“A criação de inventários, coleções e taxonomias surpreendentes, que adormecem nos escaninhos das instituições de pesquisa, pode levar ao conhecimento e ao aproveitamento sustentável dos recursos hídricos, da flora, fauna e minerais da Amazônia, promovendo um desenvolvimento que não comprometa as gerações futuras mas comece na consideração das atuais demandas humanas e institucionais em favor de uma nova consciência e civilização.”
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
Dizemos com ufanismo irrelevante que dispomos na Amazônia de 20% da água doce do planeta, o recurso natural mais precioso da Natureza. Entretanto, nada temos feito para prever, planejar e administrar os fenômenos extremos da crise climática que ameaçam o acesso a esses recursos. Triste Amazônia, com seus vastos rios e afluentes, decantada como uma das maiores reservas de água doce do planeta, e negligenciada como uma esfinge que desafia a competência de seus governantes.
Será, assim, tão improvável a gestão sustentável de seus recursos hídricos, sua flora, fauna e minérios? Ou não passam de narrativas as soluções vitais para a humanidade, passando pelos serviços ambientais, aproveitamento inteligente da biodiversidade, sua contribuição para o equilíbrio climático e o bem-estar das populações locais?
Em 2005, o cientista Enio Candotti ficou estarrecido com a notícia da descoberta do monumental aquífero Içá-Solimões, e pasmo quando soube dos recursos pífios destinados à sua pesquisa, refletindo e repetindo o velho descaso e habitual subinvestimento em ciência e tecnologia para a Amazônia. Recentemente, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou uma situação de escassez quantitativa de recursos hídricos nos rios Madeira e Purus, sem mencionar a gravidade do Alto Solimões. Há muita urgência de medidas para lidar com episódios extremos de escassez das águas. Saudoso Candotti, mais uma vez constatamos a falta de previsibilidade, planejamento e pudor no trato da Amazônia.
E qual a importância dos recursos hídricos na Amazônia?
Podemos começar por seu papel na pujança da biodiversidade. Os rios amazônicos abrigam uma enorme variedade de espécies aquáticas, muitas das quais são endêmicas. A conservação desses habitats é crucial para a manutenção da biodiversidade regional. São as águas que oferecem o substrato essencial para a proteção e evolução da vida e de seu viço.
Sem água não há agricultura, pesca, ou seja, manutenção da vida. As águas da Amazônia são fundamentais para a agricultura de subsistência, familiar ou extensiva. E para a pesca, atividades essenciais para a segurança alimentar das comunidades locais e hidratação do agronegócio, dos reservatórios, da existência humana. De quebra, os rios da Amazônia desempenham um papel vital no ciclo global da água, influenciando padrões de precipitação e contribuindo para a regulação do clima. Entretanto, quando este mesmo clima mostra o reverso de sua anti-gestão, tudo fica ameaçador.
Não são discretos os desafios na gestão dos recursos hídricos. O descaso facilita o desmatamento e acelera a degradação ambiental. A destruição das florestas impacta diretamente os cursos d’água, resultando em assoreamento, mudanças no regime de chuvas e diminuição da qualidade da água. Estamos assistindo ano a ano as queimadas expandindo seu volume e duração que nos impõem inalar fuligem boa parte do ano.
Projetos de infraestrutura, como hidrelétricas e mineração, sem a devida previsibilidade e planejamento, têm causado danos significativos aos ecossistemas aquáticos, afetando tanto a fauna quanto as populações humanas. A seca nas bacias dos rios Madeira e Purus, por exemplo, está impactando a geração de energia nas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, além de comprometer a navegação e o abastecimento de água. A expansão das áreas urbanas e o aumento da população na região amazônica pressionam os recursos hídricos, exigindo uma gestão eficiente para garantir a gestão da qualidade e da disponibilidade da água.
Iniciativas e soluções sustentáveis
Impõem-se projetos de proteção de nascentes e rios. Projetos de conservação e restauração de aquíferos de superfície e reflorestamento das margens de rios são fundamentais para garantir a qualidade e a continuidade dos recursos hídricos. A adoção de sistemas agroflorestais que integram a agricultura com a conservação florestal ajuda a manter o solo e os recursos hídricos protegidos. Investimentos em infraestrutura de saneamento básico são essenciais para prevenir a poluição dos rios e garantir água potável para as comunidades.
Vazantes, a improvisação por base
Estratégico para a logística industrial e comercial de Manaus e região metropolitana, o rio Madeira enfrenta vazantes cada vez mais alarmantes que prejudicam a navegação, aumentando os tempos de viagem e reduzindo a carga transportada, o que eleva os custos de frete e ensaia a paralisação do tráfego. Soluções adiadas e intervenções descabidas. Similar ao Madeira, o Purus também é vital para a logística e o abastecimento das populações ribeirinhas.
A redução do nível das águas compromete o transporte de mercadorias e o acesso a comunidades isoladas. A quase 1000 km de Manaus, o Solimões é crucial para o acesso a áreas remotas, onde só se chega pelo rio ou de avião, com tarifas impraticáveis para a absoluta maioria da população. As vazantes agravam ainda mais a situação, dificultando a chegada de produtos e serviços essenciais.
Lições de um colóquio importante
Sob o tema Dragagem e Sedimentos, num colóquio recente, o professor Augusto Rocha, da Comissão CIEAM de Logística, pautou o desafio das vazantes e da urgência na gestão dos recursos hídricos, com o professor André Martinelli, alertando para a importância da pesquisa e do planejamento para resolver os desafios da Amazônia. Publicado no YouTube, o debate abordou como a falta de pesquisa pode esconder soluções, algumas prosaicas e outras surpreendentes, para enfrentar os grandes desafios da região.
