É o governo (Estado) que precisa procurar a sociedade e lhe perguntar o que precisa. Há soluções que precisam apenas de um pequeno aporte ou alguns esclarecimentos. Se nenhuma boa iniciativa tiver que entrar em fila, os gargalos serão resolvidos surpreendentemente. Teremos do povo gaúcho as histórias de superação a que tanto ansiamos para fechar esse capítulo, e todo o restante do Brasil seremos beneficiados pela mudança de paradigma nas estruturas governamentais.
Por André Ricardo Costa
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Pegue seu pires e entre na fila. Se, ao chegar sua vez, as autoridades lhe responderem que você pegou o pires certo e o segurou adequadamente enquanto na fila, você receberá o que precisa.
A fila é uma estrutura da existência humana em sociedade. Observável em tribos das épocas e lugares mais díspares. No Brasil é mantida com extremo zelo pelos burocratas governamentais. Por ela passam todas as questões do nosso país quando dependem dos recursos ou da legitimidade estatal para serem resolvidas.
Sejam assuntos gerais e permanentes de desenvolvimento humano, bem-estar social, educação, saúde e segurança pública. Sejam assuntos de desenvolvimento regional, que costumamos discutir nesse espaço, ou do inafastável tema da calamidade que hoje assola nossos irmãos gaúchos.
Aliás, as palavras de abertura do presente texto parafraseiam discurso de um representante do governo federal à população do Rio Grande do Sul. Sua preocupação era explicar que o governo federal tinha poucos meios de ajudar diretamente a realidade gaúcha.
Não culpo este burocrata em específico. Sua atitude se insere em uma estrutura cultivada há tempos. De Nelson, subdesenvolvimento é obra de séculos. As filas da burocracia brasileira são robusto edifício que precisa ruir urgentemente.
Veja o tormento a que se submetem os empreendedores no Amazonas. É fila para aprovar o PPB. É fila para aprovar o projeto no CAS. É fila para aprovar o projeto no Codam. Fila para aprovar o projeto no Ipaam. Fila para aprovar o projeto na Sudam. Não raro a inscrição na Suframa é apresentada como ativo valioso quando um investidor quer vender a empresa. Isso em meio à calamidade de baixo desenvolvimento humano do nosso estado em geral, principalmente o interior, ainda que ilhando um excepcional caso de progresso econômico no nosso Polo Industrial.
Replique essa visão da postura defensiva do serviço público brasileiro às imagens da calamidade gaúcha e perceba o absurdo humanitário que é a burocracia brasileira.
Muitos citam o papel do governo nos países que se reergueram após a Segunda Guerra. Sobretudo Japão e Alemanha, ou mesmo a Coreia. Um traço desses casos que nem de longe copiamos é a postura proativa e colaborativa do serviço público.
Lá, as instâncias burocráticas não formaram espaços freudianos de pequenos-poderes. Usaram a visão ao mesmo tempo abrangente e capilar que somente servidores públicos podem ter, em vista dos dados que lhes são disponíveis, para auxiliar o processo decisório dos atores econômicos com máxima prontidão e precisão.
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Não preciso estar no Rio Grande do Sul para saber que lá, como cá no Amazonas, a sociedade tem enorme poder de iniciativa para se recuperar deste desastre e prevenir outros. Diante disso, cabe às três esferas que se unam e criem, compartilhem entre si e publiquem os dados sobre tudo que se perdeu, o que precisa ser feito para recuperar e sobre os recursos disponíveis.
É o governo que precisa procurar a sociedade e lhe perguntar o que precisa. Há soluções que precisam apenas de um pequeno aporte ou alguns esclarecimentos. Se nenhuma boa iniciativa tiver que entrar em fila, os gargalos serão resolvidos surpreendentemente. Teremos do povo gaúcho as histórias de superação a que tanto ansiamos para fechar esse capítulo, e todo o restante do Brasil seremos beneficiados pela mudança de paradigma nas estruturas governamentais.
André Ricardo Costa é Doutor em Administração pela FEA/USP e professor da Ufam
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