Não há dúvidas de que precisamos concluir a rodovia para darmos um maior dinamismo econômico, social, político e estratégico para o Estado do Amazonas. Mas precisamos respeitar os tratados internacionais, a nossa própria Constituição e a legislação infraconstitucional. E, não menos importante, tornar a concretização da BR 319 uma prioridade do governo federal, principalmente por meio de seu planejamento de execução constando no Plano Plurianual.
Por Farid Mendonça Júnior
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A BR-319 é uma rodovia federal que conecta a capital do Estado Amazonas, cidade de Manaus, com a capital do Estado de Rondônia, cidade de Porto Velho, além de diversas cidades e comunidades entre as duas capitais mencionadas. Sendo, portanto, a única saída por rodovia do Estado do Amazonas com o resto do país.
A rodovia possui uma extensão de 885 km. Para se ter ideia da magnitude, a distância entre as cidades de Lisboa e Madri, na Europa, é de 645 km, com um tempo de jornada de pouco mais de 8 horas em ônibus.
Foi construída entre os anos de 1968 e 1973, tendo sido oficialmente inaugurada em 27 de março de 1976 durante o governo do Gen. Ernesto Geisel, na vigência do regime militar.
A construção da rodovia estava inserida no pensamento estratégico da época dos militares de integrar para não entregar o território, haja vista o território brasileiro imenso e pouco integrado devido às circunstâncias históricas de se ter privilegiado o desenvolvimento das cidades situadas na costa brasileira, além do objetivo de também interiorizar o desenvolvimento econômico.
Importante destacar que na época em que foi construída, final da década de 1960 e início da de 1970, não havia grandes discussões sobre as questões ambientais tal qual existem nos dias atuais. A própria legislação ambiental internacional era praticamente incipiente, quanto mais a legislação nacional. E funcionava a lógica de passar por cima com o trator e a motosserra, além do pensamento de que mato e florestas eram obstáculos ao desenvolvimento econômico.
A rodovia se manteve operacional de 1973 a 1988. A partir de então, começou a enfrentar o descaso do governo federal com a sua manutenção, o que propiciou que a natureza gradativamente se apossasse da mesma, fazendo com que fosse interditada diversas vezes.
As décadas se passaram e mesmo com as dificuldades gritantes de locomoção ao longo da BR 319, muitos se aventuram e a utilizam para diversos fins. Entretanto, esta outrora estratégica rodovia continua alheia em relação aos caminhos da circulação do grande capital, não figurando, portanto, numa rota logística viável, diante das dificuldades devido à falta de manutenção e dos elevados custos.
Caminhão atolado BR 319
Ao se pensar na rodovia integrada à economia do grande capital, o que mais poderia se pensar é a utilização da mesma para fortalecer o escoamento dos produtos produzidos na Zona Franca de Manaus – ZFM, haja vista que até os dias de hoje estes produtos são escoados na sua maioria por via fluvial até o Estado do Pará e de lá seguem na sua maioria por meio de rodovias, em especial a rodovia Belém-Brasília, até chegar nos principais centros de consumo do Brasil, tais como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ou seja, há um custo alto, ainda mais se utilizando dois modais em sequência e o custo associado à troca de modal (fluvial e rodoviário).
Além disso, a rodovia poderia ser utilizada como rota estratégica como incentivo para a produção e o escoamento de produtos agrícolas e os provenientes da pecuária, favorecendo centenas de comunidades ao longo da rodovia com a criação de oportunidades de novos empregos, além de baratear o preço da cesta básica em boa parte das cidades e comunidades do Estado do Amazonas.
Além disso, poderia também ser usada para fins turísticos, fomentando a construção de novos empreendimentos do ecoturismo e, consequentemente, atraindo turistas nacionais e até internacionais.
Por fim, a conclusão da rodovia significa, além do aspecto econômico, um maior grau de liberdade para a livre locomoção da população amazonense, que devido à imensidão de seu território e os motivos históricos de exclusão e privação da integração nacional, tem seu direito constitucional de ir e vir tolido.
E a questão ganha contornos até contraditórios a luz do que pode pensar grande parte da mídia, políticos e de influenciadores do país em geral. Estou me referindo ao caso da Zona Franca de Manaus que é tão mal compreendida devido à política de incentivos fiscais.
Os agentes que geralmente atacam os incentivos da Zona Franca de Manaus geralmente são os mesmos que defendem uma economia amazonense mais identificada com os seus potenciais locais (biodiversidade, turismo, entre outros). Mas também costumam ser os mesmos que nos tolhem do direito de termos a BR 319 totalmente asfaltada, com o fundamento de que a rodovia irá provocar mais danos ao meio ambiente.
