sobrevoo nas áreas que o Instituto diz estarem sendo desmatadas”. Bastou fazer isso e o problema foi resolvido.
A diferença agora é que todos esses governos ao receber esses dados que os desagradaram, mas reagiram para fazer algo a respeito e melhorar a situação. Esse governo [atual] não; esse governo do Bolsonaro tem uma ideologia, uma agenda oculta, vamos dizer assim, de ser contra o controle do desmatamento. De ser contra o controle ambiental. E sobre esse ponto de vista, nós não podemos nem acusar o presidente Bolsonaro de mentir na campanha. Pelo contrário, era exatamente isso que ele propôs fazer. A culpa é nossa, do povo brasileiro, por ter votado em alguém que dizia que agiria contra a proteção do meio ambiente, que criticava os fiscais do Ibama, que disse que não daria mais nenhum centímetro de terra para os indígenas, e assim por diante.
Recentemente, em maio, os pesquisadores do Inpe publicaram um relatório espetacular sobre o crescimento do desmatamento da Amazônia, mostrando que teríamos um aumento de queimadas na região, e isso coincidiria com o pico de contaminação do coronavírus. Eles alertaram o governo que esses dois picos iam ter consequências sérias para a população, porque as queimadas aumentam as doenças pulmonares. Então, o que o governo fez? Ignorou simplesmente, e alguns dias depois o general Mourão disse que não havia queimadas, que não havia desmatamento. Eles desmentem o tempo todo os dados científicos.
Inclusive, recentemente, o vice-presidente Mourão, disse haver um “opositor do governo” dentro do Inpe por causa dos dados negativos sobre queimadas que o Instituto divulga. De alguma forma, isso coloca em xeque a credibilidade dos dados produzidos pelo instituto?
Não acho. Quando eu era diretor do Inpe, mandei diversos ofícios ao governo dizendo que o Instituto não passa os dados para ninguém, eles são disponíveis para qualquer pessoa acessar. E o governo, juntamente com o Ibama, tem acesso a esses dados uma semana antes da publicação. Eu avisei diversas vezes. E só ontem ele disse que agora sabe que os dados do Inpe são públicos, mas não teve a hombridade de pedir desculpas.
Esses ataques do governo não descredibilizam o Inpe. Pelo contrário, quando aconteceu aquele fato comigo, recebi apoio da Academia Brasileira de Ciências, de várias instituições nacionais e internacionais e o mais importante, que me deixa muito satisfeito, é que já no ano passado, quando reagi dizendo que os dados estavam corretos, nós tivemos vários cientistas internacionais verificando os dados do Inpe. Em particular, um conhecido cientista da Alemanha utilizando imagens dos satélites da Agência Espacial Europeia e refazendo os dados do desmatamento do Inpe, confirmando todos. A mesma coisa fez a Nasa (Agência Espacial Norte-Americana). Não tem jeito de o governo abalar o que o Inpe faz. E eu acredito que a sociedade percebe isso.
O vice-presidente também levantou a hipótese de comprar um satélite próprio, afirmando que “nós [o governo federal] temos que ter soberania na questão do domínio de satélites”. Isso de alguma forma preocupou o senhor? Ou essa medida, se colocada em prática poderia ajudar?
Esse satélite que ele quer comprar é um satélite que opera com um radar, e ele é importante porque pode ver o através das nuvens. O radar é muito diferente, ele manda uma onda eletromagnética que tem que ser refletida no solo, voltar ao radar, e depois exige um processamento computacional enorme. Mas do ponto de vista do Inpe, para os trabalhos do Inpe, esse satélite é completamente desnecessário. Os pesquisadores do Inpe são os melhores especialistas nacionais em análise de imagens e utilizam dados de satélites de radar, quando necessário.
Esse é outro problema do governo: este satélite possui uma banda de frequência que não é a mais apropriada para ver desmatamento, é uma banda apropriada para aplicações militares. Aliás, é definida especificamente para isso, para aplicações militares.
