Com tantas discussões sobre Amazônia ocorrendo mundo afora, gostaria de resgatar uma das mais relevantes vozes que já falou da região que parece especialmente importante neste momento. O Prof. Samuel Benchimol, em preparação à Rio-92, redigiu esse belíssimo texto. Inspirado pelos “Estatutos do Homem” do poeta de Barreirinha, Thiago de Mello, ele redigiu o “Estatuto do Amazônida”.
Por Denis Minev
Considerando a importância da Amazônia Brasileira pela sua grandeza continental, peculiaridade geo-regional e extensão de sua bacia hidrográfica;
Pensando na extrema variedade e complexidade dos seus ecossistemas florestais e na grande biodiversidade de suas espécies;
Enfatizando o rico potencial de suas várzeas, igapós, terras firmes, campos e cerrados e os seus complexos ecossistemas florestais;
Relembrando o enorme potencial de seu sistema fluvial para aproveitamento energético, de transporte e navegação;
Recordando a abundância e variedade de seus recursos minerais, sua importância para a metalurgia e sua contribuição para a balança de pagamentos do país;
Examinando as recentes descobertas de hidrocarbonetos, petróleo e gás natural e suas grandes perspectivas de seu aproveitamento petroquímico e energético;
Registrando as conquistas já alcançadas no campo industrial, pela criação de pólos avançados e produção de bens e serviços, no campo agrícola com as culturas de subsistência e matérias-primas e nas áreas próprias de criação da pecuária bovina, bufalina e criatório em geral;
Rememorando o potencial de seus inúmeros pesqueiros de água doce, salobra e salgada e a riqueza que essa diversidade representa para a piscicultura e para a produção de alimentos;
Analisando a importância das populações nativas de índios, caboclos e nordestinos, que constituem a base de nossa formação histórica e humana;
Observando a riqueza cultural dessa pluralidade cultural e étnica, cuja integridade devemos preservar por meio da manutenção de sua identidade e integração à sociedade nacional;
Auscultando a necessidade da educação em todos os níveis, da qualificação profissional, universitária e dos institutos de ciência, pesquisa, tecnologia e extensão;
Verificando que a cosmovisão da Amazônia Continental mostra que ela representa a vigésima parte da superfície terrestre; um quinto das disponibilidades mundiais de água doce; um terço das reservas mundiais de florestas latifoliadas; um décimo do biota universal; um quarto do volume mundial de carbono armazenado na sua biomassa vegetal; mais da metade do potencial hidrelétrico e gás natural do Brasil e dos minérios de ferro, bauxita, manganês, cassiterita, caulim, ouro, potássio e outros; quatro décimos da superfície da América do Sul; três quintos do Brasil e apenas quatro milésimos da população mundial.
Levando em conta essa realidade e amparado em toda uma vida consagrada ao estudo deste pedaço do Brasil, lanço aqui o Estatuto do Amazônida:
Todo Amazônida tem direito:
Ao pleno uso, gozo e fruição dos seus recursos naturais existentes na área, desde que o faça de modo não destrutivo. Fica estabelecido o seu direito à subsistência, liberdade de escolha, livre iniciativa, trabalho produtivo e justiça social, e resguardada a sobrevivência das gerações futuras e ao convívio harmonioso com a natureza;
A uma existência digna livre de quaisquer constrangimentos, injustiças e outras formas coercitivas que limitem o exercício de seus direitos de cidadania;
De usufruir os produtos da floresta, cuja venda, a preços justos, lhe permita um padrão de vida digno;
De utilizar os recursos pesqueiros de forma auto-sustentada, para garantir a alimentação de sua família, a elevação de seu padrão de vida e o exercício de atividade empresarial;
Nas zonas apropriadas, de se beneficiar dos seus bens minerais existentes na região, dos recursos hídricos para transporte e geração de energia elétrica, do uso de terras para fins agrícolas e para formação de campos de criação;
Todo Amazônida tem o dever:
De proteger os recursos naturais florestais, hídricos e terrestres de forma a garantir o desenvolvimento econômico e social equilibrado, conservando-os e preservando-os para as gerações atuais e futuras;
De resguardar as florestas naturais, parques nacionais, estações ecológicas, reservas biológicas, santuários da vida silvestres, monumentos cênicos e sítios arqueológicos;
De exigir proteção às populações indígenas, assegurando-lhes a demarcação e posse de suas terras e manutenção de sua identidade cultural;
De lutar pelos seus direitos à saúde, educação, transporte, obras de infra-estrutura que permitam o desenvolvimento individual e de suas comunidades;
De reagir contra toda e qualquer forma de intervenção internacional que implique o constrangimento à soberania brasileira, sem embargo ao reconhecimento à cooperação internacional legítima e bem intencionada, para promoção de defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Rio de Janeiro, junho 1992 – Conferência
Biografia:
Samuel Isaac Benchimol (Manaus, 13 de julho de 1923 – Manaus, 7 de maio de 2002) um economista, cientista e professor brasileiro de ascendência judia-marroquina.
