“Uma das características das crises econômicas é que, nas suas entranhas, ocorre, quase sempre, um tenso processo de concentração de renda e de riqueza e o aumento das desigualdades sociais, um verdadeiro jogo de soma zero no conflito distributivo.”
Paulo Roberto Haddad
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Um jogo de soma zero se refere a jogos em que o ganho de um jogador representa necessariamente a perda para o outro jogador. Uma ilustração: em 1908, Vilfredo Pareto afirmou que, quando uma economia está estagnada ou em recessão, um grupo social não pode enriquecer sem que outro empobreça. Uma das características das crises econômicas é que, nas suas entranhas, ocorre, quase sempre, um tenso processo de concentração de renda e de riqueza e o aumento das desigualdades sociais, um verdadeiro jogo de soma zero no conflito distributivo.
Desde 2014, o crescimento do PIB per capita do Brasil tem apresentado valores inexpressivos. No ano passado, foi de 0,3 %. As políticas econômicas passaram a se configurar como uma difícil arte de não crescer num país que tem uma longa história de crescimento e grandes potencialidades para arquitetar novos ciclos de expansão.
Entretanto, no jogo atual em que a economia está recessiva, com mais de 30 milhões de brasileiros sem ocupação e elevada concentração de renda e de riqueza, o que está acontecendo com os economicamente marginalizados e os socialmente excluídos? Diversas pesquisas realizadas recentemente têm demonstrado que as suas perdas e danos não se limitam à dimensão econômica de sua sobrevivência.
Em livro publicado no início deste ano, Anne Case e Angus Deaton, Prêmio Nobel de Economia de 2015, investigaram a expansão vertiginosa das diferentes causas de mortes, as quais denominam “mortes de desespero”: suicídios, overdoses e alcoolismo. Analisaram, principalmente, o grupo de renda média na faixa etária de 45 a 54 anos da população branca dos EE.UU., dividindo-o por nível de educação. O subgrupo com menor nível de educação perdeu, entre 1979 e 2017, 13 por cento de seu poder de compra, sendo que os salários dos trabalhadores norte-americanos ficaram estagnados durante meio século. Empregos não são apenas a fonte de renda e de projetos profissionais, mas a base de rituais, costumes, rotinas e hábitos de consumo da vida dos trabalhadores, os valores culturais que contribuem para o seu equilíbrio emocional.
No livro, os autores consideram que o EE.UU. estão experimentando uma verdadeira catástrofe através das mortes de desespero entre aqueles que não têm curso superior ou nível de especialização apropriada para os processos e as tecnologias das novas revoluções industriais. Os seus empregos foram substituídos pelas importações de outros países (principalmente da China) ou pela automação robótica nas fábricas. Com a saúde abalada, esse grupo social se encontra diante do pior sistema de saúde pública entre todos os países mais ricos do Mundo, ao qual podemos contrapor o nosso SUS que tem demonstrado, apesar de inúmeras dificuldades financeiras e organizacionais, excelente desempenho institucional na pandemia do coronavírus.
No caso brasileiro, os fatores que têm determinado o desemprego, o desalento e o empobrecimento de quase 30 milhões de trabalhadores formais e informais são diferenciados, mas o seu nível de estresse emocional e psíquico é igualmente dramático. Assim, é muito importante estar atento às reações psicológicas desses trabalhadores e ao seu eventual desespero e, ao mesmo tempo, promover o fortalecimento da atuação de psicólogos na Atenção Básica do SUS. Como dizia John Steinbeck: “Uma alma triste pode te matar mais rapidamente do que um germe”.
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