Outra coisa: ora, por que ele está comprando isso quando poderia, inclusive, ter desenvolvido no Brasil? Porque o Inpe, na minha gestão no ano passado, fez um grupo de trabalho com a aeronáutica para projetar um satélite de radar que fosse útil para monitoramento da Amazônia e para aplicações militares, trabalhando em uma banda mais apropriada. Foi elaborado um relatório imenso detalhando o projeto. Então o governo, em vez de dar continuidade a esse trabalho e investir em algo que seria construído no Brasil, resolve comprar um satélite desse.
Esse satélite, por exemplo, é útil para os militares realizarem a vigilância da Amazônia, das fronteiras. Só que eles enganam dizendo que estão comprando para melhorar o serviço do Inpe. Eles deveriam ter hombridade em dizer que estão comprando esse novo satélite para melhorar a vigilância das nossas fronteiras, mas não fazem assim. Eles justificam uma compra que sabem que teria muita crítica, porque estão utilizando recursos da Lava Jato que deveriam ser aplicados na questão de meio ambiente e mudanças climáticas, para comprar um satélite que, na verdade, será usado para aplicações militares. Não vai ter nenhum efeito. Talvez tenha para os militares, para o general Mourão poder monitorar a população de mico-leão dourado na Amazônia que ele acha que tem lá.
O senhor falou um pouco do trabalho que o Inpe desempenha e gostaria de voltar nesse assunto. Qual a importância de termos um Instituto assim no país?
O Inpe é uma instituição muito importante. Foi criado, inclusive, por um militar, o doutor Fernando de Mendonça, que estudava em Stanford, logo quando começou a corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética. E ele percebeu que as aplicações de satélite teriam importância enorme para o país no futuro. Então, foi quando resolveu criar o Inpe, como uma instituição civil. Não que fosse contrário às aplicações de satélite para ações militares, mas ele tinha um receio que se o Inpe estivesse sob domínio militar, as aplicações civis seriam colocadas em segundo plano.Só para dar um exemplo, nas décadas de 1960 e 1970, a meteorologia no país era muito ruim. Era muito difícil fazer previsões meteorológicas para mais de cinco horas. E elas são importantíssima para a indústria, agricultura, a Marinha…
Uma das coisas que saiu do Inpe é o CPETEC, que é o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, usado por toda sociedade brasileira até hoje. Na década de 1970, foi quando os Estados Unidos lançaram o satélite Landsat, para monitoramento da Terra. Imediatamente, o Fernando Mendonça viu a importância disso, e o Brasil se tornou membro colaborador do satélite. O Inpe trabalhou para desenvolver os métodos de análise de imagem produzida por ele. As reuniões que tinham sobre o Landsat, só participavam, Estados Unidos, Canadá e Brasil. Talvez as pessoas não saibam desse protagonismo do Brasil.
Com isso, o Inpe foi evoluindo e começou a desenvolver os satélites nacionais. Todos os satélites que foram produzidos no Brasil foram desenvolvidos pelo Inpe. O Instituto tem uma engenheira espacial de altíssimo nível. Tudo isso e mais muita coisa deu um prestígio enorme para o Brasil e a ciência brasileira em âmbito internacional.
Falando em ciência brasileira, nesta pandemia, a ciência ganhou um certo espaço na vida das pessoas. O senhor acredita que entendemos melhor o papel e a importância da ciência?
Acredito que sim. Nós precisamos trabalhar mais com a divulgação científica, mas é claro que o cidadão comum passou a entender melhor a importância da ciência. Inclusive, por causa das falas do presidente Bolsonaro, embora negativas. Ele contestou tanto que chamou a atenção das pessoas para isso. O grande problema continua sendo o negacionismo. Mas acredito que a população esteja muito mais aberta. Nas palestras que tenho dado, por exemplo, tem se repetido muito uma coisa que me deixa muito emocionado.
Depois que tive o embate com o presidente, muitas pessoas me paravam na rua para falar comigo. Um dia, uma senhora veio com o celular na mão e me disse: “professor, eu quero agradecer o senhor pelo que aconteceu, porque, para mim, que sou paulistana, a Amazônia era uma floresta no norte do país que nada tinha a ver com minha vida”. Aí ela contou que depois daquele episódio, começou a ler mais sobre mudança climática, sobre Amazônia e criou grupos nas redes sociais para mostrar para nossos políticos que a população se interessa pelo controle de nossos biomas.