É considerado um dos principais especialistas da região amazônica. Contribuiu no estudo de aspectos sociais no domínio da economia da região da Amazónia, aprofundando questões sobre o desenvolvimento sustentável da bacia do rio Amazonas. Publicou mais de cem artigos e livros sobre estes assuntos. O governo brasileiro instituiu o prêmio Benchimol em sua homenagem, o qual é anualmente atribuído em três categorias para as primeiras três pessoas que tenham contribuído de forma substancial para o entendimento da região da Amazônia.
É considerado um dos principais especialistas da região amazônica. Contribuiu no estudo de aspectos sociais no domínio da economia da região da Amazónia, aprofundando questões sobre o desenvolvimento sustentável da bacia do rio Amazonas. Publicou mais de cem artigos e livros sobre estes assuntos. O governo brasileiro instituiu o prêmio Benchimol em sua homenagem, o qual é anualmente atribuído em três categorias para as primeiras três pessoas que tenham contribuído de forma substancial para o entendimento da região da Amazônia.
Lecionava Introdução à Amazônia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O novo prédio da administração da Faculdade de Direito da UFAM, na cidade de Manaus, hoje leva seu nome, assim como o prédio da Escola Superior de Artes e Turismo daUniversidade do Estado do Amazonas (UEA), localizada na Avenida Leonardo Malcher, na Praça 14 de Janeiro, Zona Sul de Manaus.
Algumas Obras . BENCHIMOL, Samuel Isaac. Zênite ecológico e Nadir econômico-social: Análises e propostas para o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Manaus: Valer, 2001.
- ______. Amazônia: a guerra na floresta. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1992.
- ______ . Eretz Amazônia – os Judeus na Amazônia. Editora Valer. Ano 1998.
- ______. Desenvolvimento Sustentável da Amazônia: Cenário, perspectivas e indicadores. Manaus: Valer, 2002.
- ______. Problemas de Desenvolvimento Econômico: com especial referência ao caso amazônico. Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1957.
- ______. Pólos de Crescimento e Desenvolvimento Econômico. Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1965.
- ______. Estrutura Geo-social e econômica da Amazônia. 1º volume. Série Euclides da Cunha. Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 1966.
- ______. Tendências, Perspectivas e Mudanças na Economia e na Sociedade Amazônicas. Manaus: Valer: 1980.
- ______. Amazônia Fiscal, uma análise da arrecadação tributária e seus efeitos sobre o desenvolvimento regional. Manaus: ISEA (Instituto Superior de Estudos da Amazônia), 1988.
- ______. Amazônia: Ecologia e Desenvolvimento. In: Encontro dos Empresários da Amazônia, Manaus, 1989.
- ______. Amazônia: Planetarização e Moratória Ecológica. São Paulo: Edição Universidade Paulista – Cered, 1989, 144p.
- ______. O imposto Internacional Ambiental e a Poluição Nacional Bruta. Manaus: Edição Universidade do Amazonas, 1990.
- ______. O Homem e o Rio na Amazônia: uma abordagem ecossociológica. Trabalho apresentado ao 48º Congresso Internacional de Americanistas, Stockholm: Edição xerox, 1994. 8 p.
- ______. Os Índios e os Caboclos na Amazônia: Uma herança cultural-antropológica. Trabalho apresentado ao 48º Congresso Internacional de Americanistas, Stockholm: Edição xerox, 1994, 13 p.
- ______. Esboço de uma política e estratégia para a Amazônia. Manaus: Edição xerox, 1994, 27 p.
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