O que celebrar, nos 48 anos do modelo Zona Franca de Manaus, “o maior acerto fiscal da história do Brasil para redução das desigualdades regionais”, no dizer do tributarista Airton Claudino, se a Suframa, a autarquia que a administra, perdeu substantivamente sua autonomia ao ter cortados seus recursos não-orçamentários – as Taxas de Serviços Administrativos TSA – confiscados pela União e, em função disso, proibida de promover ações de desenvolvimento e de diversificação econômica na Amazônia Ocidental, onde lhe compete atuar. O mesmo confisco se estende, amplia à revelia da comunidade legalmente beneficiária, com as verbas de pesquisas, recolhidas pelas empresas de informática, para criar mudanças no paradigma industrial vigente. Ao todo, de acordo com dados da Suframa e do CIEAM, foram aproximadamente R$ 3 bilhões, sendo R$ 1,4 bilhão de TSA, confirmados junto ao portal da Receita Federal nos últimos 10 anos, e R$ 1,6 bilhão pelas estimativas da Suframa nos últimos anos, “…valores suficientes para qualquer país sério promover uma revolução em inovação tecnológica, segundo apreciação da própria autarquia. A isso se agregam os constantes embargos de gaveta, promovidos por técnicos da burocracia federal, credenciados com o poder do veto de PPB – Processo Produtivo Básico, necessário para o início da produção industrial na ZFM. Além disso o modelo industrial agoniza pela falta de competitividade no mercado global em virtude dos custos elevados que decorrem de uma estrutura energética, logística e de comunicação, absolutamente precária, onerosa e de equacionamento improvável, no curto prazo. Os indicadores de desempenho no faturamento, que encolhem a cada ano, são o retrato em branco e preto dessa interferência da ação federal, beneficiaria, paradoxalmente, de mais de 54% da riqueza aqui produzida.
Os desvios da constitucionalidade
O retrato da inconsequência que a gestão da ZFM exibe obriga a debruçarmo-nos sobre os Artigos 43 e 170 da Constituição Federal. Ali estão alguns dos fundamentos dos desmandos que remetem à urgente mobilização institucional, política e social para recuperar direitos e responsabilidades, para que se cumpra o Estatuto Constitucional. O Art. 43 é muito claro quando trata das origens e fundamentação do modelo ZFM: “Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.”, detalhando em Lei complementar as condições para integração de regiões em desenvolvimento. Daí se origina a composição dos organismos regionais que executarão, na forma da lei, os planos regionais, integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econômico e social, aprovados juntamente com estes. Para tanto, foram criados os incentivos regionais que compreenderão, além de outros, na forma da lei: “I – igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público; II – juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; III – isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas; IV – prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas. § 3º – Nas áreas a que se refere o § 2º, IV, a União incentivará a recuperação de terras áridas e cooperará com os pequenos e médios proprietários rurais para o estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação. ”
Roteiro preliminar das mudanças
Nos últimos 10 anos, estudos levados a efeito pelo CIEAM, mostram que o gargalo na logística de transportes tem sido o maior embaraço competitivo, obrigando a algumas empresas despender até 20% em sua planilha de custos. Confirmadas os estudos da FEA/USP, segundo o qual 54,42 % da riqueza produzida na ZFM é apropriada pelo Governo Federal, porque não invocar o preceito constitucional para exigir “o investimento de no mínimo 3% de tudo o que é recolhido pelo Governo junto a indústrias em infraestrutura…”’ em nome do enfrentamento das desigualdades regionais. Esse provimento precisa estar atrelado à adoção de outros expedientes, na operação de resgate da autonomia da Suframa, incluindo a utilização da TSA nos termos da Lei, a recuperação dos ditames legais e originais de aplicação das verbas de P&D, com a reestruturação do CAPDA, o comitê responsável pela aplicação dessas verbas, o que permitiria a elaboração de um projeto regional de C&T&I, coerente as demandas de vocações regionais, coordenado pela UEA, a Universidade do Estado do Amazonas – maior do Brasil em quantidade de campi acadêmico – com a participação das demais instituições correlatas dos Estados da Amazônia Ocidental e Amapá. Adicionalmente, a criação de um fórum permanente de discussão da autarquia, além da recomposição institucional do Conselho de Administração da Suframa, propiciaria, assegurado o respaldo político da representação parlamentar regional, e envolvimento das entidades de classe, a retomada do papel da Suframa como Agência de promoção do desenvolvimento, previsto nos ditames históricos da Constituição. Assim, com as tábuas da Lei em mãos, não iríamos apenas equacionar o vexame dos buracos nas ruas do polo industrial de Manaus, e dos escombros das edificações da Suframa na Amazônia Ocidental, como um todo. Poderíamos conferir à região o direito universal de ir e vir com a recuperação da BR-319, a modernização dos portos, conferir ao polo industrial de Manaus, a paisagem justa e coerente de um cartão postal. Daí em diante, as interferências danosas seriam enfrentadas com a transparência das condutas, a participação nos conselhos de aplicação dos fundos com finalidades de promoção do interesse público.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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