Por Glauco Arbix, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e colunista da Rádio USP
A pandemia acentuou tendências latentes em nosso cotidiano, alavancadas pela inflação, a guerra, o desemprego e a retração da economia. Mas não há como camuflar a responsabilidade do governo federal pelas agruras da sociedade e a agressão à educação e à ciência brasileiras.
Sua atuação errática acuou cientistas, esvaziou agências de fomento, minou universidades, cortou verbas. Na contracorrente do mundo, além de retardar o trânsito para uma sociedade sustentável, o Brasil ficou cada vez mais distante dos países tecnologicamente mais avançados. Ou nos esforçamos para entrar em sintonia com as novas tecnologias ou ficaremos marcados pela irrelevância.
A dinâmica atual das novas tecnologias digitais, com destaque para a inteligência artificial, é tão poderosa que modifica o metabolismo da indústria de transformação, dos serviços, da agricultura e do comércio. Mas sua difusão é absorvida de modo desigual, seja pelos países, seja pelas pessoas.
A procura pelos mais qualificados no mercado de trabalho aumenta as desigualdades; as empresas e a pesquisa científica perdem dinamismo e a infraestrutura e a economia envelhecem rápido. A baixa qualidade do sistema educacional é ainda mais exacerbada diante do número cada vez maior de pessoas deixadas para trás.
Os ciclos tecnológicos disruptivos marcam os países em desenvolvimento com atrasos assimétricos. Promovem mudanças na infraestrutura e nos padrões de consumo, mas não conseguem impulsionar mudanças nas estruturas da economia, que exigiriam um esforço articulado entre o setor público e privado, as empresas, as universidades e o governo. O mundo mudou e a interdependência é a regra.
A ciência, sabemos, não respeita fronteiras. Por onde avançar?
Antes de mais nada, é preciso interromper a regressão atual do sistema de CT&I. Segundo, é importante reconhecer que as novas tecnologias se baseiam na valorização do capital humano: não há como absorver, adaptar e desenvolver tecnologias sem pessoas qualificadas.
Terceiro, as tecnologias inovadoras abrem possibilidades imensas, mas pedem ambientes propícios a sua absorção e desenvolvimento, o oposto do ambiente tóxico atual. Quarto, é fundamental defender nossas florestas e toda a população e etnias que vivem delas e ajudam a mantê-las. O respeito ao meio ambiente deve ser parte integrante do esforço pelo desenvolvimento.
Não há mágica, claro. Mas o nível alcançado pela CT&I permite que o Brasil contribua mais ainda para elevar a expectativa de vida das pessoas e recuperar sua posição de vanguarda na luta contra os efeitos das mudanças climáticas, pela biodiversidade e por fontes limpas de energia, pela produção de alimentos e o uso da terra, fundamentais para diminuir a pobreza, as desigualdades e a geração de empregos.
Se é verdade que o Brasil não está fadado ao fracasso, é mais do que certo que é preciso mudar de rumo. A ciência brasileira já mostrou ter condições de renovar seu compromisso com a sociedade e disposição para se articular com todos os que buscam um lugar de relevo para o país.
Texto publicado originalmente em Jornal da USP
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