O senhor falou sobre negacionismo, acredita que essa onda de pessoas negando as mudanças climáticas e as queimadas é uma maneira de não deixar o debate propositivo sobre essas questões avançar?
Tem certamente relação. Esse negacionismo é diferente do que chamávamos de obscurantismo no passado, que era causado principalmente por posições religiosas extremistas. Hoje temos esse obscurantismo que tenta negar dados e resultados científicos que incomodam a situação de conforto que a pessoa está. Desde o começo da revolução industrial até agora, nós tivemos um desenvolvimento econômico enorme no mundo. Mas baseado em quê? Especialmente em uma exploração predatória dos recursos naturais. Ninguém imaginava que a nossa mãe terra e seus recursos seriam finitos.
Muita gente ficou em uma posição muito confortável em relação a isso, e quando vem o discurso de que isso não pode, acaba os incomodando.
E como o senhor tem visto a atuação do Brasil em relação às mudanças climáticas?
O Brasil, até um pouco antes desse governo, tinha uma política muito bem estabelecida de coibir desmatamento ilegal, de controle de fogo etc. Infelizmente, começou a decair no governo Dilma, mas claramente piorou nesse governo de hoje. Essa promessa do Brasil no Acordo de Paris, com as propostas que o país fez voluntariamente para colaborar para diminuir a quantidade de gás carbônico que produz e de manter o desmatamento na Amazônia em menos de 4 km², nós não vamos cumprir. Essa meta está em dois decretos brasileiros e nós não vamos cumprir. O que falhou na política brasileira nesse ponto foi em na questão do incentivo ao desenvolvimento sustentável, principalmente na Amazônia. Tem cerca de 30 milhões de pessoas na Amazônia que precisam ter uma opção econômica viável. Só que existem muitas dessas opções que são sustentáveis.
Grande exemplo é o do açaí. Um hectare do açaí, economicamente falando, rende dez vezes mais do que com plantação de soja. Mas veja, a maior parte dos produtos de açaí que compramos quando viajamos pelo exterior, não são produzidos no Brasil, são produzidos na Califórnia.
O governo e grande parte dos nossos empresários têm uma visão muito míope sobre isso. Pouquíssimos resolveram investir na economia sustentável.
E, professor, o senhor acredita que as soluções para reduzir o desmatamento e as queimadas já estão dadas? A ciência já nos deu respostas eficientes para controlar esses problemas?
Tem indicativos. Primeiro, coibir o desmatamento, a queimada, reduzir gases de efeito estufa. Isso já está dado, está em decreto aprovado. O governo teria simplesmente que cumpri-lo. Quando tive um debate forte com o ministro Ricardo Salles, ele me falou que o governo anterior não tinha feito algo sustentável. E eu o informei que tinha um grande livro produzido pelo governo de 2008, ainda na gestão da ministra do meio ambiente Marina Silva, detalhando estratégias para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
É verdade que os governos anteriores, não fizeram, especialmente nem a Dilma nem o Temer. Mas tem muitos trabalhos publicados sobre isso. Falei que, se ele critica quem não fez e tem interesse em pensar o desenvolvimento da Amazônia, poderia trazer para o governo um plano baseado nesses trabalhos anteriores. Ele me respondeu dizendo que os trabalhos não serviam para nada porque foram feitos por uma elite de esquerda. Então, sobre o ponto de vista de controle, está tudo determinado.
Esse governo tem uma formação muito fraca. Eles têm, infelizmente, o que chamo de ignorância autoritária. Se o ministro Ernesto de Araújo, antes mesmo de entrar no governo, disse que essa questão de mudança climática é um complô marxista, que não existe aquecimento global porque ele fez uma viagem para a Itália no verão e estava fazendo frio, se ele tem a coragem de dizer isso em público, que é de uma imbecilidade estupenda, o que a gente pode esperar?
Ricardo Galvão, sobre soluções não serem colocadas em prática
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Estamos assistimos às queimadas na Amazônia e agora o fogo tem destruído o Pantanal. Por que os biomas brasileiros sempre estão queimando?
