Sem isto parece ser fantasioso esperar por menos pobres na “rica” Amazônia. É preciso preparar um novo roteiro para uma nova história futura.
Por Juarez Baldoino da Costa
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Busca-se entender a razão desta aparente desarmonia que persiste há séculos e como funciona o mecanismo deste processo. A tal “riqueza” da Amazônia que inclusive ainda depende de ser valorada, não pertence ao mundo econômico acessível e, portanto, ainda não gera benefícios ao seu povo. Os dados do IBGE apontam 2022 com um percentual em torno de 44,9% de pessoas categorizadas como pobres na Amazônia, embora a região seja considerada “rica”.
Uma visão que tenta responder à pergunta, considera que a principal razão é porque a prosperidade a ser obtida pela distribuição da riqueza deve estar representada pela disponibilidade do bem convertida em recursos acessíveis pelo seu detentor, nos prazos conforme a natureza do recurso. Este acesso ao recurso se materializa pela entrega do bem, através de contrato ou de nota fiscal, emitidos para o comprador, para só então se converter em dinheiro.
Como não é possível fazer esta operação com os minérios que não estejam com exploração em curso, nem com produtos da ABS – Amazônia Biológica de Superfície que não estejam em prateleira, mas estão entre as tais “riquezas”, não é possível emitir a nota fiscal nem assinar o contrato, e por isto, também não é possível materializar a prosperidade. A “riqueza” ainda inacessível não é somada à riqueza acessível para dividir pela população, resultando, por isso, em índices abaixo da linha que separa os pobres dos não pobres entre os amazônidas.
Como agravante, o mecanismo que produz a atual situação de pobreza, mesmo depois do dinheiro ser acessado, é originário no fato de que, mesmo depois de recebido o pagamento da venda feita, a riqueza, finalmente assim auferida com o dinheiro, ainda será compartilhada com as cadeias que participam da operação.
Será preciso, por exemplo, remunerar o investimento cuja origem pode estar sediada em outras regiões, inclusive no exterior, pagar os fornecedores de infraestrutura, insumos e equipamentos, quando necessários, como também os serviços contratados de fora da Amazônia, entre outros.
Muitos destes agentes nem sempre são amazônidas, e como os valores destas participações normalmente são os de maior percentual, a menor parte é a que ficaria na região.
Nesta fase é que também é distribuída esta parte menor da riqueza para o contingente entre os quais estão os 44,9% de pobres da região, desde que participem da operação direta ou indiretamente. Isto ocorre em grande medida através de remuneração por salários, e estes salários nem sempre são elevados o suficiente para permitirem gerar a riqueza mínima que os retirem da pobreza, embora possam atenuá-la. Além disto, entre os 44,9% de pobres, estão pessoas com menor preparo para ocupar as atividades da operação, e acabam sendo preteridas por imigrantes ou menos pobres melhor preparados, permanecendo aqueles na linha de pobreza.
Um outro formato que produz riqueza são as operações sem intermediários, geradas diretamente pela população e em comunidades, mas com volume pouco representativo e pouco abrangente.
Se a “riqueza” da Amazônia não for colocada no estoque para ser entregue, este ciclo sequer pode ser iniciado, retardando o movimento de prosperidade.
As operações maduras já existentes na Amazônia como Carajás, açaí, ZFM e soja, entre outras, que podem ser chamadas de VME – Velhas Matrizes Econômicas, todas seguiram a lógica de ter prateleiras abastecidas e partilha das remunerações pelos mecanismos já conhecidos, cujo resultado são os 44,9% de pobreza.
Por outro lado, sem que estas operações ocorressem, não se sabe em que percentagem estariam os pobres.
É fato que as chamadas NME – Novas Matrizes Econômicas já têm diversas iniciativas de operação em andamento em vários estágios e em várias localidades, acenando com resultados alvissareiros no médio e longo prazo, mesmo que ainda incipientes. Entretanto, muitas destas NME, que contém os principais ativos da ABS, se continuarem seguindo o modelo das VME para chegarem à prateleira e seguirem o mesmo ciclo econômico já instalado, continuarão ensejando a mesma pobreza até então registrada pela história.
Para reduzir os 44,9% de pobreza, seria preciso repensar o formato do atual mecanismo distributivo, e o governo, só o governo, é quem pode de fato agir na escolha e na gestão de novos caminhos, estes sim, podendo ser construídos com a contribuição da sociedade amazônida, se ouvida.
Sem isto parece ser fantasioso esperar por menos pobres na “rica” Amazônia. É preciso preparar um novo roteiro para uma nova história futura.
Juarez é Amazonólogo, MSc em Sociedade e Cultura da Amazônia – UFAM, Economista, Professor de Pós-Graduação e Consultor de empresas especializado em ZFM.
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