“Todavia, para se resolver uma situação tão complexa como esta que enfrenta o mundo atual, não basta que cada um seja melhor. Os indivíduos isolados podem perder a capacidade e a liberdade de vencer a lógica da razão instrumental e acabam por sucumbir a um consumismo sem ética nem sentido social e ambiental. Aos problemas sociais responde-se, não com a mera soma de bens individuais, mas com redes comunitárias:”
Estevão Monteiro de Paula
Cláudio Ruy Fonseca
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Esse texto é continuação de "Amazônia: Teologia e Sociologia da Sustentabilidade"
A individualidade na produção do conhecimento
O sistema filosófico atual é o grande empecilho ao desenvolvimento sustentável. Será necessária a superação desse modelo. Os jovens cientistas brasileiros terão que entrar em contato com a realidade da operação coletiva, sob pena da permanência do sonho do desenvolvimento sustentável continuar no discurso.
Os conflitos sociais existentes, as polaridades das crenças e da política, os ceticismos nas informações recebidas e a individualidade crescentemente alimentada pelo isolamento social do ser humano, dificultam a produção de conhecimentos robustos que possam atender aos anseios de uma sociedade ávida para desenvolver-se de forma sustentável.
Atualmente, muitas entidades representativas do setor empresarial, da academia e pensadores têm se manifestado sobre o fato de que o ser humano deve aprender a trabalhar em grupo e ter inteligência emocional. Isto provoca certa agitação em alguns setores científicos acostumados ainda ao isolamento nas suas pesquisas.
A multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são imprescindíveis na produção de conhecimentos científicos voltados ao ser humano, ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. Atento a esta postura, os editais publicados pelos fomentadores oficiais, visando o financiamento de projetos de pesquisas exigem parcerias. O ambiente científico passou a dar mais créditos às publicações com grande número de pesquisadores e o pensamento holístico começou a ser internalizado na comunidade científica. Interessante exemplificar os Programas de Pesquisas Translacionais inicialmente utilizados na área da saúde, mas, atualmente este tipo de programa está sendo aplicado nas mais diferentes áreas. Este programa integra cientistas das de diferentes áreas de conhecimento, instituições de desenvolvimento e de produção de insumo. Em outras palavras, aplicação de cadeia de conhecimento na cadeia de produção. Toda a cadeia de produção é estudada simultaneamente. Isto é, a ciência atual persegue a diminuição entre o tempo para a produção de conhecimento e a sua apropriação pela humanidade, almejando que, num futuro próximo, o conhecimento seja convertido em bem de consumo imediatamente. Por esta razão, pode-se esperar que o remédio para COVID-19 seja encontrado e implantado em um tempo bastante rápido.
O Desenvolvimento depende da Ciência
Na área médica a informação e disseminação do conhecimento cresce exponencialmente; a estimativa diz que em 2012 foram publicados mais de 1 milhão de artigos científicos no espaço de um ano. Além disso a velocidade em que as descobertas médicas têm alcançado a prática médica nos últimos dois mil anos é de impressionar. Pesquisadores estudaram a velocidade com que o conhecimento chega a aplicação medica nos últimos 150 anos, e chegaram a uma relação linear decrescente; de acordo com a pesquisa, a continuar essa linearidade (é o que se espera), nos próximos 20 anos a translação entre a descoberta médica e sua aplicabilidade será praticamente imediata. Isto se dará devido progresso computacional observado com a Lei de Moore e o crescimento das arquiteturas de computação que, de acordo com Ray Kurzweil, em 2045, o ano da singularidade, haverá uma “explosão de inteligência”. Portanto, não acreditamos ser temeroso utilizar remédios desenvolvidos rapidamente para combater pandemias.
Nas academias brasileiras há tentativas para construir trabalho coletivo, todavia, as expectativas não foram satisfeitas. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, por exemplo, redesenhou sua estrutura orgânica para que seus pesquisadores trabalhassem em grupos de pesquisas. Entretanto, toda a geração atual de pesquisadores aprendeu com seus mestres o trabalho individual. Como consequência, formaram-se grupos artificiais de pesquisas que sequer produzem projetos coletivos e, as publicações permanecem individuais, determinando resultados com aplicabilidade restrita, por causa da deficiência de interpretações transdisciplinares dos fatos.
Assim como na área da saúde as demais áreas de conhecimentos terão disponibilizados aparatos tecnológicos capazes de armazenar quantidades significativas de informação, com capacidade computacional jamais imaginadas pelo ser humano. Portanto, será imprescindível que o sucesso de quaisquer empreitadas cientificas sejam dependentes de grupos de pesquisadores e outros atores importantes no processo.
No campo da teologia aparece uma disciplina denominada de ecoteologia, a qual objetiva novas leituras a respeito dos relatos da criação, com reflexões teológicos em diálogo com a ciência, em um novo paradigma pós-antropocêntrico.
