“… o Brasil deve agir agora para revisar seus estatutos legais. Um sistema bem estruturado de controle, transparência e benefícios na validação dos créditos de carbono é essencial para assegurar que esses instrumentos contribuam efetivamente para a mitigação da mudança climática, evitando incertezas distorções e oportunismos”
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
O Pacto Global das Nações Unidas, compromisso das nações para enfrentar a ameaça climática, em parceria com o CDP (Carbon Disclosure Project), o WRI (World Resources Institute), e o WWF (World Wide Fund for Nature), formularam critérios de avaliação de ações climáticas do setor privado com base em fundamentos científicos. Assim foi criada a Science Based Targets initiative (SBTi), referência universal para validação dos créditos de carbono, um mercado voluntário cercado de incertezas por todos os lados.
Essa entidade de validação científica exerce grande influência sobre os planos de descarbonização corporativos e está em processo de avaliação para decidir se aceitará ou não os créditos de carbono como parte das estratégias das empresas. Esta decisão só será anunciada no fim de 2025, mas uma versão prévia das diretrizes entrará em consulta pública ainda este ano. Ou seja, chegou a hora de separar o joio do trigo.
No plano amazônico de boas intenções e múltiplas distorções e oportunismos, se impõe a necessidade urgente de uma revisão e ajustes nos estatutos legais do Brasil recentemente proclamados. Essa revisão se torna evidente frente a essa situação de incertezas agravadas pelas manifestações da SBTi. É imperativo que o país estabeleça mecanismos robustos de controle, transparência e benefícios na validação dos tais créditos de carbono, arbitrando, por exemplo, negociações avançadas e obscuras envolvendo, principalmente, os povos originários. A revisão deve contemplar três aspectos principais:
Controle e transparência
A eficácia dos créditos de carbono tem sido questionada, como apontado pela SBTi em sua revisão de trabalhos científicos. Frequentemente, esses instrumentos têm sido considerados “ineficazes” na mitigação de gases de efeito estufa. Dado esse cenário, é urgente que o Brasil implemente um sistema rigoroso de controle e transparência para garantir que a ferramenta realmente cumpram sua finalidade, contribuindo para a redução das emissões dos gases do efeito estufa.
A ausência de clareza e diretrizes firmes no mercado voluntário resulta em frustração e desconfiança entre as empresas. BeZero Carbon, uma agência global de classificação de carbono, tem apontado falta de clareza como um problema significativo de validação. Portanto, um marco regulatório bem definido é essencial para proporcionar segurança jurídica e operacional às empresas que desejam investir propriamente nos créditos ou operar nas intermediações.
Benefícios da validação dos créditos
A validação dos créditos de carbono deve ser acompanhada de benefícios tangíveis para as empresas e para a sociedade. A SBTi reconhece que, sob certas condições, as estratégias offsets – aquelas voltadas à compensação das emissões residuais de uma empresa por meio da compra desses títulos, nos mercados regulados e voluntários – podem contribuir para a descarbonização, especialmente no complexo escopo 3, especificação das emissões corporativas. No entanto, também aí foram identificados problemas fundamentais de integridade.
Para que os créditos sejam efetivos, é necessário um sistema de validação que garanta a integridade e a eficácia das ações de compensação. Isso inclui a verificação rigorosa de projetos, assegurando que eles proporcionem benefícios reais e adicionais à redução de emissões, além de evitar práticas fraudulentas e oportunistas que comprometem a credibilidade do mercado.
Revisão dos estatutos legais
O Brasil, detentor de uma matriz energética renovável considerável e de uma cobertura vegetal extraordinária, precisa de uma atualização urgente nos estatutos legais que regulamentam esse mercado. A revisão deve ser pautada pelas melhores práticas internacionais e orientada pelas diretrizes científicas mais recentes. A criação de um ambiente regulatório robusto e transparente incentivará investimentos responsáveis e eficazes em créditos de carbono, fortalecendo o compromisso do país com a sustentabilidade e a descarbonização, além dos benefícios justos aos responsáveis pelos ativos monetizáveis.
