Feito a partir do látex, grafeno e celulose, material biodegradável pode substituir metais em diversas áreas como a biomedicina
O látex é um material usado há quase 200 anos para a fabricação de diversos produtos. Porém, para a obtenção deste polímero, é necessária a vulcanização, um processo à base de enxofre e outros produtos químicos, que usa altas temperaturas para alterar a composição da borracha e melhorar as suas propriedades, e que é bastante agressivo ao meio ambiente.
Recentemente, os cientistas Stanislav Moshkalev, Raluca Savu e Junko Tsukamoto no Centro de Componentes Semicondutores e Nanotecnologias da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) desenvolveram uma técnica para otimizar as propriedades do látex reduzindo o impacto ambiental do processo e criando uma nova borracha eletrocondutora.
A nova borracha eletrocondutora é obtida em temperatura ambiente, a partir da mistura de materiais biocompatíveis, com redução ou ausência do uso de reagentes orgânicos e sem aplicação da etapa de vulcanização.
“Conseguimos chegar a uma mistura adequada que conferiu novas propriedades para a borracha verde, feita do látex. A partir de materiais grafíticos e nanocelulose, em um trabalho multidisciplinar, desenvolvemos um filme flexível que é bom condutor de eletricidade e de calor”, explica Moshkalev.
Segundo o físico, o novo material pode substituir metais em áreas como a química e a biomedicina. Uma das aplicações seria o revestimento de sensores e eletrodos para exames e tratamentos médicos. Outra seria na produção de dispositivos vestíveis, como roupas de mergulho, luvas e equipamentos aquecidos.
“Com essa tecnologia mostramos que é possível criar propriedades mecânicas e elétricas interessantes na borracha, um passo a mais no desenvolvimento de produtos inovadores”, completa.
Composição verde
O material foi obtido por meio da associação de nanocristais de grafite (ou grafeno) ao látex e à celulose. O grafite é um mineral ultraleve e abundante no Brasil, formado por vários planos superpostos, como numa pilha de folhas de papel, que são os grafenos. Essas lâminas têm propriedades elétricas e térmicas notáveis dentre os não-metais. “Mas, assim como um papel, os filmes de grafite se rasgam facilmente”, lembra Moshkalev.
Para aumentar a resistência mecânica do grafite, foi feita a combinação com o látex e a celulose, extraída da semente da tanchagem (ou tansagem), planta de origem europeia, mas largamente encontrada no Brasil e conhecida por seu uso terapêutico. A concentração ideal determinada nas pesquisas resultou na mudança de propriedades físicas, químicas e térmicas específicas da borracha e, consequentemente, na interação com o grafite, reforçando o material, sem a necessidade de vulcanização.
“Utilizamos a quantidade mínima de látex e ajustamos as proporções, mas vimos que apenas o látex não era suficiente para garantir a estabilidade e resistência que buscávamos. Foi então que tivemos a ideia de associar o gel das sementes da tanchagem para obter as propriedades esperadas da forma mais simples e sustentável possível”, explica a engenheira Junko Tsukamoto.
A combinação entre o grafeno e a nanocelulose não é novidade na fabricação, por exemplo, de eletrodos flexíveis para o armazenamento de energia com supercapacitores. “A nanocelulose é geralmente usada como um substrato para aparelhos eletrônicos por apresentar biodegradabilidade, flexibilidade mecânica e reatividade química”, comenta Tsukamoto.
O que diferencia, no entanto, a invenção da Unicamp é o processo de mistura dos compostos naturais, de origem vegetal e mineral, biocompatíveis, a partir de reações simples, com a possibilidade do uso de água no lugar de solventes orgânicos. “Ao desenvolver o estudo que resultou na tecnologia, pensamos no tripé da sustentabilidade, envolvendo o social, com uso de matérias-primas locais, o econômico, na busca de redução de custos, e o ambiental, eliminando etapas agressivas do processo”, diz a pesquisadora.
Aplicações
A nova borracha já teve patente depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) com o apoio da Inova Unicamp. Entre as vantagens do material, os pesquisadores destacam a flexibilidade. “Diferente de um metal, que é rígido, esse compósito condutor a base de borracha verde pode ser dobrado e voltar à sua forma original”, diz Moshkalev.
Essa característica viabiliza aplicações variadas que necessitam de intervalos longos de deformação mecânica. “Além disso, ele não oxida, ao contrário de um metal”, completa.
Um uso possível seria a produção de palmilhas aquecidas flexíveis para sapatos. “Temos uma demanda muito grande em frigoríficos, por exemplo. São pelo menos 500 mil pessoas no país trabalhando diariamente no frio.”
O novo material condutor poderia gerar conforto térmico para as extremidades do corpo. Nos testes de laboratório, os pesquisadores conseguiram manter amostras do composto de borracha verde aquecidas por até quatro horas, em temperatura constante, com uso de pilhas convencionais do tipo AA. A voltagem, segundo a equipe, é baixa e não ofereceria riscos aos usuários.
Transferência de tecnologia
A tecnologia para a produção de compósitos condutores de borracha verde faz parte do Portfólio de Tecnologias da Unicamp. O contato e negociação para transferência de tecnologia são realizados diretamente com a Agência de Inovação Inova Unicamp, que é o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Unicamp, pelo endereço: www.inova.unicamp.br/licenciamento/.
Com a possibilidade de licenciamento da tecnologia para a indústria, os inventores esperam poder ampliar as pesquisas com objetivo de desenvolver outros produtos.
Empresas e instituições públicas ou privadas podem licenciar a propriedade intelectual desenvolvida na Universidade. Além do acesso a tecnologias de ponta, a transferência de tecnologia reduz riscos associados à criação de novos produtos e processos inovadores e colabora para o desenvolvimento socioeconômico baseado no conhecimento científico.
Por CicloVivo com informações de Jornal da Unicamp e Inova Unicamp
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