É necessário, mais do que nunca, cultivarmos a coragem, que Raquel de Queiroz descreveu bem na sua obra “Memorial de Maria Moura”: “Eu vou lá morro e pronto, se não for, morrerei muito mais”.
Gina Moraes(*)
Num trabalho corajoso e emblemático, o Consultor de Relações Institucionais do Centro da Indústria do Amazonas, Saleh Hamdeh, fez um minucioso levantamento do volume de recursos pagos pelas indústrias da Zona Franca de Manaus nos últimos nove anos, sob a letra de Fundos e Contribuições, para interiorização do desenvolvimento econômico e social, e, ainda, para expansão de micro e pequenas empresas e funcionamento integral da Universidade do Estado do Amazonas. Ao todo, foram R$11,5 bilhões, valor suficiente para fazer revoluções socioeconômicas, tecnológicas e científicas na construção de um novo patamar de Desenvolvimento Humano.
Mas não foi isso que ocorreu no período. O perfil sanitário, educacional e socioeconômico da população do Amazonas é absurdamente inaceitável. E mais: as indústrias que aqui atuam e respondem por 80% da roda da economia estadual pagam as taxas portuárias mais caras do país, não dispõem de porto público e têm serviços de energia, comunicação e logística com as taxas mais extorsivas em comparação com outras plantas industriais.
Infraestrutura que nos envergonha
Após 50 anos, ainda não temos estradas para escoamento de nossa produção, infraestrutura que nos envergonha, vias do Polo Industrial, que lembram todos os dias quão incompetentes e acomodados nos tornamos. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um dos piores do País, nossas águas que tornaram-se esgoto a céu aberto, as esquinas apinhadas de crianças molestadas e abusadas de todas as formas; a situação da saúde no Amazonas é campeã das primeiras páginas criminais do mundo afora,=; as entidades de classes nadam ao sabor da maré, sem perceberem que estamos mais afundados na sujeira que alimentamos com nossa ignorância.
Mas nem tudo está perdido. Semana passada, o Governo Federal publicou o Edital do asfaltamento de parte da BR-319 e, assim, passamos, agora, a alimentar o sonho de fazer “parte” do Brasil.
O Senado aprovou também o Projeto de Lei n. 4.162/2019, o novo marco com, no mínimo, 30 anos de atraso, notícia que traz esperança a um País, onde, anualmente, 15 mil pessoas morrem e 350 mil são internadas devido a doenças ligadas à precariedade do saneamento básico.Além disso, cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada e metade da população não tem serviços de coleta de esgoto. Quantas mortes poderiam ter sido evitadas!
Coragem
É necessário, mais do que nunca, cultivarmos a coragem, que Raquel de Queiroz descreveu bem na sua obra “Memorial de Maria Moura”: “Eu vou lá morro e pronto, se não for, morrerei muito mais”.
Não nos compete exercer o papel de juiz, mesmo abominando a omissão de alguns procuradores e magistrados. Entretanto, não nos podemos limitar-nos a lastimar as negligências e conivências com tantos ilícitos. Lastimável! Também é bom saber que, quem frequenta as páginas policiais da imprensa por prevaricação, outrora estava na lista dos candidatos escolhidos pelo contingente eleitoral para representar-nos, ou seja, somos parte dessa trama, portanto, corresponsáveis pela corrupção. E, enquanto não nos mobilizarmos quanto a participação na vida política, desde o lar e dos primeiros anos de escola, esse filme de terror será reprisado dia após dia.
Para encerrar, cabe aqui a manifestação de um estadista, que também era poeta. José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, que, sem conhecer a paisagem socioeconômica do Amazonas, profetizou sua mais perversa tradução: “A maior corrupção se acha onde a maior pobreza está ao lado da maior riqueza.”
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