Uma questão que pode vir à reflexão é como que uma rodovia que já teve sua construção realizada décadas atrás e que está bastante deteriorada necessita de Estudos e Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA para ser viabilizada?
Bem, como já foi dito, o descaso e o abandono histórico por parte do governo federal foram tão grandes que a floresta voltou a ocupar parte da estrada, e, além da floresta, temos também os animais, os indígenas, as comunidades tradicionais e as unidades de conservação.
O tempo passou, e a luz da nova sistemática e legislação ambiental internacional de que o Brasil é signatário, além da própria Constituição Federal e legislação infraconstitucional, é dever das autoridades cumprir com o que está escrito nas normas jurídicas.
E a União vem tendo uma dificuldade muito grande, pois a mesma tem que atender diversos critérios que a legislação estabelece. Entretanto, a União vem a apresentando o péssimo hábito de querer resolver a situação no popular “meia boca” ou por tentativas de “jeitinhos”. E não resta outra alternativa ao Ministério Público Federal que não seja zelar pela legislação e à Justiça Federal, decidir conforme a lei.
É por esta razão que nas últimas décadas caminhamos muito morosamente para uma solução. É sempre uma consulta pública que está faltando ou qualquer outra exigência da lei que não foi cumprida com o rigor legal por parte do governo federal.
Ou, por exemplo, uma licença prévia emitida e comemorada por muitos, mas que não se traduz de imediato em asfaltamento do trecho do meio, haja vista a necessidade de outras inúmeras exigências legais.
Temos também o dever de respeitar a população indígena e as populações tradicionais, fazer audiências públicas, ouví-las, e isso não pode e não deve ser mero formalismo. São exigências inclusive de tratados internacionais, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário e que, portanto, deve respeitar.
Foi com o espirito de dar dinamismo a este debate que no dia 18 de agosto de 2022, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Amazonas, realizou, por meio da Comissão de Defesa da BR 319, uma visita técnica à referida rodovia com os objetivos de:
- verificar as condições de trafegabilidade ao longo da Rodovia BR-319, sobretudo no Lote C, a partir do Km 198,20 ao 250,7;
- visitar o canteiro de obras do Consórcio Tecon-Ardo;
- mostrar a importância da repavimentação da BR-319 para assegurar o direito fundamental de ir e vir das pessoas, com segurança e rapidez, sendo um instrumento para garantir efetividade à Dignidade da Pessoa Humana.
Para entendermos melhor como a rodovia está estruturada, é importante destacar que ela está dividida em lotes. O lote A que cobre o início partindo de Manaus até o km 198. O lote C, também conhecido como lote Charlie, que cobre do Km 198 até o km 250,7. O trecho do meio que cobre do km 250,7 até o km 655,7. E o lote B que cobre o Km 655,7 até o final da rodovia no km 885, já na cidade de Porto Velho.
A comitiva da OAB/AM, composta por cerca de 20 advogados e equipe de apoio, reuniu-se ainda na madrugada na sede da OAB/AM e de lá seguiu para o porto da Ceasa, dando início à viagem.
Após atravessar o rio por meio de balsa, a comitiva seguiu viagem pela BR 319, tendo feito paradas no Careiro da Várzea, Careiro Castanho, no Canteiro de Obra do Consórcio Tecon-Ardo, tendo atingido por fim o km 253 e, após, retornado à Manaus.
Quando da visita ao Careiro Castanho, presenciamos um relato importante de um cidadão local que em síntese relatou: “os governos passados prometeram a BR 319 e não cumpriram, o governo atual prometeu e não cumpriu. Eles atacam a Zona Franca de Manaus, o que vai ser da nossa economia e da população? E a forma com que as autoridades tratam os garimpeiros?.”
Este depoimento demonstra uma certa falta de perspectiva a partir do ponto de vista de um cidadão local que depende da BR 319 e que poderia estar numa situação muito melhor se a mesma fosse completamente asfaltada.
Não há dúvidas de que precisamos concluir a rodovia para darmos um maior dinamismo econômico, social, político e estratégico para o Estado do Amazonas. Mas precisamos respeitar os tratados internacionais, a nossa própria Constituição e a legislação infraconstitucional. E, não menos importante, tornar a concretização da BR 319 uma prioridade do governo federal, principalmente por meio de seu planejamento de execução constando no Plano Plurianual.
O que para o governo federal pode representar apenas mais uma das dezenas de rodovias que ele tem a obrigação de dar manutenção e milhões de reais no seu orçamento, para o Amazonas significa a concretização de sua liberdade, autonomia e uma nova fase de crescimento e desenvolvimento econômico.
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