A racionalidade ecológica das igrejas
A carência das lideranças políticas e referências econômicas e sociais, o ceticismo em relação à probidade e honestidade das lideranças políticas são fatos que desagregam a sociedade, polarizam a ideologia e promovem o crescimento da individualidade; é provável que, nos dias de hoje, uma das poucas realidades que oportunizam a união, com capacidade para estabelecer foco, construir padrões de comportamentos sociais únicos seja a igreja. Como diz o Papa na sua carta relativa as questões ambientais:
“Todavia, para se resolver uma situação tão complexa como esta que enfrenta o mundo atual, não basta que cada um seja melhor. Os indivíduos isolados podem perder a capacidade e a liberdade de vencer a lógica da razão instrumental e acabam por sucumbir a um consumismo sem ética nem sentido social e ambiental. Aos problemas sociais responde-se, não com a mera soma de bens individuais, mas com redes comunitárias:”
As mais diferentes religiões estão se manifestando quanto às questões ambientais, estabelecendo percepções sobre a relação e reponsabilidade do ser humano com o meio ambiente. A mais recente foi da religião católica que resultou em um documento chamado CARTA ENCÍCLICA LAUDATO SI’ DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM editado pela Santa Sé. Nela a igreja recomenda a “conversão ecológica” que alerta a reponsabilidade atribuída à fé, para as questões sociais e ambientais. Assim, o documento manifesta-se: “Convido todos os cristãos a explicitar esta dimensão da sua conversão, permitindo que a força e a luz da graça recebida se estendam também à relação com as outras criaturas e com o mundo que os rodeia, e suscite aquela sublime fraternidade com a criação inteira que viveu, de maneira tão elucidativa, São Francisco de Assis.”
“Ser Cristão é ser Sustentável”?
As preocupações ambientais também chegaram nas igrejas evangélicas. No ano de 2010 a igreja luterana realizou oficinas para discutir a responsabilidade ambiental no 42º Congresso Nacional da Juventude Evangélica Luterana do Brasil (JELB). Três anos depois inaugura em Porto Alegre o Instituto Sustentabilidade. No ano de 2013, a igreja Metodista da Terceira Região Eclesiástica de São Paulo lançou a cartilha “Ser Cristão é ser Sustentável”.
Nem todas as linhas das igrejas evangélicas estão preocupadas com as questões ambientais. Alguns líderes pastores alertam que a terra será destruída por Deus; portanto, envolver os crentes em projetos de sustentabilidade é um erro; como disse o Pastor americano Mark Driscoll “que os cristãos não devem se preocupar com o meio ambiente ou com o aquecimento global porque Jesus estaria prestes a arrebatar a Igreja.”
Posição contrária a manifestação de Driscoll se observou com o encontro de aproximadamente 4000 líderes evangélicos de 200 países, na cidade do Cabo em 2010, quando escreveram e assinaram o Pacto de Laussane III assumindo o compromisso das igrejas com a preservação da criação de Deus, a natureza.
Força Política das Igrejas
Os adventistas expressaram seu posicionamento em documento desde 1996. Em nível mundial, reiteram que a humanidade foi criada à imagem de Deus, portanto, Deus a responsabilizou quanto ao domínio do planeta, para administrar o ambiente natural como mordomos, ou seja, tendo apenas o usufruto, com a responsabilidade de garantir às gerações futuras, o uso das facilidades feitas por Deus. Também entendem que preservar a natureza pereniza o segundo livro (o primeiro é a Bíblia) onde o caráter de Deus está revelado, assim, as gerações futuras aprenderão a confiar em Deus. A questão maior a entender é: qual a percepção das igrejas em relação ao meio ambiente? Como se manifestarão os cristãos nos próximos anos em relação aos recursos naturais? Como o chamado evangelho pode interferir na sustentabilidade e na segurança social?
Qual será o reflexo na economia, na qualidade de vida do cidadão da Amazônia se seguirem rigorosamente a recomendação da cartilha Ser Cristão é ser Sustentável, quando afirma que: “cabe a cada um fazer sua parte para que o mundo que conhecemos permaneça por muitas e muitas gerações o mais intacto possível evitando, assim, que muito do que hoje existe não se transforme em peça de museu ou extinto da face da Terra por falta de uma preocupação com o que nos cerca”. Todavia, a ressalva “[….] o mais intacto possível” pode parecer utópica.
É indiscutível a força política das Igrejas nos dias de hoje. São capazes de eleger políticos e têm forte liderança em todas as esferas governamentais do Brasil. Além disso, é provável que a igreja seja, hodiernamente, a única referência que, grande parte da população brasileira acompanhada por iniciativa própria. Assim, é de se acreditar que construir projetos de desenvolvimento sustentável com as igrejas nas suas áreas de influência, respeitando seus valores e princípios morais, possa constituir uma iniciativa promissora e de sucesso para melhoria da qualidade vida do cidadão da Amazônia.
Continua…
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