A região do alto e médio rio Solimões, no Amazonas, enfrenta uma crise ambiental de proporções alarmantes. A seca histórica, somada às mudanças climáticas, está transformando a paisagem da região e comprometendo tanto a vida das comunidades ribeirinhas quanto a fauna local. Bancos de areia estão substituindo as águas barrentas do rio, o que tem dificultado o transporte fluvial e alterado a dinâmica dos ecossistemas aquáticos, como o Lago Tefé, onde uma grave mortalidade de botos foi registrada. Essa situação preocupa pesquisadores e evidencia os impactos crescentes das mudanças climáticas na Amazônia.
Rio Solimões: transporte e subsistência em risco
O cenário ao longo do alto e médio rio Solimões é caótico. Bancos de areia tomaram conta de áreas antes cobertas por águas barrentas, o que tem causado grandes dificuldades para a navegação e a economia local. Cidades que dependem do rio, como Tefé, Coari, Alvarães, Tabatinga e Benjamin Constant, estão vendo suas áreas portuárias se transformarem em praias de barro e lama, prejudicando o transporte de cargas e passageiros.
Em Tefé, os barcos que antes atracavam diretamente na cidade agora são obrigados a desembarcar passageiros a quilômetros de distância, pois apenas pequenas canoas conseguem alcançar o porto, cujo píer flutuante está inutilizado. Situações semelhantes são relatadas em Tabatinga, Alvarães e outros municípios. A dificuldade de acesso às cidades isola ainda mais as comunidades ribeirinhas, que dependem do transporte fluvial para o abastecimento de alimentos e outros bens essenciais.
Além dos problemas logísticos, os lagos formados pelo rio Solimões, como Mamirauá e Amanã, estão entre as áreas mais afetadas pela seca. Esses lagos são fundamentais para a sobrevivência das comunidades locais, que dependem da pesca e de projetos de manejo sustentável, coordenados pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, para sua subsistência. Com o nível de água drasticamente reduzido, a fauna desses lagos, incluindo espécies como pirarucu e jacaré, está sob grave ameaça.
Lago Tefé: a tragédia dos botos
Um dos maiores lagos da região, o Lago Tefé, tem sido particularmente afetado pela seca. Em 2023, mais de 200 botos, sendo mais de 170 da espécie boto vermelho (Inia geoffrensis), morreram devido às condições ambientais extremas. A baixa oxigenação da água, aliada às temperaturas elevadas, foi apontada como a principal causa dessa mortandade em massa.
O monitoramento da saúde dos botos no Lago Tefé começou em janeiro de 2024. O Instituto Mamirauá, responsável pelo acompanhamento, está realizando a captura científica dos animais para avaliar seu estado de saúde e instalar chips transmissores, que permitem o rastreamento em tempo real. O objetivo é entender melhor os movimentos dos botos e as áreas de risco, além de avaliar a influência das condições climáticas no lago.
Segundo Míriam Marmontel, chefe do projeto de pesquisa em mamíferos aquáticos do instituto, a temperatura do lago é verificada diariamente. Em alguns dias, já foram registradas variações de até 10 graus Celsius entre a manhã e a tarde, um comportamento anômalo e perigoso para os botos, que não conseguem se adaptar rapidamente a essas mudanças bruscas. “É uma variação muito brusca”, afirmou Míriam, enfatizando a gravidade da situação.
Em 2024, novas mortes de botos já foram registradas. Em uma semana, houve uma média de uma morte por dia. No dia 18 de setembro, a carcaça de um filhote de boto vermelho foi encontrada na margem do lago, um indicativo de que o problema está longe de ser solucionado. No entanto, as mortes mais recentes não estão sendo diretamente associadas às variações de temperatura da água. De acordo com Míriam, a principal hipótese é que o aumento da proximidade entre humanos, principalmente pescadores, e os animais esteja exacerbando as condições de vulnerabilidade dos botos.
Impactos das mudanças climáticas na Amazônia
A seca no Rio Solimões e no Lago Tefé é um reflexo direto das mudanças climáticas que têm atingido a Amazônia de forma crescente. A redução do nível das águas, o avanço dos bancos de areia e a diminuição da oxigenação dos lagos estão impactando profundamente o modo de vida das comunidades ribeirinhas e a biodiversidade da região. Projetos de manejo sustentável, como a pesca do pirarucu e a criação de jacarés, estão sendo comprometidos pela falta de recursos hídricos, colocando em risco a economia local e a segurança alimentar dessas populações.
O Instituto Mamirauá segue atuando para minimizar os danos causados por essa crise ambiental, monitorando os botos e outros animais, além de promover ações de conservação e conscientização sobre a importância da preservação dos ecossistemas aquáticos. No entanto, a solução para o problema passa por medidas mais amplas de mitigação das mudanças climáticas, que exigem esforços coordenados em nível global.
A crise hídrica que afeta o Rio Solimões e o Lago Tefé é um claro indicativo dos impactos das mudanças climáticas na Amazônia. O avanço das áreas secas e a crescente dificuldade de navegação comprometem não apenas a subsistência das comunidades ribeirinhas, mas também a fauna local, com destaque para a mortalidade dos botos vermelhos. O monitoramento contínuo e a adoção de tecnologias, como os chips transmissores, são importantes para entender a extensão dos danos e proteger os animais sobreviventes. Entretanto, sem ações globais para conter a degradação ambiental, crises como essa tendem a se intensificar, agravando ainda mais as condições de vida na região.
*Com informações BNC
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