Eu sou crítico do capitalismo. O que não me torna comunista, socialista ou outra coisa qualquer. A crítica é um pressuposto para melhorar qualquer coisa. Costumo dizer que o capitalismo “deu certo” porque ele é um sistema que estimula o egoísmo do ser humano. O empanturrar-se de bens materiais por meio do consumo é seu fundamento.
Farid Mendonça Júnior
__________________________
Ao longo da minha pouca experiência de vida (36 anos), volta e meia me pego pensando nos momentos de dificuldade já vividos pelo mundo e pelo meu país.
Evidente que vou além e passo a lembrar fatos que não vivi, mas que estão registrados nos livros.
A história humana é cheia de registros de dificuldades vivenciadas. Não pense que você e sua geração são os primeiros a vivenciar uma pandemia, a passar por atos terroristas, a enfrentar escaladas globais de inflação e deterioração econômica profunda, entre outras coisas. Consulte os livros, está tudo lá.
De alguma forma e, muitas vezes, com outras denominações, a humanidade já passou por situações semelhantes. Mas como nós não estávamos lá, não adianta muita coisa. A gente sempre pensa que a dor maior é agora. Nos lembramos do passado e sempre achamos que antes era melhor.
Mas parece que existe algo novo no “Reino da Dinamarca”. A questão ambiental associada com a aceleração disruptiva das novas tecnologias.
Estamos passando por um processo, na verdade o mundo está. A questão ambiental nos põe um desafio de caráter existencial. Ou nos salvamos ou nos salvamos. Não existe meio termo. E o tempo está correndo. Estamos perto de midnight (meia noite), denominação utilizada por ambientalistas e pela comunidade internacional para dizer que estamos próximos do fim, ou melhor, de nos extinguir. No dia 01 de novembro de 2021, o primeiro Ministro do Reino Unido, Boris Johnson, em seu discurso, chegou a dizer que faltava “1 minute to midnight” (1 minuto para a meia noite).
Nós estamos numa trajetória de conversação e negociação entre os países, onde estão tentando não fazer com que a temperatura aumente mais que 1,5 graus celsius até o final deste século (ano de 2100), ou seja, ainda não estamos nem sonhando em retroceder na temperatura, mas ainda em atenuar o apocalipse.
Estamos longe, muito longe. E é inevitável que o desespero apareça. O “vou morrer” está logo ali, na virada do século no mais tardar. Provavelmente para um cidadão médio do mundo e do Brasil o provável pensamento quanto a isso deve ser: “ahhhh, isso é coisa pra 2100, até lá eu já morri”. Bem, pior que não é não.
Eu já tenho esta consciência ambiental há um certo tempo, mas confesso que pensava: “bom, se não posso fazer nada, paciência, é seguir sobrevivendo”. Mas depois do dia 08 de junho de 2020 tudo mudou pra mim. A partir daquela data eu tive filho. E agora eu provavelmente estarei sim na terra até 2100.
Calma, não vou ser uma espécie de Matusalém. Estarei morto fisicamente, com certeza! Mas ainda estarei aqui, dentro do meu filho, da minha carne, do meu sangue. Portanto, tive que sair do status “vou levando”, para o status “tenho que agir”. Enfim, cada um que encontre o motivo para acreditar na continuidade da humanidade e na sua salvação.
Os países também já estão discutindo a neutralidade do carbono, o que é um avanço sensacional em termos de discussão, mas pífio ainda em termos de resultados. Para quem não sabe, neutralizar o carbono significa arranjar uma maneira ou um mecanismo de fazer com que você limpe na mesma quantidade que você sujou. Um exemplo clássico disso são quantas árvores eu tenho que plantar que sejam suficientes para eliminar a parte de carbono que eu ajudei a lançar na atmosfera ao viajar de avião.
A maior parte dos países discute as propostas de neutralizar o carbono até 2050. Mas, enfim, de novo parece ser um horizonte muito longe, e mais uma vez o pessimismo toma conta. Afinal, quanto a temperatura vai aumentar até lá? Quantas desgraças climáticas teremos que enfrentar? Quantas pessoas vamos ter que perder? Quantas pessoas serão lançadas na fome devido a escassez de alimentos provocada por temperaturas mais altas e estiagens? Além da inflação (aumento dos preços) e milhões de pessoas jogadas na miséria.
Este é o cenário avassalador que teremos que enfrentar. O último dia de Glasgow (a COP) será amanhã (13/11/21). Provavelmente não teremos decisões ousadas. E teremos que esperar mais um ano para termos outra COP para então renovar as esperanças. Afinal, a política não é fácil, cada país tem seus interesses e peculiaridades. E assim, vamos empurrando com a barriga e aumentando um problema, cuja conta irá chegar.
A parte boa que corre paralelamente a isso é o avanço da tecnologia e todas as possibilidades de mudança que ela nos oferece. Maior automação, maior integração, novas tecnologias, novas químicas, Big Data, Inteligência artificial, Machine Learning, 5G (internet das coisas), novas formas de gerar energias mais baratas e sustentáveis, entre outros.
Este processo está em curso, leva tempo, e já está mudando o dia a dia dos sistemas produtivos no mundo todo e, portanto, na vida das pessoas. Será que vai dar tempo? A velocidade da mudança é uma questão crucial. O capitalismo tem sua própria velocidade, diferente da velocidade que precisamos ter para nos salvar.
O casamento que está sendo gestado é o das tecnologias com a sustentabilidade. Esta combinação nos levará à nossa salvação, permitindo com que possamos passar para um novo patamar civilizatório.
Mais aí entra a questão: transição para um novo sistema ou mais um estágio do capitalismo?
Não acredito que esta transição nos levará para um novo sistema. Só nos levaria para um novo sistema se, superada a questão ambiental a ponto de nos conceder a sobrevivência, levasse-nos para uma maior igualdade, uma maior justiça social, que erradicasse a fome da humanidade e que oferecesse a todos condições mínimas e dignas de vida nos mais diversos aspectos.
Sonho? Pode ser! Quem não sonha perde a razão de viver.
Mas como o pessimismo invade meu cérebro, conduzindo-me para a racionalidade de quem conhece um pouco do ser humano, do seu egoísmo, arrisco a dizer que se trata de mais um estágio do capitalismo.
Eu sou crítico do capitalismo. O que não me torna comunista, socialista ou outra coisa qualquer. A crítica é um pressuposto para melhorar qualquer coisa. Costumo dizer que o capitalismo “deu certo” porque ele é um sistema que estimula o egoísmo do ser humano. O empanturrar-se de bens materiais por meio do consumo é seu fundamento. Quem não consegue comprar, sonha um dia conseguir e ser rico, para comprar.
É um fundamento burro, mesquinho, e totalmente contraditório ao meio ambiente. Achar que o ser humano poderá perpetuar este fundamento do consumo ad eternum é violar as regras da natureza, o seu equilíbrio. Só existe uma forma de expandir isso além do limite que temos hoje, colonizando outros planetas. Sujando e estragando um planeta, e depois passando pra outro para fazer a mesma coisa. Ainda não estamos nesta fase.
Quando eu faço esta crítica ao capitalismo, muitos me perguntam: qual sistema poderá substituí-lo? E a resposta é: não podemos pensar em substituir o sistema, temos que mudar o pensamento do ser humano. O sistema não tem vida própria. Tudo é feito por pessoas. Se as pessoas não mudarem, o sistema não muda.
Por fim, termino com a frase de um grande amigo: “Quando a gente tem filho, tem a obrigação de ser otimista e trabalhar pra isso”.
Comentários