A incerteza regulatória tem sido um dos principais obstáculos ao avanço do mercado de carbono no Brasil. A regulamentação atual padece de clareza e consistência, o que desestimula investimentos e compromete a confiança no sistema de créditos de carbono. É essencial que o governo brasileiro defina regras claras para o funcionamento do mercado de carbono, incluindo critérios de elegibilidade, mecanismos de verificação e sistemas de monitoramento e reporte.
Acre, avanços e embaraços
O Estado do Acre tem sido utilizado como referência e tem despertado o interesse internacional, especialmente dos promotores destacados dessa operação. No entanto, uma análise prática revelou desafios significativos. A jornalista que investigou a situação encontrou extensas áreas de pasto onde anteriormente se extraía borracha. Funcionários do governo falam em preservação, mas ao mesmo tempo, há cortes de financiamento e planos para expandir o agronegócio.
A prioridade do governo do Acre tem sido obter recursos externos para proteger as florestas, deixando a validade das compensações de carbono em segundo plano. Um relatório de 2016 descobriu que 85% das compensações de carbono tinham baixa probabilidade de criar impactos reais. A credibilidade das compensações é questionada, especialmente quando a contabilidade do desmatamento pode ser manipulada, inflando números para justificar créditos de carbono.
Além disso, problemas de monitoramento persistem. O Brasil utiliza programas de satélite para rastrear a perda de árvores em grande escala, mas há indicações de que proprietários de terras estão desmatando áreas menores para escapar da detecção. A credibilidade do sistema é primordial, e começa pela validação institucional dos órgãos de regulação ambiental local.
Um dos problemas mais frequentes é a instabilidade da precificação dos ativos e produtos florestais, o que atrapalha o beneficiamento de produtos regionais. Sem incentivos nem infraestrutura competitiva, fica difícil elevar ao patamar qualquer indústria de beneficiamento de cacau, borracha, açaí, pescado. É emblemática a tentativa fracassada de implementar uma indústria de cacau no Estado. Produtos florestais como castanha e borracha não têm valor de mercado competitivo. Por exemplo, a borracha é vendida por cerca de R$ 2 o quilo, enquanto uma vaca vale R$ 800. A preservação é imperativa, mas sem alternativas viáveis, os moradores rurais continuam a optar por atividades econômicas mais lucrativas, como o agronegócio.
O Nativo Mercado Ativo de Carbono
Enquanto as definições de alcance global e diplomático avançam, a Tero Carbon, uma startup que se destaca por sua proposta inovadora de levar o mercado de carbono a pequenos e médios produtores, tem mostrado um desempenho promissor ao unir setores da indústria e acadêmicos de Manaus. A colaboração com universidades e institutos de pesquisa de Manaus tem sido fundamental para o desenvolvimento de tecnologias e metodologias que garantem a precisão e eficácia na medição e certificação de créditos de carbono.
De acordo com Henrique Pereira, Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), “Com plataforma computacional moderna, ancorada em tecnologias de vanguarda – como blockchain e NFTs – essa iniciativa baliza-se por métodos confiáveis, ágeis, acessíveis a todos e apropriados às circunstâncias amazônicas e brasileiras”.
Além disso, a integração com empresas do Polo Industrial de Manaus fortalece a cadeia de valor sustentável, promovendo práticas industriais mais responsáveis e ecoeficientes.
A startup tem conseguido se destacar em um mercado emergente, demonstrando um sólido desempenho através de uma série de projetos-piloto bem-sucedidos. A Tero Carbon tem atuado diretamente com produtores locais, oferecendo suporte técnico e ferramentas para que possam aderir ao mercado de carbono. Isso não só contribui para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa, mas também oferece uma nova fonte de renda para os produtores, fomentando a sustentabilidade econômica e ambiental na região.
