Por Fabrício Marques
Um projeto coordenado por pesquisadores da Dinamarca e dos Países Baixos está reunindo conhecimento disponível sobre integridade científica e compilando experiências bem-sucedidas de universidades e laboratórios para selecionar as melhores práticas e multiplicar a sua disseminação. Denominada Padrões de Procedimentos Operacionais para Integridade em Pesquisa, a iniciativa é financiada pelo programa Horizonte 2020, da União Europeia, e ao longo dos próximos dois anos irá analisar e sistematizar diretrizes, trabalhos acadêmicos e estudos-piloto sobre o assunto, com o objetivo de propor estratégias abrangentes.
Parte dos dados a serem coletados já está disponível no site do projeto (www.sops4ri.eu), em uma seção chamada “caixa de ferramentas”. “As instituições podem consultá-la quando estiverem desenvolvendo planos e políticas com foco em integridade da pesquisa. Ela contém recursos e dados baseados em evidências que poderão servir de inspiração para a construção de planos”, disse o coordenador da iniciativa, o cientista político Niels Mejlgaard, pesquisador da Universidade Aarhus, na Dinamarca, em um vídeo de apresentação no site.
A seção continuará a ser alimentada à medida que as análises ficarem prontas. O consórcio de pesquisadores envolvidos no projeto tem representantes de outros países da Europa, como Bélgica, Grécia, Polônia, Itália, Áustria e Croácia, e também dos Estados Unidos. Zoë Hammatt, ex-diretora da divisão de Educação do Escritório de Integridade de Pesquisa (ORI) norte-americano, integra a iniciativa.
Os primeiros frutos do projeto, que teve início em 2019, foram apresentados em um artigo publicado na revista Nature no dia 10 de outubro. Entre os exemplos selecionados para aprimorar a integridade científica, há casos como o da Universidade Tecnológica Delft, nos Países Baixos, que treinou voluntários em todas as suas faculdades para a tarefa de estimular pesquisadores e alunos da instituição a gerenciar de forma adequada seus dados de pesquisa – a universidade oferece financiamento para quem se empenhar nessa missão. Já a Universidade Mahidol, em Bangcoc, Tailândia, criou um código de boas práticas que todos os funcionários precisam seguir – cada um deles tem de assinar um compromisso, concordando em defender a integridade científica.
Na Universidade de Oxford, no Reino Unido, um projeto que se propunha inicialmente a oferecer treinamento para que pesquisadores gerassem dados científicos confiáveis e reproduzíveis em outros estudos acabou dando origem a um centro que fornece orientação sobre o assunto para estudantes e cientistas e é vinculado à Rede de Reprodutibilidade do Reino Unido. As principais universidades dinamarquesas reforçaram a formação de estudantes de doutorado, determinando que recebam capacitação em integridade científica. Pesquisadores em qualquer estágio da carreira podem procurar aconselhamento com mentores, em caráter confidencial, caso deparem com algum comportamento estranho ou antiético no ambiente de trabalho.
Já foram compiladas as principais declarações emitidas em congressos sobre integridade científica, além de centenas de artigos científicos sobre temas correlatos, como os riscos da competitividade exagerada no ambiente científico, o uso abusivo de indicadores quantitativos para avaliar pesquisadores e os relatos sobre escândalos envolvendo plágio, fraudes e falsificação de dados. Os pesquisadores fizeram 23 entrevistas com especialistas em integridade científica, consultaram um painel composto por 69 gestores e formuladores de políticas públicas nessa área e organizaram 30 grupos de discussão sobre o tema com representantes das ciências naturais, biomédicas e sociais, e das humanidades.
Em uma análise preliminar, identificaram nove ações em favor da integridade da pesquisa sobre os quais verificaram que há consenso. Uma delas é a promoção de procedimentos de avaliação justos, associada ao combate à competição excessiva no ambiente de trabalho e à pressão exagerada para publicar resultados. Outra é o estabelecimento de diretrizes sobre a relação entre pesquisadores e seus alunos de doutorado, com o estímulo ao treinamento de habilidades dos orientadores. A oferta de treinamento e de aconselhamento sobre integridade a todos os pesquisadores também tem recomendação ampla, assim como a criação de procedimentos de avaliação flexíveis, que acomodem particularidades de disciplinas e das legislações de diferentes países. Na hora de investigar possíveis violações, devem existir procedimentos formais que protejam os denunciantes de represálias, mas também preservem a reputação dos acusados enquanto a apuração está em curso.
A fim de garantir o compartilhamento de dados de pesquisa, há consenso de que é necessário fornecer treinamento, incentivos e infraestrutura para os pesquisadores. Já no campo das colaborações, sugere-se criar regras para que o trabalho com parceiros da indústria e de instituições de outros países seja realizado de forma transparente. Outros pontos considerados essenciais são tornar públicos eventuais conflitos de interesse, tanto financeiros quanto pessoais, e respeitar diretrizes sobre a atribuição de autoria de trabalhos científicos, sendo também transparente na divulgação de seus resultados.
O objetivo principal do projeto é estimular transformações no ambiente de pesquisa de instituições e universidades da União Europeia, ajudando-as a se adaptar ao Código Europeu de Conduta para a Integridade em Pesquisa. O novo programa de financiamento à pesquisa e à inovação do bloco, o Horizonte Europa, que vai investir € 81 bilhões nos próximos sete anos, exigirá dos pesquisadores financiados que respeitem o código de forma rigorosa.
Segundo os responsáveis pelo projeto, há sinais animadores em várias instituições envolvendo mudanças na cultura e no ambiente de pesquisa. A Universidade de Ghent, na Bélgica, alterou os critérios para contratar e conferir estabilidade de carreira a seus pesquisadores. Reduziu o peso de indicadores quantitativos, extinguindo metas associadas ao número de artigos publicados, e adotou um tipo de avaliação de caráter qualitativo. Já a Universidade de Glasgow, no Reino Unido, adotou o critério de “colegialidade” na avaliação de docentes: para serem promovidos ao topo da carreira, eles devem demonstrar que contribuíram com a carreira de colegas e assistentes, compartilhando dados, supervisionando e colaborando com projetos de pesquisa e produzindo artigos em coautoria.
Fonte: Revista Fapesp
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