Ao debater a questão dos sedimentos, foi mencionado que grandes quantidades de sedimentos vêm dos Andes e do deserto do Saara, chegando à Amazônia em quantidades assustadoras. E como gerenciar o problema, quanto tempo e qual o investimento necessários para entender como esses sedimentos se movem, crucial para a navegação da hidrovia que acessa Manaus. Segundo as estimativas, um modelo inicial de três anos é ideal para desenvolver uma metodologia robusta, com um projeto bem construído e transversal, que inclua hidráulica, transporte de sedimentos e climatologia.
O colóquio enfatizou a necessidade de um projeto inicial de três anos para construir uma metodologia eficaz, aproveitando os melhores equipamentos e técnicas disponíveis. Com um investimento satisfatório, seria possível montar um panorama detalhado e subsidiar decisões futuras para assegurar a construção de hidrovias. Para ilustrar com exemplos internacionais, foi utilizado o Canadá, que tem programas de monitoramento de bacias hidrográficas altamente eficientes. Soluções viáveis poderiam ser testadas em laboratório antes de serem implementadas, seguindo exemplos de outros países que otimizam a execução de projetos complexos.
E qual é o dever de casa se o assunto desembarcar na busca de soluções?
A gestão sustentável dos recursos hídricos na Amazônia é uma tarefa complexa que exige a colaboração entre governos, setor privado, as comunidades locais, entidades de classe e organizações não governamentais. Somente através de ações coordenadas e inovadoras será possível garantir que a Amazônia continue sendo uma fonte vital de água doce para o mundo e um bastião da biodiversidade global em favor de sua gente e seus desafios de desenvolvimento.
Os episódios reincidentes de escassez hídrica ressaltam a necessidade de orçamentos federais específicos para aportar investimentos em pesquisa e infraestrutura. Uma aposta com garantias prévias de benefícios para a região e para o país, como destacava Enio Candotti em 2005 ao alardear a riqueza subterrânea dos aquíferos. A criação de inventários, coleções e taxonomias surpreendentes, que adormecem nos escaninhos das instituições de pesquisa, pode levar ao conhecimento e ao aproveitamento sustentável dos recursos hídricos, da flora, fauna e minerais da Amazônia, promovendo um desenvolvimento que não comprometa as gerações futuras mas comece na consideração das atuais demandas humanas e institucionais em favor de uma nova consciência e civilização.
Alfredo é filósofo, foi professor por muitos anos na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, quando voltou para sua terra natal e hoje é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal BrasilAmazôniaAgora
FAQ
Qual a importância dos recursos hídricos na Amazônia?
Os recursos hídricos na Amazônia são base da vida de praticamente toda a biodiversidade, mas também para a agricultura, pesca, além de desempenhar um papel vital na regulação do clima global. Eles são importante porque:
- Permitem a geração de energia hidrelétrica, irrigação de cultivos, extração mineral e turismo
- São a principal fonte de alimentação e renda para milhares de povos e comunidades tradicionais que dependem da pesca
- Servem de hidrovias que conectam as comunidades dispersas na floresta, facilitando o transporte e a logística
- Formam um papel crucial nos projetos de desenvolvimento da região devido à sua imensa disponibilidade
O que é o aquífero Içá-Solimões?
O aquífero Içá-Solimões é um gigantesco reservatório subterrâneo de água doce na Amazônia, especialmente nos estados do Amazonas e Acre. Ele é formado por sedimentos arenosos depositados durante o Terciário e Quaternário e possui uma área de cerca de 500.000 km². Cientistas mudaram a nomenclatura ao juntá-lo com o Aquífero Alter do Chão para então denominá-los de Aquífero Grande Amazônia, o maior aquífero do mundo.
Estudos indicam que o aquífero Içá-Solimões, de forma isolada, contém aproximadamente 86.400 km³ de água doce, o que o torna um dos maiores reservatórios subterrâneos do mundo. Sua profundidade varia de 50 a 500 metros, com uma média de 250 metros.
Quais são os principais desafios na gestão dos recursos hídricos da Amazônia?
Os principais desafios incluem desmatamento, degradação ambiental, projetos de infraestrutura sem planejamento adequado, e a pressão crescente das áreas urbanas. Com isso, necessitando de:
- Monitoramento e fiscalização insuficientes para garantir a qualidade e quantidade das águas
- Poluição e contaminação dos rios por atividades como mineração, agropecuária e garimpo
- Construção de barragens hidrelétricas que impactam os estoques pesqueiros e a navegação
- Crescimento populacional e aumento da demanda por água para diversos usos
- Mudanças climáticas que podem alterar os padrões de chuva e afetar a disponibilidade hídrica
- Conflitos pelo uso da água entre diferentes setores (agricultura, indústria, saneamento, etc.)
Como o desmatamento afeta os recursos hídricos na Amazônia?
O desmatamento causa assoreamento dos rios, mudanças no regime de chuvas, e diminuição da qualidade da água, impactando diretamente os ecossistemas aquáticos. Além disso ele também é capaz de:
O que são vazantes e como elas afetam a navegação na Amazônia?
As vazantes são períodos de estiagem e baixo nível dos rios amazônicos, geralmente entre os meses de agosto a novembro. Elas ocorrem devido à redução das chuvas e aumento da evapotranspiração durante a estação seca. No aspecto logístico, elas prejudicam a navegação, aumentando o tempo de viagem, reduzindo a carga transportada e elevando os custos de frete.
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