Por Alfredo Lopes
A luz da desinformação reinante, é tímida, ainda, apesar de extremamente promissora, a mobilização de pesquisadores, jornalistas, empresários, poder público, e da percepção do cidadão das ruas, para entender, prestigiar e expandir essa iniciativa extraordinária que o MUSA, o Museu da Amazônia, representa. Sua torre nada mais é que uma experiência obrigatória e gratificante, a um tempo científica e poética, para entender aquilo que Jaime Benchimol intuiu como “o destino está em nossas mãos”, rigorosamente, o ignoto quintal de biodiversidade de nossa casa. O Museu materializa o desejo da Princesa Isabel e do Conde D’Eu, no final da Monarquia, o projeto de João Barbosa Rodrigues, e a sugestão do lendário botânico Adolpho Ducke, nome escolhido por Denis Minev e Ennio Candotti, para batizar o Museu da Amazônia. É a síntese biótica florestal, transformada no maior museu a céu aberto da Terra, graças ao empenho dadivoso do Inpa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que cedeu a área da reserva, em 2009, sob a batuta de Adalberto Val.
Foi exatamente este lugar, no alto de uma torre ali construída, com 242 degraus acima de contemplação da exuberância – como amar sem contemplar o outro ativamente? – que Felipe Schaedler, um chef de padrão global, escolheu para oferecer o Coquetel nas Alturas, nos ensaios da primavera amazônica. A luz das acácias, diga-se, já cumprem o lumiar da esperança e bonança tropical!! Movido por essa energia, Felipe se dedica a cascalhar sabores e odores florestais, entre eles, a pilotar a iniciativa de produção comercial do primeiro cogumelo brasileiro, o Lentinula raphanica. Ele colhe, assim, o fruto do investimento em mais energia com ingredientes amazônicos, onde habita um quinto dos seres vivos da Terra e, há 10 mil anos, os povos primitivos consomem cogumelos e, anotem, insetos, 65% dos seres vivos, pelas variedades e teores nutritivos.
Aliás, degustar insetos é uma recomendação da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, que divulgou recentemente “Insetos comestíveis: perspectivas futuras para a segurança alimentar dos humanos e dos animais”, um documento que descreve os benefícios de saúde e ambientais derivados de uma dieta suplementada por insetos. Entre os sabores do cardápio amazônico do Restaurante Banzeiro já desfilam as formigas, as mesmas do ritual de passagem dos índios Sateré-Maweé. Elas figuram ao lado do tal cogumelo vedete, já degustado e adotado por Alex Atala, outro chef visionário, para quem a Raphanica se diferencia dos outros pelo sabor e textura, e, especialmente, porque é amazônico, não cultivado em outros lugares do mundo.
Os estudos e monitoramento da produção são conduzidos pela pesquisadora Noemia Ishikawa, do Inpa – alguns cogumelos, ou fungos, são tóxicos ou alucinógenos – e pelo agroecológo Francisco Bruno, da Fazenda Agropecuária Aruanã, em Itacoatiara, Região Metropolitana de Manaus, do agrônomo Sérgio Vergueiro, onde são utilizadas como substrato as toras das castanheiras ali cultivadas. Já foram estudadas na região outras 33 espécies destes fungos aptos ao consumo humano. Um deles, o Sanöma, colhidos pelo povo indígena, da etnia Ianomâmi, já está disponível no mercado do Sudeste. Nos últimos 10 anos, a região amazônica reduziu substantivamente o desmatamento, conforme exigências do Acordo do Clima e da sobrevivência do gênero humano.
Cabe lembrar que os projetos de pecuária, estimulados pelo próprio governo federal, nos anos 70, derrubaram a floresta para fazer uma economia vesga. Alguns empresários, como os Vergueiro, se apressaram em reflorestar suas áreas com espécies de alto valor comercial, como copaíba, pupunha, castanheiras que, além de frutos, oferece suas toras para produzir cogumelos, construir toneis, para indústria de vinho e cachaça, móveis com design tropical, insumos de nutracêuticos, cosméticos, fármacos. Materializando aos poucos a utopia da bioindústria, o Centro de Biotecnologia da Amazônia – através de acordo formal com a Fazenda – já está estudando o atendimento das demandas de extratos, biomoléculas, a química fina que os resíduos oferecem.
Nesse contexto, os insetos, os fungos, os peixes, a farinha, o tucupi, a murupi, o açaí, a tapioca e o jambu… uma lista infinita de delícia, nutrição, revitalização e paixão, que os viajantes europeus já descreveram em detalhes, começa a chamar a atenção também do Brasil, como oportunidade de, em vez de depredar ou manter intocada, conservar este patrimônio. inebriante e surpreendente ao prazer e ao rejuvenescer, e promover, a partir dos trópicos, a reconciliação entre o homem e a natureza. A Amazônia, no exercício irredutível de sua autoridade, como um dos conceitos que mais agitam a consciência universal, convida, portanto, a humanidade, a passear na floresta, viver, degustar e amar o coquetel de suas delicias e chegar perto de generosidade vital. Antes que seja tarde…
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