Por Arlfredo Lopes
Manaus hospedou nesta semana o IX Congresso Brasileiro de Micologia (CBMy 2019), reunindo mais de 700 estudantes de graduação e pós-graduação, professores, pesquisadores e empreendedores interessados nos estudos dos fungos, suas aplicações e demandas de mercado. A programação incluiu várias áreas de aplicação da micologia como médica, ambiental, agronômica, biotecnológica, farmacológica e uso na alimentação.
Amazônia, amar e degustar para entender e valorizar… Em seu ensaio sobre “Alimentação indígena na América Latina”, a pesquisadora Esther Katz, da UnB, especulou sobre os itens de nutrição dos grupos étnicos do México e do Rio Negro, Amazonas (tukano, arawak e suas ramificações) que compartilham o mesmo sistema alimentar.
Em muitos deles aparecem o aproveitamento dos cogumelos como fonte, ao mesmo tempo nutricional e medicinal, de nossas populações tradicionais. “De uma aldeia a outra, os recursos naturais são diferentes e desiguais: os peixes são abundantes em algumas zonas e raros em outras, como nas cachoeiras; os gostos variam também: em algumas aldeias, come-se cogumelos ou lagartas, em outras não”. Para ela, a dieta alimentar desses grupos pode ser considerada comida invisível, comida de pobres ou patrimônio culinário, indicando assim as linhas de pesquisa da dinâmica trófica tradicional dos índios do Amazonas.
Há dois anos, uma exposição de cogumelos comestíveis e medicinais na sede do INPA, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, apontou caminhos para inclusão dos cogumelos numa dieta integral e integrada em elevados padrões de nutrição classe A no critério saúde e alimentação amazônica. Existe no Inpa um Laboratório de Cultivo de Fungos focado no aprimoramento de resultados dessa investigação.
Infelizmente, a fragmentação do conhecimento costuma se refletir na desconexão entre pesquisa, desenvolvimento e mercado. E isso se agrava na medida em que aparecem, aqui e ali, estudiosas da biodiversidade, financiados com recursos públicos, que consideram os resultados de seus trabalhos como propriedade eminentemente pessoal, indiferente ao fato de que é o cidadão/contribuinte quem lhe patrocina a jornada e seus resultados. Essa mentalidade pode mudar com eventos como esse que levou ao público, numa Feira muito concorrida, os resultados de contrapartida da pesquisa relativamente ao interesse público.
Contam-se mais de uma dezena de cogumelos em condições de colocação no mercado, porque dispõem de pesquisas suficientes de segurança alimentar alinhadas com suas miraculosas propriedades de rejuvenescimento e higidez. Combinar nutrição e função terapêutica natural é o sonho de consumo da fração populacional esclarecida que prioriza longevidade e qualidade de vida. Proteína com atividade antimicrobiana do cogumelo ostra, ou espécies que liberam enzimas demandadas pela indústria de cosméticos ou de papéis para fins específicos de embalagens comestíveis. Os cogumelos Yanomami e o Raphanica já estão frequentado os cardápios de bons restaurantes da região enquanto o pycnoporus sanguineus, também conhecido como urupê, funciona como vetor de despoluição de áreas fluviais, segundo pesquisa de Ademir Castro e Silva, UEA. Infelizmente despoluir não é prioridade do gestor público.
Estes são alguns exemplos eloquentes dos tesouros biológicos disponíveis literalmente no quintal de nossa casa. Os cogumelos do INPA habitam a Reserva Duque ou as bases de pesquisa do Instituto nos arredores de Manaus. E como se dá o início dessa pesquisa que busca o mercado? Os cogumelos são capturado na natureza e submetidos a um processo de domesticação. A meta é assegurar produção inteligente, visando maior eficiência biológica, expansão de propriedades de olho na escala. A escolha da fonte de alimento de cada espécie, chamada de substratos, vai determinar a eficiência e a eficácia dos resultados do empreendimento. Daí, já dá para celebrar um novo caminho nutricional. Imaginem uma macarronada feita com massa de pupunha, cogumelo Manaó, molho de tucumã-piranga, com pimentas baniwa, e chuvas castanhas do Brasil raladas no lugar do parmesão, tudo isso, acompanhado de uma cerveja de mandioca, o caxiri tukano, um ágape florestal em plenas condições de inebriar a vivenciar a sedução gastronômica da Amazônia.
Alfredo Lopes é filósofo e ensaísta, escritor amazonense, com 11 títulos sobre a Amazônia, formado em Filosofia com pós-graduação em Administração e Psicologia da Educação. Professor na PUC SP, de 1977 a 1996, UFAM, Metodista, Universidade de Salerno, Itália, atualmente docente colaborador na USP para assuntos amazônicos. Consultor do BID, Grupo Simões e CIEAM e diretor da FIEAM.
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