Desafios de quem nasceu Curumim
Apesar dos avanços, a Tero Carbon enfrenta desafios significativos, como a necessidade de ampliação da infraestrutura tecnológica e a capacitação contínua dos produtores. Outro obstáculo é a sensibilização do mercado sobre a importância dos créditos de carbono, além de questões regulatórias e burocráticas que podem dificultar a expansão das atividades.
Projetos futuros da Tero Carbon incluem planos de expansão para outras regiões da Amazônia e a diversificação de suas atividades. A startup pretende investir em tecnologias avançadas de monitoramento ambiental e fortalecer suas parcerias para ampliar o impacto positivo de suas ações. A crescente demanda global por soluções de carbono e o aumento da conscientização sobre a importância da sustentabilidade oferecem um terreno fértil para o crescimento da Tero Carbon.
Créditos de Carbono, o Joio e o Trigo na Amazônia
A SBTi ainda não decidiu sobre a inclusão dos créditos de carbono nos planos de descarbonização, e a espera até 2025 aumenta a incerteza no mercado. No entanto, independentemente da decisão da entidade, o Brasil deve agir agora para revisar seus estatutos legais. Um sistema bem estruturado de controle, transparência e benefícios na validação é essencial para assegurar que esses instrumentos contribuam efetivamente para a mitigação da mudança climática, evitando distorções e oportunismos.
A urgência dessa revisão é evidente para que a Amazônia possa ajudar o país a se posicionar como líder na transição para uma economia de baixo carbono, garantindo que os respectivos créditos sejam usados de forma eficaz e transparente, trazendo benefícios reais tanto para o meio ambiente quanto para a economia e, especialmente, para quem aqui vive, trabalha e protege o planeta.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
FAQ
O que são créditos de carbono?
Créditos de carbono são certificados que representam a redução de uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) ou de outro gás de efeito estufa equivalente. Esses créditos podem ser comprados e vendidos no mercado de carbono, incentivando empresas e governos a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
Como funciona o mercado de créditos de carbono?
O mercado de créditos de carbono funciona com base em um sistema de compensação onde empresas que não conseguem reduzir suas emissões podem comprar esses créditos de projetos que tenham reduzido ou evitado emissões. Esse mercado pode ser regulado, com limites impostos pelo governo, ou voluntário, onde as empresas participam por iniciativa própria.
Quais são os principais desafios do mercado de créditos de carbono?
Os principais desafios incluem a falta de padronização e transparência, a integridade dos projetos de redução de carbono, a possibilidade de práticas fraudulentas, e a necessidade de um sistema de verificação rigoroso para assegurar que as reduções de emissões são reais e adicionais.
Como os créditos de carbono podem beneficiar as empresas?
Os créditos de carbono podem ajudar as empresas a cumprir metas de sustentabilidade, melhorar sua imagem pública, atrair investidores focados em sustentabilidade, e eventualmente, cumprir regulamentações ambientais. Eles também podem representar uma nova fonte de receita para empresas que conseguem reduzir suas emissões mais do que o necessário.
Qual é o papel da Science Based Targets initiative (SBTi) no mercado de créditos de carbono?
A SBTi é uma organização que valida metas de redução de emissões com base em critérios científicos. Ela está avaliando se os créditos de carbono devem ser aceitos como parte das estratégias de descarbonização corporativa, com uma decisão esperada para o fim de 2025. Suas diretrizes são fundamentais para garantir a integridade e eficácia da ferramenta.
Por que os créditos de carbono são considerados ineficazes?
A SBTi apontou que, em muitos casos, os créditos de carbono não têm sido eficazes na mitigação das emissões de gases de efeito estufa. Isso se deve a problemas como a falta de verificação rigorosa, projetos de baixa integridade e a possibilidade de dupla contagem das reduções de emissões.
Quais são as implicações das incertezas regulatórias no Brasil para o mercado de créditos de carbono?
As incertezas regulatórias podem desestimular investimentos no mercado de carbono e comprometer a confiança das empresas. A ausência de regras claras dificulta a operação e a transparência do mercado, o que pode resultar em menor eficácia na redução das emissões e na perda de oportunidades econômicas para o país.
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