Porque as pessoas colocam fogo. A Amazônia é uma mata úmida. Não é fácil de pegar fogo na Amazônia. No Pantanal, mais ou menos. Na Amazônia, elas queimam porque são desmatadas primeiro, derrubadas, e aí vale falar que quase 35% do desmatamento lá é feito em terra pública para grilagem. Então, repito: as matas brasileiras queimam porque as pessoas colocam fogo nelas.
Teve, claro, o discurso do presidente Bolsonaro que incentivou. Mas, infelizmente, o brasileiro tem essa cultura. É muito comum uma pessoa ver um mato seco e colocar fogo. É algo cultural que devemos mudar com, inclusive, uma ação governamental muito forte contra isso. Agora, na Amazônia a situação é mais complexa. O que aconteceu? Em meados da década de 1970, o governo militar tinha preocupação muito grande com a ocupação da Amazônia por estrangeiros. Criticava missionários, achava que havia grande interesse dos americanos de ocupar o local devido às grandes riquezas minerais.
Então, o governo começa a falar que a melhor forma de proteger a Amazônia seria a ocupando eles mesmos. Mas como isso foi feito? Tem uma frase muito importante de um general da época que foi a seguinte: “a ocupação da Amazônia vai seguir a pata do boi”. E aí começa a se desmatar para o boi ocupar as terras.
Muito da ocupação da Amazônia ainda tem essa mentalidade. Primeiro, as pessoas desmatam e tacam fogo para conseguir colocar o gado. Um gado com rentabilidade muito pequena. Mas eles colocam para que a ocupação da Amazônia siga a pata do gado. Então, tem vários aspectos diferentes. Você vê que na Mata Atlântica o desmatamento é pelo interesse de empreendedores imobiliários. Existe esse problema bastante complexo no país e cada lugar tem que ser analisado com suas características próprias.
Sobre as queimadas no Pantanal, como o senhor tem visto a atuação do governo para tentar contê-las?
Até agora: sem nenhum êxito. Completamente mal feito. Esse é um período de muita seca no Pantanal. O que complicou ainda mais a situação do Pantanal agora foi o desmonte do Ibama e do ICMBio. O ministro Ricardo Salles quando entrou demitiu um grande número de pessoas. Muitos coordenadores estaduais foram demitidos. Em alguns casos, não colocaram ninguém no lugar e, em outros, quando colocaram, a pessoa não era especialista, era algum militar. Pessoas que podem ser até bem-intencionadas, mas não tem qualquer competência para fazer aquilo. O desmonte do Ibama foi enorme, e o próprio ministro dizia que o órgão só servia para aplicar multas, seguindo o conselho do Bolsonaro. O ministro Ricardo Salles sempre dá desculpas. Ele é especialista em dar desculpas. Não está marcado no coração dele a necessidade de preservar o meio ambiente.
O senhor consegue medir o prejuízo que o país tem com esse desmonte do meio ambiente? O que ele significa?
É difícil dizer. Acredito que já estamos vendo o prejuízo desse desmatamento, mas o pior vem mais tarde. Essas questões ambientais não são imediatas. Por exemplo, a Amazônia é responsável por todo o regime de chuvas do Brasil até o norte da Argentina. Todas as nossas hidrelétricas e a nossa agricultura dependem fortemente da água da Amazônia. Só que isso vai ser mensurado em anos. Por isso a população tem uma certa dificuldade em perceber isso.
Nós somos seres ansiosos, ficamos perguntando: “qual a consequência imediata?”, não é assim. A pessoa não pode ser míope, ela tem que ter uma visão a longo prazo.
Professor, de alguma forma, o senhor acredita ser possível reverter essa situação no Brasil?
Olha, eu quero trazer uma mensagem de esperança aqui agora. Apesar do governo Bolsonaro, muitos grupos atuando na defesa do nosso meio ambiente, da Amazônia. Eu acredito que essa pressão nacional e internacional vai ter efeito, não vai ter como o governo resistir a isso. Vai chegar um momento que ele não vai poder ficar mais só nas palavras. Eu espero que ele mude. E tem uma coisa que eu acho que o governo Bolsonaro não vai fazer, mas deveria, que é exonerar o Ricardo Salles imediatamente. E escolher um ministro que pudesse fazer um trabalho muito melhor para o país.
Fonte: UOL
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