Espécies de árvores mudam para regiões mais altas e com clima mais ameno na Mata Atlântica, enquanto outras estão surpreendentemente se deslocando para áreas mais baixas.
Esse fenômeno, inédito na região, foi destacado em um estudo publicado em julho na revista Journal of Vegetation Science. O movimento das espécies, conforme o estudo, pode levar a uma homogeneização do ambiente a longo prazo, colocando em risco a sobrevivência de plantas com distribuição mais restrita, como as araucárias (Araucaria angustifolia).
Adaptações às condições montanhosas
Rodrigo Bergamin, ecólogo da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, explica que em florestas montanhosas as plantas se adaptam a diferentes faixas de temperatura. “Em altitudes maiores, as plantas crescem menos, os frutos são menores e as folhas e a casca tendem a ser mais duras e grossas, fornecendo proteção contra o frio”, afirma Bergamin. Essas características contrastam com as plantas próximas ao nível do mar, onde o clima é mais quente.
O estudo observou que espécies mais generalistas, que conseguem se adaptar a diferentes ambientes, estão se espalhando. Por exemplo, árvores típicas de altitudes baixas, como a canjerana (Cabralea canjerana) e a jussara (Euterpe edulis), estão sendo encontradas no topo dos morros, onde tradicionalmente predominavam as araucárias. “A tendência é que essas espécies generalistas se espalhem com mais facilidade, adaptando-se a uma gama maior de condições ambientais”, destaca Bergamin.
Movimento duplo: subida e descida das encostas
Os pesquisadores analisaram 627 espécies de plantas em 96 áreas, cada uma representando 1 hectare, e descobriram que cerca de 27% das plantas migraram para altitudes mais altas, enquanto 15% desceram para áreas mais baixas. Bergamin aponta que as plantas que se deslocaram para altitudes menores provavelmente têm uma maior tolerância a temperaturas mais elevadas. Um fenômeno similar foi observado em áreas desmatadas, onde plantas de regiões mais altas se estabeleceram.
Essa é a primeira vez que a migração de árvores em duas direções foi registrada na Mata Atlântica, segundo os autores do estudo. Em florestas temperadas do hemisfério Norte, o movimento das plantas geralmente ocorre em direção ao norte, com árvores de folhas largas, adaptadas ao calor, invadindo florestas de pinheiros. Sandra Müller, ecóloga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coautora do artigo, explica que as florestas frias estão se tornando mais amenas
Para ampliar o escopo de análise, a equipe de pesquisadores utilizou dados do Inventário Florístico-Florestal de Santa Catarina, incorporando informações coletadas em 2010 sobre 88 trechos florestais distribuídos desde o nível do mar até 1.160 metros de altitude. Ao comparar as temperaturas dos locais onde as plantas jovens, com até 2 metros de altura, e as adultas viviam originalmente, os cientistas descobriram que as árvores menores preferem temperaturas mais quentes, enquanto as árvores adultas, acostumadas a climas mais frescos, permanecem presas em áreas onde a temperatura aumenta além do ideal.
Essa descoberta sugere que, enquanto as plantas jovens conseguem se adaptar a áreas aquecidas, as árvores adultas podem enfrentar dificuldades, especialmente à medida que as temperaturas sobem. “Um dos pontos fortes do estudo foi analisar trechos de mata conservada por pelo menos 10 anos, permitindo observar o crescimento das plantas jovens em uma ampla gama de altitudes”, avalia Marinez Siqueira, ecóloga do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que não participou da pesquisa. No entanto, Siqueira alerta que a migração das espécies para novas áreas não garante sua sobrevivência.
Fatores complexos para a sobrevivência
Segundo Siqueira, a sobrevivência das árvores no novo ambiente pode ser influenciada por diversos fatores, como a composição mineral do solo, as populações de microrganismos, a competição com outras plantas e as interações com animais dispersores e polinizadores. Esses elementos são cruciais para o sucesso das árvores em se estabelecerem em novos habitats.
Rodrigo Bergamin, um dos autores do estudo, planeja aprofundar as pesquisas para entender quais características das plantas as levam a migrar para altitudes mais altas ou mais baixas e quais estão mais ameaçadas. Um dos desafios futuros é compreender as relações entre as plantas e os animais dispersores de sementes, que também podem ser afetados pelas mudanças climáticas.
Risco de desencontros ecológicos
Assim como as plantas, os animais têm preferências por certas faixas de temperatura, e as mudanças climáticas podem provocar desencontros ecológicos. Sandra Müller, coautora do estudo, menciona que várias espécies da Mata Atlântica, como a araucária, dependem de aves migratórias para a dispersão de suas sementes. “Se essas aves mudarem seu comportamento em resposta às mudanças de temperatura, as plantas que dependem delas terão mais dificuldade para se dispersar”, explica Müller.
O estudo destaca a complexidade das interações ecológicas na Mata Atlântica e os desafios crescentes impostos pelas mudanças climáticas, que podem ameaçar a biodiversidade da região.
*Com informações Agência Fapesp
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