Confira o bate-papoA quem compete o monitoramento do uso abusivo da internet entre as crianças? Quais são as consequências comprovadas para o descaso dos atores responsáveis pelo problema? E quem são os responsáveis diretos e indiretos por esse acompanhamento? Quem disser que resolveu a questão satisfatoriamente é leviano, pois se trata de um fato complexo, delicado e de consequências nefastas, basta acessar o noticiário. O governo chinês interveio através da delimitação das horas diárias permitidas, mas deixando aos pais com a última palavra. Conversamos longamente com o educador midiático Wagner Bezerra, dedicado aos estudos mais densos da educação contemporânea. Trata-se de um pensador inquieto, parceiro de grandes jornadas de comunicação e educação popular em múltiplos ambientes um educador dos novos tempos da velocidade instantânea que procura respostas mais densas para desafios da Educação em caixa alta, o único instrumento de transformação rumo a um mundo melhor, mais justo e solidário.
Por Alfredo Lopes
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BrasilAmazoniaAgora – Desde Platão as aparências enganam e inibem o espírito crítico. O mito e o rito das cavernas na profecia filosófica da Grécia antiga, que desafia a educação ao longo dos séculos, permanece inabalável – tudo indica – na relação de ensino/aprendizagem em plena era digital. Seguimos de costas para a luz do conhecimento e do esclarecimento. O que você pensa a respeito?
Wagner Bezerra – Essa é a lógica que os vagalumes, ou pirilampos, sabem ilustrar melhor que nos, ditos seres inteligentes. Essa é uma espécie florestal icônica, que oferece uma analogia com o efeito mágico de sua iluminação fugaz. Simples insetos da família Lampyridae que, através de emissão de luz bioluminescente, são capazes de encantar os seres humanos, repetem o desafio de Platão que nos desafia, permanentemente, para irmos além de uma única fonte de luz, a luz das narrativas, da informação e/ou entretenimento que, em suas intencionalidades, tem potencial de nos “encantar” e nos encarcera em suas respectivas cavernas. Por isso, a luz do conhecimento, como você sugere, precisa ser crítica, possuir um espectro multifacetado, diverso, plural e compartilhado.
BAA – O platonismo clássico, que contrapõe o mundo real do cotidiano ao universo ideal e inacessível da perfeição, empurra a percepção humana para o esvaziamento dos valores, crenças e mitos da realidade cotidiana, onde se baseiam as doutrinas educacionais. O que fazer se as grandes doutrinas foram reduzidas a narrativas inócuas diante da violência e do caos que se ampliam porque o mundo real nunca chega . O que fazer?
WB – É necessário compreender os propósitos e a configuração interativa das tecnologias que consumimos, começando pelas diversas linguagens. O economista irlandês, Arthur W. Brian, ensinou-nos que tecnologias são meios de cumprir um propósito humano. Nos tempos atuais, por motivos diversos, esquecemos que toda e qualquer tecnologia, sejam máquinas, idiomas ou narrativas, carregam em intencionalidades, valores e ideologias provenientes daqueles que as criaram e/ou compartilharam no tecido social. São mercadorias em seus atributos e com valor de uso e valor de troca.
Precisamos aprender a identificar as ideologias que dão suporte às fake news, o discurso de ódio e a adoção da “pós verdade”, transformada em instrumentos tecnológicos da fidelização e manipulação das consciências. Estes recursos, sofisticam a eficácia nazista da comunicação em massa, segundo a qual “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, na célebre frase de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Os Estados Unidos e o Brasil, em 2016 e 2018, foram laboratórios bem sucedidos em suas eleições presidenciais. Quando compreendermos a importância de decodificar narrativas como tecnologias de manipulação, seremos capazes de neutralizar seus efeitos, reciclando-as quando necessário e, deste modo, separar o joio do trigo, a aparência e a essência.
BAA Os educadores mais esclarecidos defendem a premissa sagrada da escuta do acolhimento para a formulação de uma pedagogia assertiva e mais efetiva na relação dos pais e educadores com crianças e adolescentes cada vez mais inacessíveis. Como escutar se a comunicação padece de referenciais comuns de interação e compreensão?
WB – Seguindo a trilha de Paulo Freire e de outros pensadores progressistas, entendo que a educação – e no mesmo sentido, a educação midiática – é também um campo fértil de escuta, afeto e alteridade. Na verdade, não é possível conjugar os verbos educar-ensinar-aprender sem a alteridade? O outro – que, simultaneamente, somos eu e o tu – é essencial.
Nem sempre é fácil dar-se à escuta. Na maioria das vezes, escutar requer determinação, estratégias e a força da escolha para nos despirmos das certezas dogmáticas, que impedem que os/as educadores/as alcancem o campo afetivo de quem precisa ser ouvido. O aprendizado sobre as tecnologias do tempo presente requer a prática da escuta ativa. Não raro, nossos/as professores/as serão crianças e jovens. Nós, adultos, estamos dispostos a ouvir a juventude? Em tempos de terrorismo midiático, precisamos parar para ouvir jovens e adolescentes
BAA – Educação é, principalmente, exercício de interatividade, de troca, da empatia que sacraliza a alteridade. Como delegar aos educadores formais a tarefa da transformação e do crescimento se as agências institucionais estão em franco processo de esvaziamento?
WB – Vivemos sob domínio consciente ou inconsciente do chamado sistema. Portanto, crescimento e esvaziamento são movimentos sistêmicos, um complementa o outro, sendo o somatório maior que as partes isoladas. A sociedade é sistêmica. Cada vez que uma nova tecnologia é inserida no sistema social, todos os integrantes de determinada cultura, bem como a cultura em si, são modificados. Seguimos construindo a teia da qual somos construtos e construtores.
Esse é o princípio da ecologia das mídias, perspectiva-escola que norteia meus estudos sobre as mídias e a visão da educação midiática que tenho compartilhado com escolas, professores/as e famílias através de cursos, palestras, oficinas e consultorias individuais. Nos dias atuais, a prática e a compreensão da educação midiática é tão essencial para a vida permanentemente conectada quanto para a educação como prática de liberdade compartilhada
Wagner é educador midiático do canal @cibereducomunicacao (Instagram e Tiktok). Doutor em Comunicação (PUC-Rio). Mestre em Mídia eCotidiano (PPGMC-UFF). Autor dos livros “O Segredo da Caverna, a fábula da TV e da internet (Cortez Editora) e “Binho, o bicho-coisas” (e-book Amazon), ambos voltados para a introdução da educação midiática, nos anos iniciais e ensino fundamental I e II.
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