O balé da política deve ser dançado com mais equilíbrio e dentro dos limites da democracia. Divergindo, mas respeitando, e colocando o ódio de lado.
Por Farid Mendonça Junior
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Imagine uma dança de balé em que os dançarinos lutam para no alto de suas sapatilhas de ponta em contato com a superfície se equilibrarem. E lá estamos apenas apreciando este espetáculo pela sua mais pura e perfeita beleza.
Mas quando passamos para a política vemos que o balé quase sempre não tende ao equilíbrio, à beleza e ao respeito.
De um balé como num drama trágico a política vem cada vez mais se aproximando. Ao invés dos aplausos, testemunhamos cada vez mais mortes, gritos, tragédias e tristezas, além da própria degeneração do que ainda pensamos em chamar de civilização.
No coração do que podemos pensar como um dos países mais tranquilos e respeitosos do mundo, como é o caso do Japão, no dia 08 de julho de 2022, o ex-premiê Shinzo Abe morreu após ser baleado com tiros de uma espingarda caseira por um homem que não concordava com sua forma de pensar.
No dia 01 de setembro de 2022, a ex-Presidente e atual vice-Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, sofre uma tentativa de homicídio em que um homem aponta uma arma para a sua cabeça.
Hoje, 2 de setembro de 2022, um Prefeito desfere um soco no Presidente da Assembleia Legislativa no meio da rua aqui no Amazonas.
Diante destes exemplos e de tantos outros temos uma só questão: a polarização ideológica da política traduzida para a intolerância de aceitar o pensamento do outro e o discurso de ódio e violência.
Para que o pensador e filósofo René Descartes chegasse à sua sublime frase “Cogito, ergo sum” ou “Penso, logo existo”, em 1637, com seu livro Discurso sobre o Método, fico refletindo quantos séculos de existência humana foram necessários para isso e quantos corpos foram queimados por heresia, principalmente nas mãos da Santa Inquisição.
Não obstante os grandes avanços materiais e tecnológicos alcançados pelo homem, parece que estamos chegando perto ou efetivamente já estamos perto do “Penso, logo morro”.
A grande diferença do ser humano diante de todas as outras formas de vida na Terra é o ato de pensar e de ter consciência de si mesmo. Sendo que isso foi o que nos permitiu evoluir tanto em todas as áreas do conhecimento, na ciência, nas artes e na fé.
Entretanto, chegamos a um ponto na nossa sociedade que pensar parece ter virado sinônimo de cometer um crime, faltando apenas a tipificação no Código Penal. Estamos matando a nós mesmos ao nos reprimir.
O livre pensamento e o respeito ao próximo são as engrenagens do avanço da nossa civilização. Mas, cada vez mais vem se tornando a maior ameaça a nós mesmos.
Muitos de nós não aceitam as pessoas pela sua cor, principalmente o racismo contra os negros.
Muitos de nós não aceitam a liberdade das mulheres e sua total igualdade de direitos em relação aos homens.
Muitos de nós não aceitam os índios, por julgarmos seu modo de vida “atrasado” e um “obstáculo ao desenvolvimento”.
Muitos de nós não aceitam as pessoas devido às suas opções sexuais, como é o caso dos direitos LGBTQIA+.
Muitos de nós não aceitam o posicionamento político do outro por ser de esquerda ou de direita ou por ser do centro.
Muitos de nós não estão enxergando que são exatamente as diferenças de pensamento que nos fizeram e nos fazem humanos e nos ajudam a evoluir e a enfrentar as grandes adversidades da vida dentro de um sistema democrático, além de contribuir para o avanço da nossa civilização.
Estamos como seres humanos nos perdendo nos egoísmos da nossa pequenez. Estamos involuindo para nos reclassificar como bichos selvagens que disputam pelas necessidades mais primitivas.
Estamos perdendo tempo brigando por muitas divergências inúteis, enquanto nosso planeta está sendo totalmente devorado por uma crise ambiental que nos deixará cada vez mais famintos, pobres e ardendo sob um calor escaldante.
Estamos perdendo tempo brigando por picuinhas enquanto aqueles que passam fome não possuem mais a mínima condição nem mesmo de gritar por ajuda.
Ao invés de nos unirmos, estamos cada vez mais nos distanciando e adiando a resolução de problemas graves e que terão impactos avassaladores para a gente e/ou para as futuras gerações.
A Agência Espacial Norte Americana – NASA vem mostrando ao mundo descobertas e imagens inéditas do nosso universo por meio do telescópio James Webb. Imagens lindas, apavorantes, chocantes, profundas, gigantescas, de diversos fenômenos como buracos negros, além de estar conseguindo validar teorias científicas tal qual a da relatividade e ir além.
Lembro certa vez no começo de um curso de mestrado que um professor nos mostrou um vídeo. Este vídeo começava a partir de um ser humano, depois a rua em que este indivíduo estava, depois a cidade, o Estado, o país, o continente, o planeta, a galáxia, as galáxias. A intenção do professor era mostrar o quanto a gente era e somos pequenos diante de tudo.
Talvez estas imagens da NASA possam nos ajudar a nos relembrar, tal qual o professor nos mostrou, o quão pequeno somos diante de tudo isso e fazer a gente compreender que não são as divergências ideológicas violentas e o discurso de ódio que vão fazer a gente superar nossos desafios, mas sim a nossa humildade e nossa união.
Somos apenas um grão de areia como no deserto. Sozinhos não somos nada. Juntos somos grandes e damos forma a uma força transformadora.
O balé da política deve ser dançado com mais equilíbrio e dentro dos limites da democracia. Divergindo, mas respeitando, e colocando o ódio de lado.
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