Paulo R. Haddad(*)
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A atual gestão do Governo Federal questiona a qualidade técnica das informações sobre a intensidade dos desmatamentos e das mudanças […] permitindo o avanço da ação antrópica predatória sobre a Amazônia. E não há sinais no horizonte de curto prazo que a situação irá melhorar. Ao contrário.
As políticas públicas ambientais passam por um processo de desconstrução na atual administração do Governo Federal. Há dois grandes motivos para a ocorrência desse processo: um de natureza econômica e outro de natureza política, embora esses motivos estejam integrados e sejam interdependentes. Consideremos, como ilustração, os desmatamentos na Amazônia, a partir do início de 2019.
O valor econômico total de uma floresta tropical como a Amazônia se estima pelo seu valor de uso e pelo seu valor de não uso. O valor de uso da floresta tropical inclui usos de madeira e não madeira (frutas, castanhas, resinas, plantas genéticas, etc.). Não é difícil entender que um imenso número de madeireiros, agricultores, grandes produtores de grãos e de carnes vejam a floresta amazônica apenas sob a ótica do seu valor de uso direto, como um mega-almoxarifado de recursos ambientais de acesso livre, onde vão pilhar, quase sempre de forma predatória, madeiras de lei, fertilidade do solo pós-desmatamento, plantas medicinais, etc., para a sua subsistência ou para fazer bons negócios.
Funções ecológicas têm valor econômico
O valor de não uso da floresta tropical corresponde à sua preservação e conservação com base nas funções ecológicas, tais como: os impactos dos desmatamentos sobre a proteção das bacias hidrográficas e sobre a produtividade dos sistemas produtivos agropecuários, sobre a filtragem das águas, sobre os complexos ciclos de nutrientes importantes para o solo, a água e a atmosfera, sobre o efeito estufa e o ciclo do carbono, etc. Mesmo que não tenham preços de mercado, as funções ecológicas têm valor econômico para a sociedade.
Do ponto de vista político-ideológico, a tolerância oficial (quando não indutora) com processos de destruição dos ativos e serviços ambientais da Amazônia fica mais evidente quando nos referimos à obra de Barry Eichengreen, historiador econômico da Universidade da Califórnia (Stanford) que analisou a tentação populista nos EE.UU. e na Europa, desde o século XIX até as correntes atuais, incluindo o Brexit e o Governo Trump.
Experiências políticas do populismo
Destacamos em sua análise das experiências políticas do populismo, cinco características que podem explicar a postura do Governo Federal face ao avanço da pirataria ambiental na Amazônia: 1. As políticas econômicas típicas de líderes populistas autoritários são danosas e destrutivas e os seus impactos sobre as instituições são corrosivos; 2. As atitudes que esses líderes estimulam têm a capacidade de provocar o que há de pior entre os seus seguidores; 3. O populismo arregimenta a população contra a informação e o conhecimento científicos; 4. O populismo é divisivo e provoca, recorrentemente, desacordos e tensões entre interesses conflitantes na sociedade; 5. O populismo floresce em contextos de fraco desempenho da economia, desigualdades sociais e regionais profundas, mobilidade social declinante e precário campo de oportunidades para as novas gerações.
Assim, a atual gestão do Governo Federal questiona a qualidade técnica das informações sobre a intensidade dos desmatamentos e das mudanças, enfraquecendo internamente as instituições de comando e controle das ações antiambientais, permitindo o avanço da ação antrópica predatória sobre a Amazônia. E não há sinais no horizonte de curto prazo que a situação irá melhorar. Ao contrário.
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