A Amazônia tem potencial para ser o “Vale do Silício” do Brasil, com cadeias produtivas voltadas para a inovação e a chamada bioeconomia, a economia baseada na biodiversidade. Para isso, será preciso combinar uma estratégia de valorização da floresta em pé e dos serviços ecossistêmicos com políticas públicas de longo prazo para frear o desmatamento ilegal e assegurar a continuidade da pesquisa científica na região.
Essas foram as principais conclusões da live “Inovação Verde”, produzida pelo Estúdio Folha em parceria com a Natura, realizada no dia 14 de setembro. Do evento, participaram Ima Vieira, ecóloga e pesquisadora do Museu Goeldi, João Paulo Ferreira, CEO da Natura &Co América Latina, e o arqueólogo e pesquisador Eduardo Neves, que atua na região há 30 anos.
Houve consenso entre os debatedores de que a coordenação de esforços entre empresas, centros de pesquisa, sociedade civil e governo será necessária para destravar essa questão e colocar o Brasil na liderança da economia do século 21.
Ima Vieira apontou uma grande contradição no trato com a Amazônia. Segundo ela, apesar de estar no centro das atenções do mundo, a região está na periferia dos interesses do Brasil, premida entre um modelo desenvolvimentista que privilegia atividades com potencial predatório, como a mineração e a construção de grandes projetos de geração de energia.
Mas há outros modelos de desenvolvimento para a região, mais baseados em premissas socioambientais e uso sustentável da biodiversidade, que podem gerar receita para as populações locais. Por exemplo, em 2018, as atividades ligadas aos produtos da biodiversidade amazônica, sendo o açaí e a castanha os principais expoentes, renderam US$ 1,6 bilhão para a economia brasileira.
Apesar dos impactos econômicos positivos, esse modelo foi abandonado pelas políticas públicas, na avaliação da pesquisadora. “Há uma razão simples para que não tenha havido uma expansão dos produtos da biodiversidade da Amazônia no mercado: não houve ciência suficiente para desenvolver essas cadeias, como ocorreu com a soja e o dendê, que tiveram desenvolvimento de tecnologia atrelado à produção.”
Há cadeias de valor com arranjos industriais baseadas na economia da floresta que estão crescendo rapidamente, mas será preciso investir mais para que haja um salto na escala dessas iniciativas. Além disso, a falta de incentivo à pesquisa na Amazônia prejudica setores que potencialmente se beneficiaram da biodiversidade da região, tais como a indústria farmacêutica, alimentícia e de cosméticos.
Mesmo assim, estados estão tentando mudar esse cenário, com iniciativas de fomento a startups de base tecnológica e biotecnológica.
No Amazonas, já são mais de 60 empresas incubadas, que desenvolvem produtos e soluções para a bioindústria. “O conhecimento científico deve ser produzido na Amazônia para ser utilizado na região. Mas temos que dar um salto”, afirmou Ima.
INSPIRAÇÃO
João Paulo Ferreira, CEO da Natura &Co América Latina, espera que a experiência da Natura na construção de cadeias produtivas baseadas na exploração sustentável da biodiversidade na Amazônia sirva de inspiração para outros setores. Há 20 anos, desde o lançamento de sua linha de produtos Ekos, a empresa atua na Amazônia e estabeleceu relações sociais e de pesquisa com comunidades extrativistas. A marca foi criada com a missão de conectar a ciência e a natureza para desenvolver cosméticos de alta performance e, ao mesmo tempo, conservar a Amazônia e os conhecimentos da floresta e das populações que vivem nela.
O desafio é fazer com que as experiências bem-sucedidas ganhem escala. Para isso será necessário que empresas de diferentes segmentos, pesquisadores e fundos interessados em investir na bioeconomia da Amazônia se unam em um projeto de longo prazo. “Por que não articulamos os interesses de setores distintos para capturar esses fundos e desenvolver o ‘Vale do Silício’ da Amazônia?”, sugeriu Ferreira.
O Vale do Silício está localizado na Califórnia (EUA) e ficou mundialmente conhecido por abrigar startups e grandes empresas globais que investem constantemente em inovação e tecnologia.
Ainda de acordo com Ferreira, esse modelo, se aplicado na Amazônia, poderia engajar setores como ecoturismo, pesca, biotecnologia, indústria farmacêutica e alimentícia e startups de base tecnológica, entre outros, além de institutos de pesquisa que já têm atuação na região.
“Ainda estamos presos no falso debate sobre preservação e prosperidade, deixando de atacar o desmatamento ilegal e de valorizar os serviços ecossistêmicos da floresta”, disse Ferreira.
POLÍTICAS PÚBLICAS
O desafio de integrar a economia de mercado e o modo de vida das populações tradicionais da floresta, embora complexo, encontra eco no passado e na forma como os primeiros habitantes ocuparam a Amazônia. “Existe um falso dilema de que região tem de ser esvaziada para ser protegida. Mas encontramos evidências arqueológicas do uso da castanheira há 9.000 anos pelos habitantes da Amazônia”, disse o arqueólogo e pesquisador Eduardo Neves.
O que falta hoje são políticas de Estado que possibilitem conciliar a ocupação e uso econômico do bioma com áreas protegidas que já estão estabelecidas, como as próprias Terras Indígenas, que vêm sendo ameaçadas pela falta de demarcação e propostas de mineração.
Para Neves, áreas como o Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso, funcionam como paredões que evitam que as queimadas e o desmatamento se alastrem ainda mais. Para o arqueólogo, não é difícil conciliar a conservação ambiental nessas áreas com cultivos bem planejados. Indígenas da Terra Indígena Rio Branco, em Rondônia, por exemplo, estão produzindo café do tipo robusta e fornecendo para indústrias da região Sudeste. “É possível criar cadeias produtivas que respeitem as condições locais e as formas de vida tradicionais”, declarou Neves.
Na próxima terça-feira, dia 22, às 11h30, uma outra live discutirá a influência do desmatamento da Amazônia na vida de todas as pessoas do planeta. Para assistir, basta acessar o site.
Fonte: Estúdio Folha
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